sábado, 24 de dezembro de 2022

Lírica Crua Nature

 

De uma coisa eu e, acredito que muitos brasileiros enamorados pelo vinho de nossas terras atualmente, de que os nossos espumantes estão entre os melhores “borbulhas” do planeta. E não é um discurso ufanista carregado de ódio que rejeita todos os produtores e rótulos de outros países, mas uma condição concreta, de que os nossos vinhos são especiais e a tendência é que cresça a cada dia.

Há alguns dias atrás eu li uma informação de que um espumante, de método charmat, simples, básico, que custa na faixa dos R$30,00, ficou entre os melhores espumantes do mundo, em um concurso, pasmem, da França, a terra dos champagnes!

Ganhou medalha de ouro e ficou no top 10 do Effervescents du Monde 2022 (Leia aqui) e se chama Conde de Foucauld brut, da grande Vinícola Aurora, além de outros dois espumantes, como o Salton Prosecco e o Nero Live Celebration, da Famiglia Valduga.

Essa é a prova contundente para mostrar, corroborar a qualidade e a tipicidade de nossos vinhos espumantes. É bem verdade que não degustamos prêmios ou medalhas, degustamos vinhos, mas quando vinhos tão baratos e básicos conquistam prêmios dessa magnitude, são laureados dessa forma, merece, no mínimo, atenção e logo reverência.

Então hoje decidi, na noite de natal, com uma celebração em família, abrir um espumante, decidi celebrar com um vinho brasileiro, celebrar com o carro chefe de nossa vitivinicultura: o espumante.

E além da escolha por um espumante, será o espumante, pois esse será o segundo rótulo que degustarei no método tradicional, no método champenoise, um espumante nature que, até pouco tempo atrás, eu nunca tinha degustado, o que ainda, mesmo degustando espumantes há tempos, tenho espaços para novidades, gratas novidades.

A minha primeira experiência fora com o Don Giovanni Nature e foi simplesmente arrebatadora a degustação, com momentos singulares. E agora mais uma página na minha história que será ilustrada com espumantes complexos, de estrutura e marcante personalidade.

E ainda tem mais: Será meu primeiro espumante de uma região, não só nova para mim, como para muitos enófilos brasileiros. Uma região que vem ganhando alguma visibilidade e ganhando também credibilidade, falo da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul.

Acredito fielmente que não poderia haver melhor momento para degusta-lo! Porém eu o conheci, bem como o seu produtor, em um evento que seus rótulos foram homenageados, falo da Vinícola Hermann.

O vinho que degustei e gostei veio como disse, da Serra do Sudeste e se chama Lírica Crua, um Nature composto por Chardonnay (80%), Pinot Noir (10%) e Gouveio (10%), que também é conhecida como Verdelho e Godello, sem safra informada. E antes de entrar na história da região e falar do vinho, que é simplesmente espetacular, há uma curiosidade que rodeia o Lírica Crua. Ele foi o primeiro espumante brasileiro a ser vendido sem o processo de dégorgement.

Mas o que é dégorgement? Depois do processo completo de remuage, que consiste num trabalho cuidadoso em girar a garrafa no pupitre para que as leveduras se direcionem ao gargalo da garrafa, é feito o dégorgement, para limpar a bebida. O gargalo da garrafa é congelado para solidificar os sedimentos que ficam após a segunda fermentação nos espumantes feitos pelo método Tradicional. A garrafa, então, é aberta e a pressão expele o “gelo”. Depois ela volta a ser arrolhada.

No caso do Lírica Crua isso não acontece e as leveduras ficam na garrafa, patrocinando ao vinho uma incrível complexidade e cremosidade, dando-lhe personalidade e uma incrível capacidade de longevidade. Mas espere também frescor, leveza, como todo bom espumante brasileiro.

O método natural do espumante ou champenoise

O método tradicional consiste principalmente em uma dupla fermentação do mosto, a primeira em grandes recipientes, e a segunda em garrafas, dentro das caves ou adegas, fazendo o processo de remuage (rotação das garrafas) regularmente.

A primeira fermentação, chamada fermentação alcoólica, é idêntica à que ocorre com os vinhos comuns, ou seja, os “não efervescentes”, ditos tranquilos. O vinho básico costuma ser vinificado em tanques de concreto, aço inoxidável ou madeira, mas alguns produtores preferem fazer a vinificação em barricas de carvalho (com muitos anos de uso).

No momento de engarrafar, a esse vinho básico, é acrescentado um composto denominado liqueur de tirage, uma solução de vinho adoçado com açúcar (de cana ou beterraba) ou suco de uva concentrado (aproximada 24 g/l de açúcar) e leveduras selecionadas, para iniciar a segunda fermentação.

Esse composto, dentro garrafa, provoca o início da segunda fermentação. É ela que gera as bolhas de dióxido de carbono, fruto da transformação química dos açúcares em álcool mais gás carbônico.

A garrafa então é tapada com uma cápsula metálica parecida com as de cerveja. Contudo, nessa segunda fermentação, ocorre o surgimento de borras que deverão ser retiradas do vinho. Assim, o próximo passo é conduzir o vinho para o período de descanso em garrafa, que pode ser de pouco mais de um ano chegando até 10 anos, ou mais. Normalmente os Champagne safrados, ou millésimes, permanecem mais tempo em garrafa antes de serem lançados ao mercado.

Para retirar as borras, faz-se a remuage. O processo consiste em dispor as garrafas em cavaletes especiais, ditos pupitres, com o gargalo para baixo. A cada dia, as garrafas são giradas em um quarto de volta. Isso tem como objetivo descolar as borras (resíduos) da parede da garrafa e fazê-las descer para o gargalo. Em muitos lugares, essa prática é feita ainda manualmente, enquanto os grandes produtores já o fazem com equipamentos automatizados, como os giropalets.

Finalmente, para retirar o depósito de borra, é realizada a degola (dégorgement, em francês). Para tal, congela-se o gargalo em um preparado de salmoura a 25ºC negativos. Nesse momento, a cápsula é retirada e a borra é expulsa pelo gás sob pressão. A pequena perda de volume de vinho é substituída por uma mistura de vinho e açúcar, chamado licor ou vinho de dosagem, também conhecido, principalmente na França, como liqueur d’expédition.

Normalmente, esse licor é um composto de vinho (de reserva), açúcar e SO2, como antioxidante e antimicrobiano. Sua função, além de recompor o volume da garrafa, é definir o estilo do espumante conforme a concentração de açúcar. Essa quantidade de açúcar presente no licor vai determinar se o espumante de método champenoise será Brut Nature (menos de 3 g/l), Extra-Brut (até 6 g/l), Brut (menos de 12 g/l), Extra-Sec (entre 12 e 17 g/l), Sec (entre 17 e 32 g/l), Demi Sec (entre 32 e 50 g/l) ou Doux (mais de 50 g/l). E há também alguns produtores que não utilizam o licor de expedição.

Nos últimos anos, muitas vinícolas passaram a produzir espumantes do tipo Nature. Essa bebida nobre extrai o sabor mais puro das uvas e do processo de fermentação, criando um resultado surpreendente.

Nature

O Nature passa pelo método tradicional de produção, conhecido como champenoise. Contudo, a diferença é que a categoria não passa pela etapa de correção de sabor – momento em que um licor de expedição, feito a partir do próprio vinho e do açúcar, é adicionado na bebida.

O interessante desse espumante é que ele geralmente vai ter uma qualidade maior de ingredientes. Como não passa pela correção de sabor, é importante que seja feito com perfeição.

Para ganhar o título de Nature, a bebida precisa conter até 3 gramas de açúcar por litro, enquanto o Brut pode conter entre 6 e 15 gramas por litro. Por isso, o sabor do espumante é mais seco. O tempo de maturação do vinho também é maior, o que resulta em um volume de boca considerável. Ou seja: é mais cremoso do que os outros estilos. Normalmente as variedades utilizadas para esse tipo de espumante é a Chardonnay e a Pinot Noir.

Serra do Sudeste

Nossa mais famosa região vinícola é, sem dúvida alguma, a Serra Gaúcha, da qual faz parte a primeira área de Indicação de Procedência brasileira, o Vale dos Vinhedos. De dentro para fora, sabemos que o Vale está chegando ao seu limite de plantio. Como área de procedência certificada, as regras que controlam sua existência são rígidas e hoje sobram poucas terras de qualidade às vinícolas para que plantem suas uvas. Ele não deixa de ser, no entanto, o polo para onde convergem as atrações turísticas e as grandes instalações produtoras das vinícolas, incluindo suas adegas.

Os outros municípios que compõem a região da Serra Gaúcha vêm se desenvolvendo com constância como Garibaldi, Flores da Cunha e Farroupilha. Mas algumas novidades interessantes estão aparecendo em cidades a noroeste de Bento Gonçalves, como Guaporé, na linha Pinheiro Machado e Casca, na direção de Passo Fundo.

Mas tem uma região que, apesar de ter sido descoberta na década de 1970, pode-se considerar que se trata de uma região nova, pois somente a partir dos anos 2000, com investimentos feitos pelas vinícolas da Serra Gaúcha, que o potencial dela foi, de fato, explorado. Essa região é a Serra do Sudeste.

Ela forma uma espécie de ferradura virada para o mar, ligando os municípios de Encruzilhada do Sul e Pinheiro Machado, separados ao meio pelo rio Camaquã, que deságua na Lagoa dos Patos. Essa região faz divisa com outra importante área vinícola brasileira, a Campanha Gaúcha, dividida entre Campanha Meridional (que começa na cidade de Candiota) e Campanha Oriental, que segue a linha da fronteira com o Uruguai.


Serra do Sudeste

A Serra do Sudeste tem colinas suaves, que facilitam o plantio e a mecanização, tornando-a um terroir mais simples de trabalhar. Aliadas a isso, estão as condições climáticas, mais favoráveis do que no Vale dos Vinhedos. Essa região tem o menor índice de chuvas do Estado do Rio Grande do Sul, além de noites frias mesmo no verão, justamente a época da maturação das uvas. Essas condições naturais, além de um solo mais pobre e de origem granítica, ajudam a ter maior concentração de cor, estrutura e potencial de envelhecimento dos vinhos.

O Instituto de Pesquisa Agrícola do Rio Grande do Sul mapeou pela primeira vez esta área nos anos 1970, mas é no começo da década de 2000 que as primeiras vinícolas de certa importância começam a plantar vinhedos por aqui, entre os municípios de Encruzilhada do Sul, o principal, Pinheiro Machado e Candiota (mesmo próxima de Bagé Candiota é considerada pelo IBGE como pertencente à Serra do Sudeste e não à Campanha, embora haja controvérsias).

Em grande parte se trata de uma região vitícola, geralmente as uvas aqui colhidas são conduzidas nas instalações das vinícolas na Serra Gaúcha e lá transformadas em vinho, esta região ainda não possui, e nem pleiteia em curto prazo, o reconhecimento a Denominação de Origem Controlada, quando, e se, isso ocorrer o vinho deverá ser produzido por aqui, já que este é um fator crucial na lei das denominações de origem.

As castas internacionais dominam a viticultura na Serra do Sudeste, tintas e brancas que na Serra Gaúcha podem representar um desafio pelo clima úmido, aqui prosperam com mais facilidade, o índice pluviométrico é alinhado com o estado do Rio Grande do Sul, chove um pouco menos que no Vale dos Vinhedos, mas o que mais importa é que as chuvas são mais bem distribuídas ao longo do ano, raramente coincidindo com o período da colheita das variedades tardias.

A característica dos vinhos daqui é o bom nível de aromas, a sapidez pronunciada por conta da presença do calcário e o perfil gastronômico, boa acidez, taninos enxutos nos tintos e presença mineral nos brancos. Uvas mais cultivadas na região são: Malbec, Cabernet Franc, Merlot, Gewurztraminer, Sauvignon Blanc e Malvasia.

Se for verdade que a Serra do Sudeste não possui o panorama encantador da Serra Gaúcha, é também verdade que seus vinhos representam um patrimônio da vitivinicultura brasileira que merece ser descoberto, e sem demora.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um amarelo palha intenso e com algum brilho e reflexos esverdeados, apesar de uma discreta turbidez, devido as leveduras, com perlages finos e intensos, persistentes.

No nariz traz aromas que, evidentemente, nos remete as leveduras, com toques de panificação, de pão tostado em tom delicado, com um ataque, em seguida, de frutas cítricas, como laranja, limão, tangerina, abacaxi e logo depois frutas de polpa branca, como pera e algo floral, de flores brancas que entrega frescor e leveza.

Na boca é vivaz, altivo, intenso, complexo e de textura deliciosa, saborosa, cheio, untuoso, cremoso, com notas de pão, de fermento, pão com manteiga, mas, ao mesmo tempo é elegante, fresco, como todo bom espumante. As borras, as leveduras lhe conferem a suavidade e que equilibra a acidez, que é excelente, que faz salivar, com um final frutado e prolongado.

Sim, os nossos espumantes estão entre os melhores do mundo! Sim, expressam o que há de melhor de nossos terroirs! Sim, temos de vinhos básicos aos mais complexos e longevos! Não, isso não é discurso ufanista! É um discurso, carregado de orgulho que pode parecer passional, mas que vem repleto de argumentos fortes e contundentes. Estamos presenciando, diante dos nossos olhos, a revolução dos espumantes brasileiros, de bebidas que não estão imitando os chilenos, os argentinos, mas revelando a sua tipicidade, mostrando o nosso DNA! E como não há dia melhor para celebrar com a sua família em um dia de natal, façamos com reverências, respeito e, sobretudo muito prazer e privilégio por degustar um vinho como esse! Tem 11,8% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Hermann:

A família Hermann trouxe todo o seu know-how de profundos conhecedores de diversas regiões vinícolas do mundo para a esfera da produção de vinhos, apostando no potencial dos melhores terroirs da região sul do Brasil.

Proprietários de uma das maiores importadoras de vinhos de alta qualidade do país, a Decanter, compraram em 2009 um vinhedo de grande vocação em Pinheiro Machado, na Serra do Sudeste no Rio Grande do Sul, plantado com mudas de alta qualidade por um dos viveiros líderes de Portugal.

A assessoria enológica de um dos mais brilhantes enólogos de Portugal, o renomado “rei do Alvarinho” Anselmo Mendes - “Enólogo do Ano” pela Revista de Vinhos de Portugal em 1997 - ao lado do talentoso enólogo Átila Zavarizze, garante a excelência na transformação das uvas promissoras em grandes vinhos brasileiros, com caráter e tipicidade.

Mais informações acesse:

http://www.vinicolahermann.com.br/

Referências:

“Marco Ferrari Sommelier”: https://www.marcoferrarisommelier.com.br/blog.php?BlogId=33

“Cave BR”: https://www.cavebr.com.br/serra-do-sudeste-1

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-nova-fronteira-sul_8619.html

“intelivino”: https://intelivino.com.br/serra-do-sudeste

Revista Adega: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/champenoise-tradicional-ou-classico-os-metodos-de-fazer-champagne_11987.html

Gaúcha ZH: https://gauchazh.clicrbs.com.br/destemperados/bebidas/noticia/2017/10/nature-um-espumante-puro-ckboenhcu004dmmslca2k2gtc.html

“Garibaldi Blog”: https://www.garibaldiblog.com.br/post/degorgementperlageremuage

“A Gazeta”: https://www.agazeta.com.br/hz/gastronomia/espumante-brasileiro-de-r-30-e-eleito-um-dos-melhores-do-mundo-1222







 





sábado, 17 de dezembro de 2022

Dom Cândido Documento Merlot e Cabernet Sauvignon 2017

 

Eu sei, sou um réu confesso! Adoro os vinhos de cortes bordaleses! São imbatíveis! Para mim é o melhor blend que existe no universo do vinho! Talvez seja mais relevante que a própria região de Bordeaux que, por si só, já é emblemática, icônica.

Atualmente temos visto, sobretudo em terras brasileiras, muitos cortes famosos de Bordeaux, aquele com a predominância da Merlot e Cabernet Sauvignon, com alguns “resquícios” da Malbec, Cabernet Franc e Petit Verdot, em doses menos representativas.

Brasil, Chile e vários outros países que compõe o bloco do Novo Mundo têm produzido rótulos com esse corte e, diante dos seus terroirs, das suas mais marcantes características, adquirem tipicidades singulares.

Tenho esboçado uma “minuciosa aventura” nos rótulos brasileiros e digo que, diante desse meu ávido interesse, venho descobrindo, a cada dia, novos rótulos. Praticamente todas as vinícolas, sejam elas pequenas ou grandes, com pouca ou muita participação de mercado, estão investindo na dupla Merlot e Cabernet Sauvignon e digo, desde já, que são apostas certeiras.

E o rótulo de hoje foi oriundo de uma grata descoberta em esses famosos eventos de degustação de vinhos brasileiros que tem acontecido, com mais ênfase, de 2017 para cá. E o produtor desse vinho eu descobri exatamente em 2017 no festival “Vinho na Vila”.

Estava em um estande simples, com poucos rótulos em exposição e digo com uma procura baixa. Claro que aquilo me chamou a atenção, uma espécie de convite. Me dirigi a estande e o expositor, que me parecia ser um representante da vinícola, educadamente me apresentava os seus rótulos. Decidi levar o Dom Cândido Chardonnay 2017 e assim foi o meu primeiro contato com a Dom Cândido.

E agora a versão tinta, do famoso corte bordalês em uma quantidade limitada de 4.000 garrafas (a minha é número...)! Não preciso dizer da minha ansiedade em desarrolhá-lo. E esse momento, enfim, chegou! O vinho que degustei e gostei veio da fantástica Vale dos Vinhedos, da DO Vale dos Vinhedos, e se chama Documento das castas Merlot (60%) e Cabernet Sauvignon (40%) da safra 2017. E para não perder o costume vamos de história!

Serra Gaúcha

Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento Gonçalves.

Serra Gaúcha

A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita, período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.

A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.

Vale dos Vinhedos e a sua Indicação de Procedência

O Vale dos Vinhedos localiza-se no centro do triângulo formado pelas cidades de Bento Gonçalves (nordeste), Monte Belo do Sul (noroeste) e Garibaldi (sul). O Vale dos Vinhedos compreende a parte da bacia hidrográfica do Rio Pedrinho, situada a montante da foz de um córrego afluente deste e situado a sudeste da comunidade de Vale Aurora, no município de Bento Gonçalves.

A parte do vale a jusante é denominada de Vale Aurora. A maior parte da área do Vale dos Vinhedos fica localizada em território do município de Bento Gonçalves, com 55% do total, e a menor parte fica localizada em território de Monte Belo do Sul, com 8% na porção noroeste. A parte sul do Vale pertence ao município de Garibaldi, com 37% da área total. 

Parte da zona urbana de Bento Gonçalves situa-se dentro do perímetro do Vale, haja vista que a linha divisória de águas entre as bacias do Rio Pedrinho e do Rio Buratti passa pela parte oeste da cidade. Localizam-se ao longo desta linha, ou próximo desta, a pista do Aeroclube de Bento Gonçalves, a Estação Rodoviária de Bento Gonçalves, o Estádio da Montanha e a Estação Ferroviária de Bento Gonçalves.

Vale dos Vinhedos

O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.

O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação de Origem Controlada) na região.

Sua norma estabelece que toda a produção de uvas e o processamento da bebida seja realizada na região delimitada do Vale dos Vinhedos. A DO também apresenta regras de cultivo e de processamento mais restritas que as estabelecidas para a Indicação de Procedência (IP), em vigor até a obtenção do registro da DO, outorgado pelo INPI.

DO Vale dos Vinhedos

O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Veneto, logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local. Até a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos vendiam sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de vinho que produziam destinava-se ao consumo familiar.

Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.

Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). Atualmente, a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não produtores de vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de produtos artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos Vinhedos produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e processaram 14,3 milhões de kg de uvas viníferas.

Detalhes da Denominação de Origem do Vale dos Vinhedos

1 - A produção de uvas e a elaboração dos vinhos ocorrem exclusivamente na região delimitada do Vale dos Vinhedos, uma área de 72,45 km2 localizada nos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul.

2 - Existem requisitos específicos para de cultivo dos vinhedos, produtividade e qualidade das uvas para vinificação;

3 - Os espumantes finos são elaborados exclusivamente pelo “Método Tradicional” (segunda fermentação na garrafa), nas classificações Nature, Extra-brut ou Brut; para este produto as uvas Chardonnay e/ou Pinot Noir são de uso obrigatório;

4 - Nos vinhos finos brancos, a uva Chardonnay é de uso obrigatório, podendo ter corte com a Riesling Itálico;

5 - O uso da uva Merlot é obrigatória para os vinhos finos tintos da DO, os quais podem ter cortes com vinhos elaborados com as uvas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Tannat;

6 - Os produtos que passam por madeira envelhecem exclusivamente em barris de carvalho;

7 - Para chegar ao mercado, os vinhos brancos passam por um período mínimo de envelhecimento de 6 meses; no caso dos vinhos tintos são 12 meses; os espumantes finos passam por um período mínimo de 9 meses em contato com as leveduras, na fase de tomada de espuma;

8 - Os vinhos apresentam características analíticas e sensoriais específicas da região e somente são autorizados para comercialização os produtos que obtenham do Conselho Regulador da DO o atestado de conformidade em relação aos requisitos estabelecidos no Regulamento de Uso.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um lindo e brilhante vermelho rubi intenso, com entornos violáceos e lágrimas finas, lentas e em profusão.

No nariz entrega aromas de frutas vermelhas maduras, com destaque para amora, cereja e ameixa, me remetendo a um frescor, completados por notas amadeiradas, graças aos 12 meses de passagem por barricas de carvalho, baunilha, couro e diria um agradável floral.

Na boca é saboroso, intenso, de média estrutura, mas macio e muito elegante, com as notas frutadas protagonizando, como no aspecto olfativo e em plena sinergia com a madeira que também se revelam, com toque abaunilhado, terroso e de um apimentado que lembra pimenta preta, as especiarias se mostram. Tem taninos domados, redondos, uma bela acidez e um final prolongado e frutado.

Bordeaux na taça! Não! Brasil na taça! O corte, tradicional da icônica região francesa de Bordeaux, traz a tipicidade, mesmo em blends, do Brasil, traz o DNA de uma das mais importantes regiões brasileiras, a DO Vale dos Vinhedos. Entrega estrutura, complexidade, mas a elegância, a maciez, a sofisticação que esse corte pode proporcionar. Um vinho equilibrado, pronto para ser degustado, mas que poderia evoluir e bem na garrafa por mais alguns anos. Que venham mais e mais rótulos como esse e diferente desse também. Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Dom Cândido:

A Vinícola Dom Cândido tem sua origem em 1875, quando Luigi e Leonor, avós de Cândido Valduga chegam em território brasileiro, vindos da região do Tirol Italiano, e se instalam em uma colônia na região hoje conhecida como o Vale dos Vinhedos. O Ano de fundação da Vinícola Dom Cândido foi em 1986.

Logo se inicia o plantio das primeiras videiras para elaboração dos vinhos para consumo da família. Porém, com o passar do tempo, a produção excedente passa a ser comercializada. E, desde a sua infância, Cândido Valduga convive com a rotina da vitivinicultura, acompanhando e auxiliando seus pais, Marco e Maria, nas tarefas no campo, o que acabou aflorando a sua paixão pela uva e vinho, nascendo, assim, uma história de amor que continua passando de geração para geração.

Ainda na juventude, Cândido conhece Lourdes e juntos constituem uma família que sempre se manteve unida em torno dos valores do trabalho, da união e do amor pelo vinho. Atualmente, os filhos estão à frente do negócio.

Localizada no coração do Vale dos Vinhedos, o complexo da Dom Cândido é um verdadeiro convite à vivência de experiências únicas, reunindo belezas naturais exuberantes, vinhos e espumantes de excelente qualidade, farta gastronomia e receptividade familiar.

A família Dom Cândido se orgulha de sua história de trabalho, dedicação e amor por esta terra, cultivando uvas nobres, em vinhedos próprios, que resultam na elaboração de quantidades limitadas de garrafas de vinhos e espumantes de sabores e aromas incomparáveis.

Pessoas envolvidas no trabalho, dedicação e amor por esta terra. Tradição e valores passados de geração em geração, fazendo com que o cultivo de uvas nobres, em vinhedos próprios, resulte na elaboração de quantidades limitadas de garrafas.

Mais informações acesse:

https://www.domcandido.com.br/

Referências:

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA

“Blog Sonoma”: https://blog.sonoma.com.br/o-sucesso-da-merlot-no-brasil/amp/

“Vinho IG”: https://vinho.ig.com.br/2010/08/17/merlot-brasileiro-e-melhor-do-mund.html

“Wikipedia”: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vale_dos_Vinhedos#Denomina%C3%A7%C3%A3o_de_Origem_Vale_dos_Vinhedos

“Viajali”: https://www.viajali.com.br/vale-dos-vinhedos/

“Embrapa”: https://www.embrapa.br/indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil/ig-registrada/do-vale-dos-vinhedos

 

 

 

 










quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Magna Cabernet Sauvignon (50%), Malbec (40%) e Syrah (10%) 2016

 

Eu nunca entendi o motivo pelo qual eu degustava apenas varietais argentinos! Talvez seja uma informação totalmente irrelevante e até sem sentido, mas observei isso há pouco tempo.

Não era algo intencional, isso eu defendo ardorosamente, talvez uma mera e simples coincidência. Porém passei a degustar alguns, poucos é bem verdade, blends e que me chamaram muito a atenção!

E o mais importante: O Valle de Uco! Ah como essa região, que fica em Mendoza, vem me ganhando a cada dia que passa, a cada experiência, a cada rótulo degustado. E vem ganhando notoriedade, respeito e ela foi “descoberta” apenas nos anos 1990! Pasmem!

E mais um rótulo, mais uma experiência será colocada em taça! A história é viva e latente e a taça cheia traz sempre à tona o Valle de Uco. E o vinho de hoje traz uma vinícola que não degustava há algum tempo e tem a sua história em Mendoza, construindo a sua vitivinicultura: Falo da Família Zuccardi, a vinícola Santa Júlia.

E este rótulo traz um blend sensacional com as castas mais representativas da Argentina, aquelas que fazem sucesso nos terroirs dos Hermanos: Carbernet Sauvignon, a icônica Malbec e a Syrah.

O vinho que degustei e gostei veio do Valle de Uco, em Mendoza, e se chama Magna composta pelas já informadas castas Cabernet Sauvignon (50%), Malbec (40%) e Syrah (10%) da safra 2016. O vinho, no auge dos seus 6 anos de vida teria muitos e muitos anos pela frente, mas está tão elegante, tão macio, tão complexo...

Mas antes de entrar nos detalhes do vinho, vamos, para variar, com as histórias que permeiam o vinho, vamos de Valle de Uco e a sua importância para a Argentina.

Valle de Uco

Foi possível confirmar a presença de aborígenes que povoaram o vale de Uco muitos anos antes de Cristo. Nos petróglifos encontraram seu modo de vida: eram pessoas que se dedicavam à agricultura e à caça de animais, graças aos benefícios que o lugar lhes oferecia.

No século XVI, a chegada dos conquistadores espanhóis das terras chilenas e peruanas marca as primeiras explorações em terras habitadas por dóceis e laboriosas famílias indígenas: os huarpes. Daquela época vem a palavra "Uco", que se refere ao nome do cacique Cuco. Além disso, é traduzido como uma nascente de água, elemento fundamental da região.

Um século depois, os padres jesuítas se estabeleceram no vale. Eles constituíram a primeira cidade organizada e fundaram o Curato de Uco, dando início à evangelização. O general José de San Martín governou Cuyo com sede em Mendoza entre 1814 e 1816, enquanto organizava os preparativos para empreender a travessia dos Andes e libertar o Chile e o Peru.

Em várias ocasiões, ele se encontrou com nativos na área antes da expedição de libertação. Também com o militar argentino Manuel de Olazábal quando retornou à sua terra natal pelo desfiladeiro El Portillo, no que hoje é conhecido como Manzano Histórico.

Jose de San Martin

Por sua vez, a história da viticultura na região tem suas referências. Na década de 1880, Juan Giol, Bautista Gargantini e Pascual Toso chegaram de suas terras europeias e se associaram e se dedicaram à produção de vinhos. Três apelidos famosos que deram origem à San Polo Winery and Vineyards no início dos anos 1930, que tem a honra de ter, até hoje, cinco gerações de enólogos.

Bautista Gargantini

Juan Giol

Pascual Toso

O Vale do Uco foi “descoberto” pela indústria vitivinícola nos anos 1990. Localizado no sudoeste da cidade de Mendoza, bem aos pés dos Andes, seus vinhedos estão plantados em uma zona de clima temperado, com invernos rigorosos e verões quentes com noites frescas. Pode-se dizer que Uco é uma área realmente fria da região de Mendoza – e também de grande amplitude térmica (pode chegar a até 16o C), em parcelas que variam entre 850 e 1.700 metros de altitude.

Os solos são predominantemente pedregosos, com seixos rolados misturados à areia grossa, de boa permeabilidade, boa drenagem e pouco férteis. Em algumas zonas, observa-se argila ou calcário e até áreas com depósitos de cálcio, estas últimas mais raras e valorizadas, e também de onde vêm saindo alguns dos melhores vinhos lá produzidos atualmente. O índice pluviométrico é baixo e a irrigação dos vinhedos é normalmente feita por gotejamento com água de degelo das montanhas.

O Vale estende-se por três departamentos (segundo nível de divisão administrativa nas províncias argentinas): Tupungato, Tunuyán e San Carlos. A altitude e a grande amplitude térmica constante que os três departamentos compartilham exercem influência na qualidade das uvas produzidas, uma vez que torna a fase de amadurecimento da fruta mais longa, permitindo que o caráter varietal de cada cepa cultivada desenvolva-se por completo, ao mesmo tempo em que um teor agradável de acidez seja preservado.

O sucesso do vale é tamanho que, no início da década de 2010, a área de vinhedos plantados chegava a quase 26.000 hectares, praticamente o dobro do que havia no local no início dos anos 2000. O desenvolvimento da região é inconteste, assim como a sua crescente reputação dentro da vitivinicultura argentina, haja vista que um grande número de vinícolas estabelecidas em outras áreas de Mendoza busca adquirir vinhedos no vale e também construir novas plantas na região.

Aproximadamente 75% dos vinhedos são de uvas tintas, especialmente Malbec, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot e Pinot Noir, com destaque para a vedete nacional nos últimos anos, a Cabernet Franc. Dentre as brancas, brilham a Chardonnay, a Sémillon e a Sauvignon Blanc, mas também há vinhos com Viognier e Torrontés.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase escuro, com halos granada e com muito brilho, reluzente, com lágrimas finas, lentas e em profusão.

No nariz traz a marcante presença de frutas pretas bem maduras, com destaque para cerejas, amoras e ameixas e da madeira, porém em incrível sinergia, bem integrados, com ambos protagonizando, entregando notas de baunilha, café, torrefação e chocolate, graças aos 10 meses em barricas de carvalho.

Na boca é estruturado, intenso, com alguma robustez, mostrando-se cheio, volumoso, mas ao mesmo tempo se mostra sedoso, elegante e equilibrado. A marcante presença das frutas pretas é evidente, como no aspecto olfativo, com aquele toque amadeirado que proporciona um chocolate, torrefação. Tem taninos presentes, mas domados, acidez média e um final longo e persistente, com retrogosto frutado.

Celebração, experiências, história, rótulos, tudo se mescla e se resumem no prazer pela degustação de um grande rótulo do Valle de Uco, um belo e necessário mendocino. Personalidade, a tipicidade de suas castas que, mesmo em corte, são evidentes, as percepções, as experiências sensoriais ganham relevância, ganham força, ganham vida. Degustar Valle de Uco tem sido uma ode à celebração que, a cada momento, desafia a nossa humildade e simplicidade perante a décadas de história a serviço do nosso deleite líquido, da nossa poesia líquida, o bom e velho vinho. Magna traz tudo isso e reflete na altivez do seu nome a personificação de seu terroir! Grande! Tem 14,3% de teor alcoólico.

Sobre a Bodega Santa Júlia:

Julia é filha única de José Zuccardi. Criada em sua homenagem, a Santa Julia representa o compromisso da Família Zuccardi em atingir os mais altos níveis de qualidade, por meio de práticas sustentáveis​​que contribuam para o cuidado com o meio ambiente e sejam úteis à comunidade em que se instalaram.

Em 1950 Alberto Zuccardi começa a fazer experiências com novos sistemas de irrigação em Mendoza. Em 1963 Ele instala um vinhedo na região de Maipú para mostrar aos produtores da região a funcionalidade de um sistema de irrigação criado por ele. Em 1982 decidiu-se ter como objetivo a produção de castas de alta qualidade. Júlia nasce. Em 1990 as primeiras exportações da marca Santa Julia acontecem. Ruben Ruffo se junta como enólogo da Santa Julia e se torna responsável pelo desenvolvimento e crescimento dos vinhos. No vinhedo Santa Rosas se plantam vinhedos com variedades não tradicionais na Argentina: Caladoc, Ancellotta, Graciano, Bourbulenc, Aglianico, Albariño, Falangina, etc.

Em 2001, a Bodega Santa Julia foi a primeira vinícola a abrir um centro de visitantes com restaurante próprio. Hoje o projeto é dirigido por Julia Zuccardi. Foi uma década de início de novos projetos. Aos quais as novas gerações da Família gradualmente se juntaram. O projeto dos espumantes começa a ser desenvolvido. Um novo desafio que, hoje, acompanha a linha de vinhos. Em 2004, com o objetivo de produzir vinhos da forma mais natural possível, consegue-se a primeira certificação de vinha orgânica. Em 2013 Duas das principais vinhas da família Zuccardi são certificadas pela Fair For Life. Isso permite um desenvolvimento mais justo das atividades socioeconômicas de nossos trabalhadores.

Mais informações acesse:

https://santajulia.com.ar/

Referências:

“Welcome Argentina”: https://www.welcomeargentina.com/valle-de-uco/historia.html

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/conheca-o-vale-do-uco-local-que-reune-grandes-vinhos-argentinos_11401.html

 








segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Querências do Sul Arinarnoa 2020

 

Quando a gente ultrapassa a condição de novidade e se enamora por alguma coisa, quer mais. Ambições à parte, eu prefiro definir como desejo de repetir a dose! E no universo do vinho não é diferente.

Quando degustamos uma casta pela primeira vez, quando desbravamos, em generosas taças, novas regiões, novos terroirs e gostamos, queremos sempre mais, não ficar apenas na estreia.

E lembro que o tema desse texto está girando em torno de uma casta que descobri, quase que despretensiosamente, a pouco tempo, degustando um vinho excepcional, especial. É um arrebatamento singular, mas que entrega múltiplas sensações.

O primeiro contato confesso que, diante da minha magnânima ignorância, pensei se tratar de uma casta tingida pela natureza, mas não, descobri se tratar de uma “casta de laboratório”, como a Pinotage, por exemplo, emblemática cepa da terra de Mandela.

Então o próximo passo, quando a conheci, foi ir mais a fundo, buscar rótulos dessa casta e quem sabe adquirir uns exemplares, afinal a minha caminhada em busca de castas pouco aclamadas precisam ser fomentadas.

Para a minha surpresa e alegria encontrei alguns rótulos brasileiros! Sim! Brasileiros! O nome do vinho: Valdemiz Reserva Arinarnoa 2015! As impressões? A melhor possível! Que vinhaço!

E depois de algum tempo fui convidado por um bom amigo para botar a conversa em dia e degustarmos bons vinhos, em nossa mais nova e aconchegante confraria, quando ele me disse: “Teremos uma surpresa em nossas degustações!”. Aquilo me animou e fiquei, claro, curioso.

Quando em sua casa cheguei e já se preparando para degustar o primeiro rótulo vi, em sua adega, um Arinarnoa e exclamei: Uau, um Arinarnoa! Não é todo dia que vemos um Arinarnoa por aí e ele logo disse: “Essa é a surpresa!”. Não precisarei dizer que fui tomado por uma incontida animação!

Enfim então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio da região de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, Brasil, e se chama Querências do Sul, um 100% Arinarnoa, da safra das safras, 2020. E, para não perder o costume, vamos de história e falar um pouco da importância de Santana do Livramento para o cenário vitivinícola brasileiro e que faz parte da Campanha Gaúcha.

Campanha Gaúcha

Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí, forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul.

A Campanha Gaúcha se espalha também pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os “hermanos” do outro lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura de tosquia que ganha novas utilidades.

Campanha Gaúcha

No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.

As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura brasileira.

A mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura, a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos no Brasil.

A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.

E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto jornal Correio do Sul de Bagé.

IP (Indicação de Procedência) da Campanha Gaúcha

Em 2020 a Campanha Gaúcha ganhou reconhecimento de Indicação de Procedência (IP) para seus vinhos. Aprovada pelo Inpi na modalidade de I.P., a designação vem sendo utilizado pelas vinícolas da região a partir do ano de 2020 para os vinhos finos, tranquilos e espumantes, em garrafa.

A Indicação Geográfica (IG) foi o resultado de mais de 5 anos de pesquisa, discussões e estudos de um grupo interdisciplinar coordenados pela Embrapa Uva e Vinhos do Rio Grande do Sul.

Além disso, os vinhos devem ser elaborados a partir das 36 variedades de vitis viníferas permitidas pelo regulamento, plantadas em sistema de condução em espaldeira e respeitando os limites máximos de produtividade por hectare e os padrões de qualidade das frutas que seguirão para a vinificação. Finalmente, os vinhos precisam ser avaliados e aprovados sensorialmente às cegas por uma comissão de especialistas.

Esta é uma delimitação localizada no bioma Pampa do estado do Rio Grande do Sul, região vitivinícola que começou a se fortalecer na década de 1980, ganhando novo impulso nos anos 2000, com o crescimento do número de produtores de uva e de vinho, expandindo a atividade para diversos municípios da região.

A área geográfica delimitada totaliza 44.365 km2. A IP abrange, em todo ou em parte, 14 municípios da região: Aceguá, Alegrete, Bagé, Barra do Quaraí, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra, Itaqui, Lavras do Sul, Maçambará, Quaraí, Rosário do Sul, Santana do Livramento e Uruguaiana.

A Campanha Gaúcha está situada entre os paralelos 29º e 31º Sul e trata-se de uma zona ensolarada, com as temperaturas mais elevadas e o menor volume de chuvas entre as regiões produtoras do Sul do Brasil.

Ao mesmo tempo, as parreiras – predominantemente plantadas em sistema de espaldeira – foram estabelecidas em grandes extensões de planície (altitude entre 100 e 360 m.) com encostas de baixa declividade, o que favorece a mecanização das colheitas, reduz os custos e potencializa a escala produtiva. Uma característica importante é o solo basáltico e arenoso, com boa drenagem, que somada aos outros fatores propicia a ótima qualidade das uvas.

Esta foi uma conquista para a região, que pode refletir em uma garantia da qualidade de seus produtos. Fica a torcida para que, após muito tempo de consistência de qualidade e de uma real identificação da tipicidade, a Campanha Gaúcha possa ter o reconhecimento de uma Denominação de Origem (DO). Leia aqui na íntegra o regulamento de uso da IP da Campanha Gaúcha.

Santana do Livramento

A Região de Santana do Livramento está localizada no paralelo 31. Uma área de clima temperado, com altas temperaturas no verão e geadas no inverno. Além disso, o dia é marcado pela grande amplitude térmica. Essas características privilegiam a produção vinícola. Isso pode ser também percebido em outros países que estão nessa mesma latitude, como Argentina, Chile, África do Sul e Austrália.

Santana do Livramento

Nessa região gaúcha estão alguns pequenos produtores e vinícolas maiores como Almadén, Salton, Nova Aliança e Cordilheira Santana. Esses locais formam Ferradura dos Vinhedos. Eles podem ser visitados para degustação de vinhos, sucos e uva.

Faz parte da Região da Campanha do Rio Grande do Sul, destacando-se na pecuária (bovinos e ovinos) e na produção de arroz e soja. Mais recentemente, vem ampliando a produção frutífera, com destaque para a vitivinicultura.

Os primeiros ocupantes conhecidos da região do atual município foram os índios charruas e minuanos. Em seguida, vieram jesuítas espanhóis e ao longo do século XIX os imigrantes portugueses e italianos. Em 1810, a instabilidade política que levaria à independência das colônias espanholas na Bacia Platina motivou a vinda de tropas portuguesas para a região, com a finalidade de resguardar a fronteira luso-espanhola.

Essas tropas, comandadas por Diogo de Sousa, conde de Rio Pardo, deram início à atual cidade de Sant'Ana do Livramento, com a construção de uma capela dedicada à santa homônima. A povoação portuguesa permanente da região iniciou-se com a doação de sesmarias feitas pelo Marquês de Alegrete, em 1814. Fundada a cidade em 30 de julho de 1823, foi elevada à categoria de município em 1857, emancipando-se de Alegrete.

Arinarnoa

De acordo com algumas fontes pesquisadas a casta Arinarnoa tem origem no País Basco, não sendo, portanto, francesa, não sendo também espanhola. Como a casta Marselan, que vem fazendo sucesso no Brasil e a Pinotage, a mais famosa cepa sul africana, a Arinarnoa também é um cruzamento entre uvas e que está na lista das novas possíveis queridinhas de Bordeaux.

De acordo com o site “Plantgrape”, que cataloga videiras produzidas na França (leia aqui) o crescimento do cultivo da Arinarnoa vem aumentando exponencialmente desde 1988 que tinha 5 hectares, passando para 155 hectares em 2000, 164 em 2008 e 178 hectares em 2018. Os números não mentem, a Arinarnoa vem ganhando espaço entre os produtores franceses e vem também, consequentemente, tendo uma aceitação do mercado daquele país.

O reforço de que a Arinarnoa vem de Bordeaux é de que a mesma nasceu durante as alquimias de Pierre Marcel Durquéty, que também foi criador da uva Egiodola, que se destaca no Brasil com um rótulo da Vinícola Pizzato, no ano de 1956 no INRA (Institut National de la Recherche Agronomique), que fica em Bordeaux, na França.

Durante muito tempo achava-se que o cruzamento que originou a Arinarnoa era entre a Merlot e a Petit Verdot, porém testes de DNA rechaçaram essa teoria e confirmaram que, na realidade, os pais verdadeiros são as uvas Tannat e Cabernet Sauvignon, o que nos leva a concluir que ela é neta da Cabernet Franc e da Sauvignon Blanc. Em 1980, a variedade foi oficialmente aprovada para ser utilizada nas vinificações. A França é o principal produtor, no Sul do país e norte de Cognac (não, não se produz apenas conhaques na região).

Em idioma basco, um reforço de que a casta pode ser oriunda dessa região, a palavra “arin” significa “leveza”, algo agradável e versátil, já a palavra “arnoa” significa “vinho”, ou seja, o seu autor, juntando as duas palavras quis justamente indicar uma casta que originaria vinhos leves, versáteis e agradáveis.

Inicialmente pensou-se ser cruzamento da Merlot com a Petit Verdot, mas estudos de DNA recentes a veem como o cruzamento entre a Tannat e a Cabernet Sauvignon. Há quem questione essa informação pelo fato da Arinarnoa não ser uma casta leve, ser detentora de taninos firmes e presentes, mas de Tannat e Cabernet Sauvignon.

Por brotar tardiamente, é uma ótima casta para evitar estragos em anos que ocorrem geadas de primavera. Os cachos costumam ser abertos, que é uma vantagem para evitar acúmulo de umidade e, consequentemente, doenças fúngicas. As uvas têm cascas grossas que concentram compostos fenólicos e de cor, então os vinhos costumeiramente são estruturados, possuem taninos firmes, com cor profunda, e há possibilidades de encontrar nuances herbáceas, o que também é de se esperar ao analisar os parentais.

Adaptou-se perfeitamente bem no Uruguai, Chile, Argentina, e, principalmente Brasil. Na região da Campanha Gaúcha há a projeção de que será uma das grandes uvas tintas. Gosta de invernos rigorosos e verões ensolarados, típico do clima continental da região.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um envolvente vermelho rubi intenso, escuro, mas brilhante e quase fechado, com halos violáceos, além de lágrimas fina, intensas e lentas que desenham as bordas do copo.

No nariz mostrou-se intenso, aromático e extremamente complexo com notas de frutas negras maduras, como ameixa, amora, conferindo protagonismo, além de toques de couro, de ervas, aquele agradável toque herbáceo, tabaco, especiarias e café.

Na boca é estruturado, de marcante personalidade, bom volume de boca, untuoso, mostrando-se cheio, quente, mas, por outro lado, apresentou-se redondo, equilibrado e até elegante. Traz taninos envolventes e presentes, acidez equilibrada, com toques de rusticidade, lembrando tabaco, terra molhada. Final persistente.

Para se ter uma noção da importância disso até mesmo em Bordeaux a Arinarnoa tem sido pouco usada, então ver os produtores brasileiros investindo nessa casta é no mínimo digno de orgulho. Mas pelo que pude ler a respeito da casta ela se dá bem em climas de invernos rigorosos e verões ensolarados, típicos das tradicionais regiões gaúchas da Campanha e Serra Gaúcha. E graças ao bom gosto e percepção aguçada de meu bom amigo tive a oportunidade e o prazer de degustar, mais uma vez, um Arinarnoa com carimbo de qualidade, de tipicidade de um terroir brasileiro que, a cada dia, vem ganhando destaque chegando ao mesmo patamar que a sua vizinha Serra Gaúcha. Que venham mais e mais rótulos da excelente Arinarnoa! Tem 14% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Jolimont:

Idealizado por um Francês estabelecido na região em 1948, a Vitivinícola Jolimont é uma das pioneiras no Estado na produção de vinhos finos e artesanais.

Os 27 hectares cultivados estão a 830 metros de altitude, em solos pedregosos e profundos, com uma exposição geográfica privilegiada, do nascente do sol, com incidência de raios solares nas primeiras horas da manhã, até o pôr-do-sol, o que favorece a maturação homogênea dos frutos.

As baixas temperaturas durante o inverno são fundamentais às videiras no período de dormência. As condições meteorológicas do Vale do Morro Calçado exercem influência sobre a produção e a qualidade da uva, em todos os períodos fenológicos da videira, desde o repouso vegetativo, que ocorre durante o inverno, na brotação, floração, frutificação e crescimento das bagas, em meio ao clima ameno da primavera, em sua maturação provinda do calor do verão, até a queda das folhas ocorrida na estação do outono.

Essas condições climáticas, aliadas à topografia montanhosa e ao excelente estado do solo, permitem a maturação perfeita dos frutos, formando o Terroir ideal: um conjunto de fatores que contribui para a elaboração de um vinho raro, de personalidade única. Mais que isso, desse Terroir do Vale do Morro Calçado nasce o segredo da identidade de um vinho nobre, de sensação inexplicável, revelado somente no paladar.

Com a qualidade superior das uvas colhidas e a quantidade limitada de garrafas por safra, a Jolimont se coloca em um grupo seleto, que elabora vinhos artesanais genuínos, puros e de qualidade internacional.

Mais informações acesse:

https://www.vinhosjolimont.com.br/

Referências:

“6 Viajantes”: https://6viajantes.com.br/provando-delicias-na-rota-ferradura-dos-vinhedos-em-santana-do-livramento

“Wikipedia”: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sant%27Ana_do_Livramento

“Plantgrape”: https://plantgrape.plantnet-project.org/en/cepage/Arinarnoa

“Além do Vinho”: https://alemdovinho.wordpress.com/2015/09/17/arinarnoa-uma-grata-surpresa/

“Enocultura”: https://www.enocultura.com.br/cruzamento-entre-uvas-arinarnoa/

“Mondovinho”: http://mondovinho.blogspot.com/2018/02/um-varietal-de-arinarnoa.html

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA

“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/

“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/ciclo-de-crescimento-da-uva/

“Embrapa”: https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil/ig-registrada/campanha-gaucha

“Tudo do Vinho”: https://tudodovinho.wordpress.com/2020/07/14/i-p-campanha-gaucha/