sábado, 25 de fevereiro de 2023

Pueblo del Sol Reserva Marselan 2020

 

Sou um fã declarado, ou melhor, um apreciador declarado da região de Canelones, no Uruguai. Não apenas por ter sido a região responsável por descortinar o Uruguai e seus vinhos para mim, mas também pela qualidade, pela tipicidade de seus vinhos.

E não é à toa que Canelones é tida como a principal região produtora daquele país, exportada para o mundo, mostrando que, mesmo o Uruguai sendo um país pequeno, de dimensões territoriais pequenas, tem produzido vinhos de excelência e exportando para o mundo inteiro e Canelones é o grande responsável por isso.

E não se enganem, já que falei do sucesso, principalmente no Brasil, que o Uruguai personifica apenas a icônica casta Tannat! Claro que o nome do país foi projetado graças à Tannat e admitamos, ainda é o país mais proeminente na produção de rótulos dessa cepa, mas o Uruguai vem se revelando com outras castas que confesso jamais esperei encontrar por aquelas bandas.

E a degustação de hoje é especial! Porque além de ser mais um rótulo de Canelones, é uma casta que venho apreciando, conhecendo e que vem ganhando também alguma visibilidade no Cone-Sul, sobretudo no Brasil: A Marselan.

Bem então atrativos não faltam para a degustação de hoje: Canelones e Marselan. Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio de, claro, Canelones, no Uruguai e se chama Pueblo del Sol Reserva da casta Marselan da safra 2020.

E além da emblemática região, da especial casta Marselan, traz um rótulo de um dos maiores, se não for o maior, produtor do Uruguai, a Família Deicas. Essa é a linha de rótulos menos conhecida pelo grande público, mas está longe de ser ruim por conta disso. Eu já tive uma excelente experiência com o Pueblo dei Sol Viognier 2017, sendo que também fora meu primeiro contato com a Viognier e não poderia ter sido melhor.

Mas antes de falar do vinho, que surpreendeu maravilhosamente, vamos, para variar, de história. Falemos de Canelones e da casta Marselan.

Canelones

Localizada bem ao sul, Canelones é a principal região produtora de uva e vinho no Uruguai e, por isso, concentra a maior parte dos vinhedos do país. A cidade de Canelones faz parte da região metropolitana de Montevidéu. Ela é cercada por um enorme complexo de pequenas fazendas e vinhedos, que são responsáveis por impressionantes 84% da produção de vinho do Uruguai.

Nos seus arredores, encontram-se ótimos bares que oferecem os melhores e mais procurados vinhos do país, já que naquela região concentram-se desde as mais tradicionais até as mais luxuosas, modernas e rústicas vinícolas da América Latina.

Além disso, Canelones possui uma extensão de mais de 65 km de praia, repleta de entretenimentos e lugares para descansar, sem falar do Camping Marindia, que é um reduto de arte, cultura e atividades familiares, cercado por trilhas bem arborizadas e que proporciona uma linda visão de pôr do sol.

Os primeiros moradores de Canelones se instalaram na cidade por volta de 1726; já a partir de 1774, chegaram imigrantes espanhóis e no final do século XIX, vieram os imigrantes italianos para cultivar uvas e fabricar vinhos. Dali em diante, a história da cidade com o vinho começou a se intensificar, uma vez que passo a passo ela conquistava popularidade em todo o país.

Mas foi nos anos de 1970, que videiras de clones importados chegaram à cidade e os vinhedos começaram a se concentrar na qualidade. E hoje a produção de vinho da região representa 14% no mercado internacional e é responsável por oferecer uma abundância de opções ao enoturismo uruguaio.

Essa região não poderia ter localização melhor. Por sua visão pioneira, o Uruguai foi eleito o país do ano, em 2013, pela revista inglesa The Economist. Entre as principais razões estão o fato de realizar reformas que não se limitam a melhorar apenas a própria nação, mas atitudes que podem beneficiar o mundo.

E Canelones está sendo conduzida sob essa visão. Em meio a um processo de desenvolvimento enoturístico, a região já possui até projeto de promoção do turismo e do vinho desenhado pelo Ministério do Turismo com a colaboração da Comarca de l’Alt Penedès, Espanha.

Há produtores que se juntaram para ajudar nesse incentivo e criaram a Associação “Los Caminos del Vino”, que reúne diversas vinícolas familiares abertas para visitantes, onde podem ver as vinhas de perto, acompanhar as diferentes etapas da vinificação e, finalmente, provar o vinho e a comida típica do lugar.

Marselan

A Marselan é uma uva tinta que pode aparecer cada vez mais nos vinhos. Ela faz parte do seleto grupo das 6 uvas já aprovadas pelo INAO (Institut National de L’Origine et de La Qualité) para compor a lista das uvas em Bordeaux e Bordeaux Superiéur. Juntam a esse time as tintas Castets, Arinarnoa, Touriga Nacional, bem como as brancas Alvarinho e Liliorila.

A Marselan não surgiu naturalmente. Nasceu, contudo, pelas mãos do ampelógrafo parisiense Paul Truel, criador de mais de 12 outras variedades de uvas, em 1961, no sul da França. O nome da casta foi inspirado na cidade de Marseillan próxima a Montpellier. É lá onde fica localizado o INRA – centro de pesquisa agronômica, onde ele trabalhou até se aposentar em 1985.

Paul Truel

Quando Paul idealizou a Marselan ele tinha em mente potencializar, unir e melhorar as características de duas uvas conhecidas: a Cabernet Sauvignon e a Grenache. Da Cabernet Sauvignon, Truel queria preservar a potência, com rendimentos maiores, por outro lado, da Grenache – uva que se adaptou muito bem aos climas quentes – ele queria uma uva que tivesse resistência às altas temperaturas e, claro, uma nova casta resistente às doenças.

No início, ela não ganhou destaque e não foi o sucesso esperado, devido à baixa produtividade e aos pequeninos bagos. Com o aumento da demanda por uvas resistentes às moléstias – oídio, ácaros e podridão cinzenta, por exemplo -, ela foi incluída na listagem oficial de registros quase 30 anos depois, em 1990. Atualmente, é possível encontrá-la em terroirs com características distintas e ela deixa sua marca talentosa em diversos estilos, seja em um blend ou mesmo reinando sozinha em um varietal.

Muitos a utilizaram por anos apenas em pequenas porções em vinhos de corte, até que em 2002 surgiu o primeiro vinho 100% Marselan do mercado, o francês Domaine Devereux. De lá para cá, a Marselan começou a ser exportada para diferentes países, e vem ganhando espaço na California, Brasil e até na China, onde o Chateau Lafite Rotschild implantou vinhedos de Marselan mirando o mercado interno chinês.

Falando em países produtores, a Marselan vem sendo muito cultivada no Brasil, e a cada safra que passa novos produtores lançam seus rótulos. A Marselan é muito interessante para os produtores nacionais, especialmente os da Serra Gaúcha, por sua boa resistência a doenças fúngicas, que aparecem ao menor sinal de umidade. Vinificada, a uva apresenta bebidas muito agradáveis e com grande potencial de guarda.

Uma característica é o ótimo equilíbrio entre taninos e acidez, além do álcool sempre bem incorporado. Estas características fazem com que os vinhos sejam de fácil consumo tanto com um ano de garrafa quanto com 5 ou 6. O estágio em barris de carvalho deixa os vinhos de Marselan ainda mais interessantes, dando um aspecto de vinhos da Toscana – com estrutura, corpo, mas muita elegância.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, escuro, tendendo para o púrpura, cor densa e lágrimas grossas, lentas e que mancham o bojo.

No nariz traz aromas intensos de frutas pretas, como ameixa, amora, groselha preta, algo talvez de frutas vermelhas, a madeira discretamente se mostra bem integrada ao vinho, além de apresentar especiarias doces, mentolado, baunilha, herbáceo e terra molhada.

Na boca é seco, tem médio corpo, bom volume, preenche bem o paladar, mas entrega maciez e elegância, um vinho fácil de degustar. O toque frutado também protagoniza como no aspecto olfativo, bem como a madeira, graças aos 3 meses em barricas de carvalho, o herbáceo, a baunilha, além de taninos amáveis, sedosos, acidez média que saliva a boca e um final frutado e médio.

Descobri que a Marselan é complexa, estruturada, é para quem gosta de analisar o vinho, de fazer um ótimo exercício de análise, que goste de se desdobrar nesse quesito, a Marselan é ideal. Um vinho de volume e corpo, de personalidade marcante. Sem dúvida um vinho muito especial e que vai deixar uma marca indelével na nossa humilde história enófila. Um vinho vivaz e fresco. E o rótulo da Família Deicas entrega exatamente isso, como eles dizem: “Nossos vinhos são uma homenagem ao sol”, ou seja, são vinhos solares.

Palavras do produtor:

“À forma como nossos vinhedos se pintam de dourado. Ao seu calor, que ajuda a expressar o melhor de suas videiras. À sua luz, que guia nosso trabalho desde o amanhecer ao pôr-do-sol. Ele é o começo de tudo; a energia que nos guia para elaborar uma linha de vinhos de valor único”.

Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Família Deicas:

A Bodega foi fundada no século XIX e já teve vários donos, inclusive o próprio Estado. O primeiro deles foi Don Francisco Juanicó que fundou o estabelecimento em 1830. Apenas em 1979, quase um século e meio depois, a Familia Deicas comprou a propriedade e imprimiu nela uma grande mudança. Uma delas foi a de contratar especialistas internacionais para produzir vinhos de alta gama com variedades francesas.

De toda forma, ainda permanece no local muito do passado. Algo que pode ser apreciado em algumas construções da vinícola, que apesar de restauradas conseguem manter o conceito original de quem as idealizou.

Caso, principalmente, da cave subterrânea, construída com pedras por Don Francisco Juanicó. O local hoje abriga mais de 500 barricas de carvalho francesas e americanas, unindo tradição, tecnologia e muita beleza.

A Família Deicas é muito conhecida pelo Família Deicas Preludio (1.100 pesos), um dos ícones da vinícola, que, é sem sombra de dúvidas um vinho maravilhoso! Realmente, um dos melhores do Uruguai. Ele consiste em um corte de seis variedades (Tannat, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Petit Verdot e Marselan).

Além do Prelúdio, a Juanicó também elabora o Don Pascual, que é a marca de vinho fino mais importante do Uruguai. Também produz a linha Atlántico Sur. Ambas as linhas mais acessíveis que o Preludio Familia Deicas (que é produzido em lotes reduzidos e de forma mais artesanal). Afinal, a Juanicó possui estrutura de vinícola de ponta para produzir em larga escala.

Mais informações acesse:

http://www.pueblodelsol.com.uy/_po/?pg=inicio

https://familiadeicas.com/

Referências:

“Winepedia: https://www.wine.com.br/winepedia/enoturismo/roteiros-do-vinho-canelones/

“Dicas do Uruguai”: https://dicasdouruguai.com.br/dicas/canelones-no-uruguai/

“Blog do Vinho Tinto”: https://www.blogvinhotinto.com.br/enoturismo-viagens/juanico-familia-deicas-tecnologia-e-tradicao-na-arte-de-fazer-vinhos/

“Blog Art de Caves”: https://blog.artdescaves.com.br/uva-marselan-cruzamento-cabernet-sauvignon-grenache-noir

“Tosin Consultoria”: https://tosinconsultoria.com.br/marselan-que-uva-e-essa/

“Enocultura”: https://www.enocultura.com.br/cruzamento-entre-uvas-marselan/

 








terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Trisole Nero d'Avola 2019

 

Acho que tenho sido, nos meus últimos textos, neste humilde e reles blog, um tanto quanto repetitivo, quase que redundante. Mas eu não posso, na realidade não consigo negligenciar o fato de degustar castas pouco conhecidas e/ou badaladas, aquelas que não estão na boca, ou melhor, na taça de todos os bons enófilos.

Regiões especiais, terroirs únicos trazem boas castas, vinhos de grande tipicidade, são quesitos que nos arrebata, nos entusiasma. Talvez esses sejam bons argumentos para se falar sempre e sempre sobre isso. Sim essa é a palavra: Entusiasmo!

E a casta que degustarei hoje não é exatamente uma novidade, mas ela não é exatamente a síntese do glamour de algumas cepas espalhadas por aí. Eu já a degustei em um momento de enófila vida, porém já tem algum tempo, põe tempo nisso.

Mas lembro do quão interessante e pouco exótico foi degusta-la. Ela veio da Itália, ela veio de um pequeno vilarejo chamado Avola. Acredito que já tenha dado a resposta da casta, mas talvez não, porque ela ainda não é tão conhecida por aqui no Brasil.

Por incrível que pareça até mesmo neste pequeno local onde é oriunda não gozava de tanta popularidade, mas vem ganhando alguma repercussão por lá e isso está se “alastrando” pelo mundo, reforçando a sua exportação para alguns países.

Para alguns especialistas em vinhos a Nero d’Avola, a protagonista de hoje, é considerada como uma alternativa para os vinhos frutados e estruturados como a Cabernet Sauvignon, por exemplo, e vem se destacando, ganhando espaço na carta de restaurantes, nos e-commerces e gôndolas de supermercados pelo mundo.

Porém está além de uma mera comparação com a rainha das uvas tintas, mas uma ótima opção de apelo relevante regional e que vem de um dos grandes centros da vitivinícola mundial, a Itália.

Sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio da Sícilia, da pequena aldeia de Avola e se chama Trisole da casta Nero d’Avola e a safra é de 2019. Para não perder o costume vamos de história! Vamos de Sicília e também de Nero d’Avola.

Sicília

A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo. É uma ilha vulcânica repleta de praias lindas, paisagens espetaculares e uma arquitetura interessante. Fruto da mistura de civilizações que habitaram a ilha e da cálida hospitalidade de seu povo. A Passagem de diversos povos através durante séculos, a Sicília tornou-se um entreposto importante no Mediterrâneo. 

É um destino desejado para todo viajante. Mas a Sicília não é apenas conhecida pela exuberante natureza, mas também se destaca quando o assunto é vinho. E isso teve influências na sua cultura e, claro, no seu vinho.


Foram os fenícios que iniciaram o cultivo da videira e a elaboração do vinho na Sicilia, porém foram os gregos que introduziram as cepas de melhor qualidade. Alguns historiadores relatam que antigamente na região de Siracusa (província siciliana), havia um vinho chamado Pollios, em homenagem a Pollis de Agro (que foi um ditador nessa região), que se tornou famoso na Sicilia no século VIII-VII a.C..

Esse vinho era um varietal de Byblia, uva originária da área mais oriental do Mediterrâneo, dos montes de Biblini na Trácia (antiga região macedônica que hoje é dividida entre a Grécia, Turquia e Bulgária). O historiador Saverio Landolina Nava (1743-1814) relatou que o Moscato de Siracusa deriva desse vinho de Biblini, sendo classificado como o vinho mais antigo da Itália.

Já o vinho doce Malvasia delle Lipari (Denominação de Origem do norte da Sicilia) parece ter sua origem na época da colonização grega na Sicilia. Lipari é uma cidade que pertence ao arquipélago das ilhas Eólicas.

Durante o Império Romano, o também vinho doce Mamertino (outra Denominação de Origem) produzido no norte da Sicilia, era muito apreciado por muitos, inclusive por Júlio César e era exportado para Roma e África.

A viticultura na região sofreu uma grande redução com a queda do Império Romano, porém durante a dominação árabe foi introduzida a variedade de uva Moscatel de Alexandria na ilha Pantelleria, que mantém ainda hoje ali o nome árabe Zibibbo. Os árabes introduziram na Sicília suas técnicas de viticultura e também o processo de passificação das uvas.

No século XVIII a indústria enológica na Sicilia teve um grande avanço e começou a produzir o vinho de Marsala que conta atualmente com uma Denominação de Origem Protegida. Esse vinho se tornou conhecidíssimo no resto da Europa graças a um navegante e comerciante inglês chamado John Woodhouse, que ancorou sua embarcação no porto de Marsala para se proteger de uma tempestade.

Foi quando provou o vinho local e se apaixonou, resolvendo levar alguns barris para a Inglaterra. O vinho de Marsala fez tanto sucesso por lá que Woodhouse começou a investir na Sicilia comprando vinhedos e construindo vinícolas para produzir vinho de Marsala, se tornando um empresário do setor vitivinícola de grande êxito.

Como na maioria dos vinhedos da Europa, a Phylloxera também atingiu a ilha Salinas, no norte da Sicilia, provocando uma devastação dos vinhedos que foram se recuperando gradativamente com a plantação de novos vinhedos e a criação em 1973 da Denominação de Origem Malvasia delle Lipari.

A região possui um clima e um solo que favorecem muito a viticultura e a elaboração de vinhos, sendo uma das principais atividades econômicas da ilha italiana. A topografia é variada, formada por colinas, montanhas, planícies e o majestoso vulcão Etna. Encontramos vinhedos por toda parte, que vão das colinas até a parte costeira.

Nas colinas os vinhedos são cultivados em terrazas que chegam inclusive a uma altitude de 1.300 metros, o que as videiras adoram, pois proporciona muita luminosidade e uma ótima drenagem. Encontramos vinhedos também na parte costeira da ilha.

O clima na Sicília é mediterrâneo, mais quente na área mais costeira e no interior da ilha é temperado e úmido, podendo ás vezes apresentar temperaturas bem elevadas por influência de ventos procedentes da África. Também possui uma quantidade grande de microclimas por causa da influência do mar. As chuvas são mais comuns durante o inverno com cerca de 600mm anuais. Os vinhedos sicilianos necessitam, portanto serem regados.

O solo na ilha é muito variado e rico em nutrientes em razão das erupções vulcânicas do Etna. Encontramos solos arenosos, argilosos e de composição calcária. Em uma parte da ilha o solo é constituído de gneiss, que é um tipo de rocha metamórfica composta de granito. Em quase todas as localidades da Sicília se elaboram vinhos, e essas regiões vitivinícolas contam com várias DOC.

As principais castas tintas produzidas na Sicília são: Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Syrah, Nerello Mascalese, Nerello Capuccio, Frappato, Sangiovese, Nero d’Avola e Pinot Nero. Já as brancas destacam-se: Grillo, Catarrato, Carricante, Inzolia, Moscato di Panteleria, Grecanico, Trebbiano Toscano, Malvasia, Chardonnay e Sauvignon Blanc.

Nero d’Avola: “A uva negra de Avola”

A uva tinta Nero d’Avola é a “uva negra da cidade de Avola”, região italiana localizada na costa sudeste da Sicília, mais precisamente na Província de Siracusa. Os vinhos aos qual essa variedade de uva dá origem são encorpados e possuem coloração escura. A Nero d’Avola é utilizada com grande frequência em blend com as uvas como Cabernet Sauvignon, Syrah, Frappata e Merlot, garantindo maior complexidade de aromas e paladar aos vinhos.

Cidade de Avola

Porém há quem diga que exista uma incerteza quanto a origem desta casta, apenas a existe a certeza de que essa tinta é uma uva indígena, ou seja, autóctone da Itália. Por também ser chamada de Calabrese, alguns estudiosos acreditam que ela tenha nascido na Calábria, bem na ponta da bota.

Outros defendem que a Nero d’Avola é realmente siciliana. Além de sua terra natal, essa casta tem sido cultivada com sucesso em outros países produtores, como os Estados Unidos, a Austrália, a Turquia e a África do Sul, mas a região de maior expressão dessa casta é, sem dúvidas, na região da Sicília, província responsável pela produção de premiados e elogiados vinhos com estilo intenso e frutado, que resguardam o caráter de vinhos tipicamente italianos.

Na produção siciliana, a uva Nero d’Avola costuma aparecer em dois estilos vitivinícolas diferentes. No primeiro, os vinhos apresentam caráter rico e sabores que referenciam café e chocolate, provenientes do envelhecimento prolongado em barris de carvalho. Já o segundo estilo, mais elegante, sugere sabores como frutas vermelhas e ervas, uma vez que têm curto período de envelhecimento.

Conhecida também como uva Calabrese, a fruta apresenta elevados níveis de taninos e acentuada acidez, acompanhados de aromas intensos que fazem da casta uma variedade interessante e intrigante. Os vinhos Nero d’Avola têm teor alcoólico que varia entre 13,5 e 14,5%.

Esse tipo de uva dá origem a vinhos que acompanham muito bem pratos com o uso de especiarias, como cascas de laranja, folhas de louro e sálvia. Os exemplares que possuem a Nero d’Avola em sua composição podem apresentar algumas características semelhantes aos vinhos produzidos com a uva Syrah, tanto pela tonalidade escura quanto pelo excelente equilíbrio.

E agora finalmente o vinho!

Na taça expressa um lindo e reluzente vermelho rubi com reflexos violáceos, com lágrimas finas, lentas e em plena profusão que desejam o bojo do copo.

No nariz explode em aromas de frutas vermelhas bem frescas, com destaque para amora, cerejas, framboesas e até morango, com rústicas notas de tabaco, couro e um discreto floral que traz a sensação de frescor.

Na boca é seco, tem médio corpo, mas é macio e saboroso que preenche a boca, com um bom volume, trazendo também o protagonismo da fruta vermelha como no aspecto olfativo. O fundo amadeirado se faz presente, mas muito bem integrado ao conjunto do vinho, com taninos presentes, mas sedosos, uma acidez gostosa, instigante e um final persistente, longo.

Mesmo que o vinho ganhe contornos globais ele sempre deve levar consigo a tipicidade de sua terra, o apelo regionalista, o tão propagado e cultuado terroir. E esse exemplar da Sicília entregue, com fidelidade, de forma genuína, as características dessa ilha ao sul da Itália. Um vinho versátil, que traz as notas frutadas, frescas, mas que entrega também a estrutura, a personalidade. Tem 13% de teor alcoólico.

Harmonizando com churrasco: Surpreendente!


Sobre a Cantine Birgi:

A Cantina Sociale Birgi está localizada no coração de um cenário natural de beleza opressora. Este terreno possui uma tradição vitivinícola milenar que foi retomada, valorizada, renovada e reapresentada pela Cooperativa Vitivinícola Birgi, nascida em 1960 pela vontade de produtores apaixonados pela sua terra e orgulhosos das suas origens.

O ano de 1970 foi importante para Cantine Birgi: vendeu os primeiros vinhos a granel para consumo direto, sendo que em 1975 a produção da primeira garrafa, os primeiros vinhos brancos estagiando, pela primeira vez, nas barricas de carvalho.

Em 1990 novos processos e novas produções fizeram com que começassem as primeiras fermentações de mostos limpos. Nos primeiros anos do novo milênio, em 2004, as garantias que as vinícolas Birgi devem oferecer aos seus clientes aumentaram, os processos de controle de qualidade para todas as vinhas foram iniciados.

Em 2013, novos horizontes para a fase de produção surgiram, com o início da viticultura de precisão e novos processos de controlo da qualidade das vinhas e das uvas. A tecnologia a serviço da vinificação adentravam na realidade da Cantina Birgi.

Hoje em dia a adega produz diferentes tipos de vinho para ir ao encontro das necessidades do consumidor: desde vinhos espumantes, a vinhos tranquilos, aos vinhos de sobremesa e meditação, à produção biológica.

Mais informações acesse:

https://www.cantinebirgi.it/en/marsala-wine/

Referências:

“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2016/04/sicilia/

“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/290-sicilia-o-continente-do-vinho

“Vinhos e Castelos”: https://vinhosecastelos.com/vinhos-da-sicilia-italia/

“Revista Sociedade da Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2021/01/conheca-a-uva-italiana-nero-davola/

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/nero-d-avola

 

 












segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Genio Español Monastrell 2015

 

É inacreditável o quão ilimitado e inesgotável é o universo do vinho! Por isso não me canso de dizer que, ou melhor, usar a palavra “universo”. É a mais apropriada para quem, principalmente, não se deixa seduzir pela temida zona de conforto que insiste em nos travar e degustar sempre aqueles vinhos e castas que gostamos.

Evidente que degustar o vinho que apreciamos não é nenhum pecado de morte, mas seria no mínimo uma leviandade de nossa parte abrir mão de uma infindável gama de regiões, de castas espalhadas pelo planeta.

E mais uma vez terei um momento único, singular! Um privilégio digno de poucos! Degustar mais um vinho emblemático, de castas e regiões importantes que até então não tinha desbravado em degustações: Falo da região espanhola de Jumilla e a principal cepa por lá produzida: Monastrell ou como preferir, a Mouvèdre, como é conhecida em terras francesas.

Pode parecer estranho e até ridículo tamanha exaltação! Como é a primeira vez degustando um Monastrell espanhol? Como degustando pela primeira vez um vinho de Jumilla? Talvez seja mesmo, mas nada tão estimulante quanto a primeira vez, e começa com um vinho que custo menos de R$40 à época!

Um vinho que certamente estará em minha memória por todo sempre! Mas não quero, pelo menos agora, falar do vinho, mas de Jumilla. A região vem despontando, nos últimos anos, como uma região que vem produzindo vinhos frutados, de personalidade e joviais, mas que também entrega rótulos de complexidade e boa longevidade.

Não é à toa que sempre digo e defendo que a Espanha tem muito mais a oferecer, além das emblemáticas Rioja e Ribera del Duero. E quando tivermos a percepção e consciência de que regiões “undergrounds” podem oferecer grandes rótulos, poderemos, de alguma forma, mobilizar o mercado a ofertar mais rótulos dessas regiões.

Talvez a minha animação não se justifique, mas o fato é que sonhar não custa absolutamente nada e que no futuro vejo mais regiões espanholas ganhem projeção como estamos vendo Utiel-Requena, Navarra etc. Afinal nós merecemos, sobretudo aqueles que desbravam o universo ainda inexplorável do vinho!

Então sem mais floreios vamos às apresentações do vinho! O vinho que degustei e gostei veio da região de Jumilla e se chama Genio Español da casta Monastrell da safra 2015. Aos oito anos o vinho ainda se mostra relevante, elegante e complexo e arrisco em dizer que evoluiria com maestria por mais alguns anos.

E para não perder o costume vamos também às histórias, afinal, já que as apresentações da Monastrell e da região de Jumilla se faz em estreia, nada mais oportuno que falar um pouco de cada um.

Jumilla

Jumilla é uma região espanhola que tem despontado nos últimos anos, produzindo alguns vinhos saborosos e frutados. Localizada no sudeste da Espanha, a área é uma das denominações mais antigas do país, tendo sido estabelecida em 1966. A região vinícola de Jumilla produz vinhos no sudeste da Espanha. Especificamente em uma área localizada entre as províncias de Albacete e Murcia, cujo epicentro é o município de Jumilla.

Jumilla

Os vinhos destacam-se pela enorme qualidade e reconhecimento internacional. Na verdade, a Monastrell, a principal casta, destaca-se pelo seu grande reconhecimento mundial. Por esta razão, os vinhos Jumilla são tão populares e importantes.

Jumilla possui atualmente cerca de 25.000 hectares de vinhedos. Neles, a casta Monastrell, como disse, é a que mais se destaca e com a qual se elaboram os seus grandes vinhos. Além disso, mais variedades como Airén, Chardonnay ou Merlot são cultivadas, embora em proporções menores.

É uma região vitivinícola com muita história, já que foram encontrados vestígios de 3.000 aC. Consequentemente, os principais estudos históricos sugerem que em Jumilla o vinho é feito desde a Antiguidade ou antes. Por isso, é sem dúvida uma região com muita tradição e cultura vinícola.

Embora, não foi até o século XIX quando o crescimento da vinha em Jumilla foi enorme devido às necessidades globais de produção de vinho. Isso ocorreu porque uma praga conhecida como Phylloxera devastou grande parte dos vinhedos europeus. Portanto, em Jumilla, esta ocasião poderia ser aproveitada para aumentar sua produção e exportação de vinho.

O clima continental da região é suavizado pela proximidade com o mar Mediterrâneo, mas permanece marcado pelo caráter árido e pela baixa pluviosidade, com chuvas extremamente irregulares e longos períodos de seca. As precipitações ocorrem, principalmente, na primavera e outono, com um índice de apenas 300 mm por ano.

A região espanhola de Jumilla é formada por amplos vales e planícies, com altitudes variantes entre 400 e 800 m acima do nível do mar. Atualmente, a área vinícola abrange cerca de 32.000 hectares, dos quais 45% localizam-se na província de Murcia, e o restante em Albacete.

Os solos de Jumilla contêm calcário pardo e calcário com crosta de cal, ou seja, possuem uma grande capacidade hídrica e mediana de permeabilidade, possibilitando o cultivo das vinhas até mesmo em épocas de seca prolongada.

A Denominação de Origem (DO) de Jumilla foi criada em 1996. Seu regulamento atual foi aprovado em novembro de 1995, substituindo o de maio de 1975, futuramente recebeu uma emenda em abril de 2001.

Os vinhos com a denominação Jumilla podem ser produzidos a partir das uvas permitidas pelo órgão regulador, como Tempranillo, Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Pedro Ximénez e Malvasia e, claro, Monastrell. 

DO Jumilla

Os exemplares tintos, principalmente os jovens, são marcados pela forte expressão aromática, taninos vivos e coloração escura e intensa, variando desde o vermelho púrpura até tons de roxo. Jumilla produz ainda vinhos licorosos, rosés, brancos e doces, no entanto, os que recebem maior destaque na região são os tradicionais doces e os vinhos de licor.

Em conjunto, os vinhos de denominação de origem Jumilla são exemplares que alcançaram um alto nível dentro do cenário vinícola da Espanha, sendo vinhos bastante premiados em concursos, tanto nacionais quanto internacionais.

Os vinhos da região de Jumilla têm revelado um grande potencial desde o início dos anos 90. O último ataque da phylloxera em 1989 conduziu a um novo começo: os vinhedos foram replantados para produzir vinhos tintos leves e frutados e vinhos brancos e rosés feitos de uvas nativas como a Monastrell, assim como as importadas Syrah e Merlot.

Ao mesmo tempo, cuidadosas colheitas e investimento em novos equipamentos melhoraram a qualidade dos vinhos. O resultado é uma nova geração de vinhos elegantes, alguns orgânicos, e a maioria sendo jovens, na qual a uva Monastrell está mostrando resultados notáveis nas mãos de habilidosos produtores. Os vinhos de Jumilla começaram, então, a causar grande impacto no mercado internacional.

Monastrell

Essa uva espanhola com sotaque francês e que produz excelente vinhos, sozinha ou em comunhão com outras castas, teve sua primeira menção ao seu nome original – Monastrell – no longínquo século 14! Sendo, juntamente com a Bobal, uma das variedades mais importantes da região de Valência na época.

O nome deriva do latim monasteriellu, um diminutivo de monasteriu, que significa “mosteiro”, sugerindo que a variedade foi cultivada e propagada por monges na região de Valência, Espanha.

Apesar de ali ser apresentada para o mundo, estudos apontarem que sua origem é bem mais antiga, a casta teria sido introduzida na região pelos fenícios por volta de 500 a.C., quando estes fizeram as primeiras viagens do que hoje conhecemos como oriente médio até a Península Ibérica.

Seu outro nome famoso, o francês Mourvèdre, traz uma pista de onde a uva se desenvolveu já na Espanha e de onde teria saído para conquistar o mundo. Afinal, Camp de Morvedre (Murviedro em espanhol) foi até 1868 o nome catalão para a cidade de Sagunto, um importante porto vinícola ao norte de Valência.

Camp de Morvedre

Assim como Mataró, ou Mataro, é um nome também derivado de uma cidade na costa do Mediterrâneo, entre Barcelona e Valência, um dos grandes terroirs por excelência da casta.

A Monastrell se adapta melhor em regiões com climas secos e quentes. A variedade apresenta bagas pequenas e de espessura média – combinação ideal para dar origem a vinhos com cor intensa e altos níveis de taninos. Seus aromas são complexos e muito distintivos, assim como os seus taninos.

Estas características tornam a variedade um potente ingrediente de mistura, principalmente, ao lado da picante uva Syrah e da rica Grenache. As uvas Carignan e Cinsaut também aparecem frequentemente nos rótulos com a Monastrell, principalmente por conta da tradição destes vinhos, do que pelo aroma ou sabor. Na França, a Monastrell é uma variedade chave nas regiões de Provence e no sul do Vale do Rhône, onde é um dos principais componentes dos tradicionais vinhos Chateauneuf-du-Pape e Côtes du Rhone.

A variedade sofreu muito na década de 1880, quando a praga filoxera assolou os vinhedos da Europa, destruindo inúmeras plantações. Seus redutos notáveis durante este tempo se formaram em torno de Bandol, que possui solos arenosos onde a filoxera não consegue sobreviver. Nos dias de hoje, as vinhas da Monastrell ainda se encontram nas encostas litorâneas de Bandol e a variedade constitui, pelo menos, metade dos vinhos tintos tânicos e os rosés delicadamente picantes da região.

Na Espanha, as modernas técnicas vinícolas mudaram o foco para as uvas Tempranillo e Cabernet Sauvignon, mas a Monastrell hoje se tornou uma das uvas mais plantadas com cerca de 40 mil hectares, mas o grande expoente nos últimos anos é sem dúvida a França. Em 50 anos o país passou de 500 hectares plantados para 10 mil, principalmente nas regiões do Rhône e do Languedoc-Roussillon.

Já na Austrália e na Califórnia, a Monastrell é conhecida como Mataro, embora o prestígio do seu nome francês tenha conquistado os produtores, que abandonaram o termo Mataro. Os vinhos australianos e californianos elaborados com a variedade são tipicamente mais ricos e mais frutados do que aqueles produzidos no Mediterrâneo.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase escuro, com halos evoluídos, acastanhados, denotando seus oito anos de garrafa, com profusão de lágrimas grossas e lentas que desenham o bojo.

No nariz traz aromas complexos de frutas pretas maduras com destaque para a cereja negra, ameixa e notas amadeiradas, com evidência para o tostado, a torrefação, a baunilha, o tabaco, couro, mas em total sinergia com a fruta. Percebe-se também especiarias, algo de herbáceo e terra molhada.

Na boca tem médio corpo, com grande amplitude de boca, um vinho volumoso, cheio, mas com alguma elegância, fácil de degustar, saboroso. Os 12 meses em barricas de carvalho definitivamente traz o aporte do tostado, do chocolate, da baunilha, cacau, coco queimado bem como a fruta bem integrada, em convergência com a madeira, o mesmo percebido no aspecto olfativo. Traz taninos macios, sedosos, mas presentes, com acidez baixa para média e um final persistente e um discreto adocicado.

Profundo e elegante, frutado e complexo! Um vinho multifacetado e que certamente agradaria a todos os paladares, dos iniciantes aos mais exigentes e experientes. Assim é Genio Expañol Monastrell. Os seus oito anos de vida lhe garantiu esse equilíbrio e mesmo a Monastrell ser, na sua gênese, uma casta robusta, taninosa e potente, neste rótulo se mostrou fácil de degustar e complexo, ao mesmo tempo. Grata novidade, surpreendente vinho e sedutor terroir! Espero que muito em breve possa ser arrebatado, mais uma vez por rótulos de Jumilla. Tem 14% de teor alcoólico.

Sobre a Família Bastida:

A Família Bastida, com adegas pertencentes a diferentes Denominações de Origem desde 1870 e várias gerações dedicadas exclusivamente ao mundo dos vinhos, trabalha com profundo entusiasmo neste projeto com o objetivo de agrupar diferentes Denominações de Origem de Espanha, procurando as especificações de cada um em tramas únicas em pequenas produções.

Isto oferece ao consumidor uma vasta gama de vinhos da Península Ibérica que apresentam a melhor relação preço-desempenho, algo comprovado por um grande número de prémios nacionais e internacionais que recebeu e vem recebendo ao longo dos anos.

Mais informações acesse:

http://familiabastida.com/en/

Referências:

“Compra-vino”: https://www.compra-vino.com/pt/jumilla#

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/regiao/jumilla

“Vinho Virtual”: http://www.vinhovirtual.com.br/regioes-87-Jumilla

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/monastrell

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/mourvedre-voce-precisa-provar-uva-que-anda-mais-falada-do-que-nunca_13168.html


 




 


sábado, 18 de fevereiro de 2023

Domaine du Charron Malbec e Merlot 2014

 

Quando tive o meu primeiro contato, a minha primeira experiência com os vinhos de Cahors fui tomado por uma espécie de arrebatamento e me fiz uma promessa: degustaria novamente novos rótulos dessa região, o que, convenhamos, não é habitual e os poucos vinhos disponíveis, lamentavelmente, estão, a meu ver, em um valor astronômico de caro.

Mas consegui, em um e-commerce conhecido, encontrar uns poucos rótulos da região que aliou uma boa relação qualidade X preço e eu precisava, ansiava, clamava por novos rótulos para desbravar uma região que, de forma persistente de seus produtores, vem crescendo e resgatando o seu terroir, privilegiando também a modernidade de seus vinhos.

E encontrei um disponível e dessa vez não foi a Malbec reinando absoluta, embora percentualmente falando ela se revela predominante. Assim é Cahors, é sinônimo de Malbec, é a “Côt”, como é chamada naquelas terras do sudoeste francês.

Sim, Malbec não é de Mendoza, na Argentina! Embora goze de fama na terra dos hermanos é em Cahors que é o seu berço, a sua origem. E esse rótulo ela brilha juntamente com a Merlot, que tem a incumbência de trazer maciez ao vinho, contrabalancear a rusticidade da Malbec.

Outro detalhe extremamente relevante são as diferenças dos terroirs: Mendoza e Cahors. Enquanto Cahors traz a rusticidade, as especiarias, a Malbec de Mendoza nos entrega as notas frutadas. Cahors investe em menos intervenção humana, menos madeira e a mendocina traz aquele famoso termo do “malbecão”, com madeira e estrutura.

Mas o rótulo de hoje traz um blend bem atípico, mas que me parece ser em Cahors, até porque o meu primeiro da região trouxe este blend, o Carte de Noire 2013, então vamos seguindo com mais uma experiência com esse blend e com o mesmo produtor, a gigante Vinovalie.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio de Cahors, sudoeste francês, e se chama Domaine du Charron composto pelas castas Malbec (70%) e Merlot (30%) da safra 2014. E para não perder o costume vamos de história, vamos de Cahors e a sua importância para a Malbec e a sua importância para vitivinicultura mundial.

Cahors, o berço da Malbec

De Cahors na França vem a famosa uva Malbec muito plantada na Argentina e hoje uva símbolo de lá.  Mas ela não é argentina. A uva Malbec é alóctone da Argentina e autóctone de Cahors. Sim Cahors é o seu verdadeiro berço, onde ela nasceu e recebeu o nome de Côt. Pelo que contam os registros de época, as primeiras plantações de Malbec, uva conhecida na região como “Côt” datam de 92 d.C.

O vinho é frequentemente citado como o mais antigo da Europa e foi conhecido devido a sua cor intensa como o vinho “negro” de Cahors. Os vinhos de Cahors desde a idade média são longevos e escuros com forte personalidade. As plantações ocupam atualmente cerca de 4.300 hectares, sendo a produção máxima permitida de 50 hectolitros por hectare.

Na região, a uvas permitidas para vinhos tintos são a Côt (Malbec), a Tannat, a Cabernet Franc e a Gamay em Coteaux du Quercy. Cahors permanece com a marca da antiga Côt que se revela em personalidade forte insistente, arrojada e com expressão mais rústica, compensando em longevidade.

Oferece assim, robustez, estrutura e boa guarda. A uva é liberada para os cortes de Bordeaux, mas pouco utilizada por lá, hoje em dia. A região de Cahors fica a cerca de 230 KM de Bordeaux no departamento de Lot, na região Sud-Est da França fazendo fronteira com o departamento da Dordogne. Há 22 mil hectares classificados como potenciais para a AOP Cahors em um território de 45 quilômetros de leste a oeste e 25 quilômetros de norte a sul, abrangendo 45 vilas.


De Cahors na França vem a famosa uva Malbec muito plantada na Argentina e hoje uva símbolo de lá.  Mas ela não é argentina. A uva Malbec é alóctone da Argentina e autóctone de Cahors. Sim Cahors é o seu verdadeiro berço, onde ela nasceu e recebeu o nome de “Côt”. Pelo que contam os registros de época, as primeiras plantações de Malbec datam de 92 d.C.

A região de Cahors produzia vinhos de tanta densidade que eram conhecidos como vins noirs, ou vinhos negros. Os vinhos de Cahors desde a Idade Média são longevos e escuros com forte personalidade. As plantações ocupam atualmente cerca de 4.300 hectares, sendo a produção máxima permitida de 50 hectolitros por hectare.

Há bem poucas denominações ao redor de toda a França que tenham sofrido uma perda de vinhedos tão extensiva e também de reconhecimento durante os últimos 100 anos quanto a histórica região de Cahors.

Em 2002, havia apenas 4.500 hectares de vinhas e hoje apenas 3.300 da AOP (Appellation d’Origine Protégée) Cahors, devido em parte à contínua erradicação dos vinhedos, em parte aos produtores (encorajados pela dominante Cooperativa Cotes d’Olt Cave) que diversificaram nos rótulos da menos estrita IGP (Indicação Geográfica Protegida).

Mas, ao menos, a partir desse ponto mais baixo, nas mãos de alguns produtores determinados, está em andamento uma mudança que, com ajuda do INAO (Institut national de l'origine et de la qualité) do governo francês, pode em breve fazer com que a região de Cahors seja sussurrada nos mesmos tons que a Borgonha.

A cidade de Cahors – cuja ponte medieval Valentre, que se estende sobre o rio Lot, é um monumento nacional – foi uma poderosa cidade mercadora, com vinhedos ao redor produzindo vinhos de tanta densidade que eram conhecidos como vins noirs, ou vinhos negros.

Ponte Medieval Valentre

Dessa forma, muitas barricas fizeram o caminho descendo o rio até Bordeaux, onde elas eram misturadas com os vinhos mais leves de Graves e Médoc para serem embarcadas para paladares que os apreciavam na Grã-Bretanha e no norte da Europa. No século XIX, os terraços íngremes que cercavam a cidade estavam todos produzindo os melhores vinhos.

Mas eles foram abandonados por décadas. Enquanto permanecem dentro da AOP, sua única esperança de serem replantados é se a região tiver sucesso em persuadir o INAO a classificar os vinhedos em Grands e Premier Crus, como na Borgonha, baseado em análises de solos aprofundadas. Em 1999, diante das quedas em vendas, foi criada uma Carta de Qualidade que projetava tal classificação. Ela recebeu atenção do INAO, mas estagnou e foi cancelada em 2002, causando um colapso de preços.

Cahors também teve outra forte influência de seu poderoso vizinho, Bordeaux, em sua dramática história. O vinhedo foi criado pelos romanos e, durante a Idade Média, seu prestígio teve expressivo crescimento. O casamento de Eleanor de Aquitânia com Henrique II, rei da Inglaterra, abriu as portas do grande mercado consumidor inglês, antes dominado pelos vinhos de bordaleses.

No entanto, os poderosos produtores e comerciantes de Bordeaux, sentindo-se ameaçados, mobilizaram-se para pressionar Londres e conseguiu arrancar do rei da Inglaterra alguns privilégios exorbitantes, o que resultou num duro golpe para os produtores gascões. Além de sofrerem pesada taxação, os vinhos do Sudoeste só podiam chegar à capital inglesa depois que toda a produção bordalesa estivesse vendida.

Tal regra durou cinco séculos (foi interrompida apenas em três curtos períodos) e o vinho da região sentiu o golpe. Esta conduta só foi abolida em 1776, pelo liberal ministro de finanças de Luís XVI, Jacques Turgot, quando se iniciou um novo ciclo dourado dos fermentados de Cahors.

Jacques Turgot

Apesar da Revolução Francesa e das guerras do Império já no século XIX, 75% do vinho da região era exportado e um terço das terras agriculturáveis eram dedicadas à vinha, que cobria a impressionante área de 40 mil hectares. A região enfrentou bem a praga do oídio (de 1852 a 1860) e a superfície plantada subiu ainda mais, chegando a 58 mil ha. Para se ter uma ideia da queda que viria mais tarde, a área do vinhedo de Cahors hoje é de apenas 4.200 ha.

Mas o território teve pior sorte ao enfrentar a filoxera no final do século XIX. Como se sabe, todos os vinhedos atacados no mundo tiveram de ser replantados, desta vez, de forma enxertada. Então, as vinhas de Malbec reagiram muito mal a esta nova situação, dando origem a fermentados medíocres, com qualidade muito abaixo da que tinha anteriormente. Apenas no final dos anos 1940, depois de muita pesquisa, chegou-se ao clone 587 da Malbec, que teve muito boa adaptação.

Os vinhos de Cahors conheceram uma fama repentina na década de 1970, pois o presidente francês Georges Pompidou, que sucedeu o general Charles de Gaulle em 1968, havia nascido na região. Depois que os vinhos foram classificados como VDQS (vins délimités de qualité supérieur) em 1951, Cahors foi elevada ao status de AOC em 1971 e as garrafas eram vistas em todos os restaurantes da cidade. Por volta dos anos 1980, elas foram substituídas por vinhos de seus grandes rivais do Madiran, do departamento vizinho de Gers, cujos potentes vinhos de Tannat provocaram uma forte impressão.Então, a Malbec, a principal variedade da região (conhecida localmente por Auxerrois) foi descoberta como a estrela dos vinhedos argentinos e Cahors saiu cada vez mais da vista.

Georges Pompidou

As normas dessa denominação determinam que o vinho deve ser composto de, pelo menos, 70% de Malbec, sendo o restante feito com a tânica Tannat e a macia Merlot. A Cabernet Sauvignon e a Cabernet Franc não são permitidas. O vinho é bastante escuro e encorpado, com boa fruta e mais austero e seco do que o Malbec argentino. Dependendo da sub-região, pode ser mais leve e para consumo mais precoce, ou mais estruturado e passível de longa guarda.

Do ponto de vista do clima e do solo (que juntos criam o terroir), a região é extraordinariamente diversa. O clima tem fortes influências Atlântica (Bordeaux), Continental (Borgonha) e Mediterrânea. Os solos aluviais das margens do Lot – que produzem Malbecs leves – dão lugar a vinhas que se elevam acima de 150 metros com pequenos seixos, quartzo, calcário (conhecido como causse), giz e até ferro vermelho, todos os cinco tipos sendo encontrados nos 65 hectares do Château Chambert, por exemplo, e em outros lugares, com vinhedos plantados sob todos os tipos de exposição solar.

Seguindo a sua rejeição em 2002, a região está preparando outra investida no sistema hierárquico dos Crus e a ajuda está agora nas mãos de pessoas como Claude e Lydia Bourguignon, renomados especialistas franceses em análise de solo. Considerados a principal influência na revitalização dos vinhedos da Borgonha para a viticultura industrial dos anos 1970 – Bourguignon teria dito na ocasião que “há mais vida no deserto do Saara do que em alguns vinhedos da Côte d’Or” –, eles abriram um escritório na região e até mesmo plantaram seu próprio pequeno vinhedo em um terraço calcário abandonado. Tal experiência e influência, aliadas à energia de produtores visionários, não deve demorar para produzir o esperado renascimento de Cahors.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase profundo e escuro, com halos em tonalidade granada, provavelmente denotando algo evoluído em virtude dos seus nove anos de garrafa, com lágrimas grossas e espaçadas.

No nariz não traz quase nenhuma nota frutada, por característica do terroir de Cahors, destacando-se a rusticidade, como tabaco, fumo, couro, especiarias, como pimenta e terra molhada.

Na boca é macio, redondo e equilibrado, graças, sobretudo, ao tempo de garrafa, afinal o tempo lhe fez bem. Mas apresenta ainda alguma personalidade, os taninos estão domados, mas se faz presente com discreta adstringência e uma acidez baixa para média. Tem ainda algum amargor e um curioso e discreto toque de chocolate e a fruta, como no aspecto olfativo, não existe, apenas as especiarias replicam. Tem final médio.

Mais um capítulo escrito com êxito em minha história de enófilo e graças a Cahors e seus vinhos especiais e pouco ortodoxos. Não é todo dia, não é habitual, é diferente, tudo isso traz uma indescritível sensação. As reações sensoriais agradecem, as experiências se revelam únicas, singulares. É claro que as percepções são pessoais, cada um se identifica com aquilo que te faz bem, que te traga prazer, óbvio, mas é preciso entender as nuances, as propostas que cada vinho entrega, com o seu terroir, as características marcantes de sua terra e de sua cultura. E são essas nuances que faz do mundo do vinho algo apaixonantes e especial. Um belo vinho, um vinho especial, um vinho de personalidade, mais um vinho de Cahors que ficará marcado. Que venham mais! Tem 12,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinovalie:

A Vinovalie Les Vignerons foi criada em 2006 e é formada por quatro cooperativas de vinhos dentro da França: Vignerons Rabastens, Cave de Técou (Tarn), Cave de Fronton (Haute-Garonne) e Côtes D’Olt (Lot) e alguns Châteaux como o Les Bouysses.

Cada etapa do processo de criação dos vinhos é baseada na paixão e no know-how complementares dos homens: viticultores, adegas e enólogos.

O consumidor está no centro das áreas de inovação. Cientes do papel a desempenhar, a vinícola está empenhada numa abordagem típica de I&D, desde o trabalho na vinha à distribuição dos vinhos.

Mais informações acesse:

https://www.vinovalie.com/

Referências:

Portal “Enoestilo”: https://www.enoestilo.com.br/cahors-o-berco-malbec-2000-anos-de-historia/ e https://www.enoestilo.com.br/mapas-vinho-dicas-regiao-de-cahors/

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/cahors-outra-terra-da-malbec_439.html