Mais um vinho da série: castas novas para mim! Como é bom ter
centenas e centenas de castas que ainda não degustamos catalogadas e à
disposição para todos os enófilos que decide, claro, garimpar, buscar novas
experiências, novas sensações.
E essa casta de hoje, tipicamente italiana, eu já conhecia,
porém nunca tinha tido a oportunidade de comprar, de degustar e um dos motivos,
é claro, era o valor. Alguns “exemplares” são muito caros, talvez pela baixa
oferta de alguns rótulos em nosso mercado de vinhos, um tanto quanto
“escravizado” pelas castas de sempre.
Mas ela é muito popular na Itália, sobretudo no noroeste
deste país, bem amplamente cultivada em algumas regiões vinícolas ao redor do
Mediterrâneo, sul da França e nas ilhas vizinhas de Sardenha e Córsega.
Não precisamos dizer que ela deve trazer algo de “solar”, um frescor, leveza, mas que certamente goza de alguma personalidade. Falo da Vermentino. Não precisa dizer do quão animado e ansioso para degusta-la!
E o rótulo de hoje teve um estímulo extra para a compra. Não
foi apenas pelo fato de ser de uma casta que nunca degustei, o que já é bem
relevante, mas também por ter degustado um vinho de outra casta que, até então,
era nova para mim: a Grilo, igualmente típica da Itália, de regiões igualmente
quentes.
Quando eu degustei o Canceddi Grillo da safra 2019 e vi o
vinho, do mesmo produtor e da mesma linha de rótulos, da casta Vermentino, não
hesitei muito e decidi compra-lo, sem contar também que o valor estava deveras
atraente.
Então sem mais delongas vamos às apresentações que já foram
feitas, basicamente. O vinho que degustei e gostei veio da ótima e querida
região da Sicília, no sul da Itália, e se chama Canceddi Vermentino da safra
2019. E para variar vamos de história, vamos de Sicília e da cepa Vermentino.
Sicília
A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo. É uma ilha
vulcânica repleta de praias lindas, paisagens espetaculares e uma arquitetura
interessante. Fruto da mistura de civilizações que habitaram a ilha e da cálida
hospitalidade de seu povo. A Passagem de diversos povos através durante
séculos, a Sicília tornou-se um entreposto importante no Mediterrâneo. É um
destino desejado para todo viajante. Mas a Sicília não é apenas conhecida pela
exuberante natureza, mas também se destaca quando o assunto é vinho. E isso
teve influências na sua cultura e, claro, no seu vinho.
Foram os fenícios que iniciaram o cultivo da videira e a elaboração do vinho na Sicilia, porém foram os gregos que introduziram as cepas de melhor qualidade. Alguns historiadores relatam que antigamente na região de Siracusa (província siciliana), havia um vinho chamado Pollios, em homenagem a Pollis de Agro (que foi um ditador nessa região), que se tornou famoso na Sicilia no século VIII-VII a.C..
Esse vinho era um varietal de Byblia, uva originária da área
mais oriental do Mediterrâneo, dos montes de Biblini na Trácia (antiga região
macedônica que hoje é dividida entre a Grécia, Turquia e Bulgária). O
historiador Saverio Landolina Nava (1743-1814) relatou que o Moscato de
Siracusa deriva desse vinho de Biblini, sendo classificado como o vinho mais
antigo da Itália.
Já o vinho doce Malvasia delle Lipari (Denominação de Origem
do norte da Sicilia) parece ter sua origem na época da colonização grega na
Sicilia. Lipari é uma cidade que pertence ao arquipélago das ilhas Eólicas.
Durante o Império Romano, o também vinho doce Mamertino
(outra Denominação de Origem) produzido no norte da Sicilia, era muito
apreciado por muitos, inclusive por Júlio César e era exportado para Roma e
África.
A viticultura na região sofreu uma grande redução com a queda
do Império Romano, porém durante a dominação árabe foi introduzida a variedade
de uva Moscatel de Alexandria na ilha Pantelleria, que mantém ainda hoje ali o
nome árabe Zibibbo. Os árabes introduziram na Sicília suas técnicas de
viticultura e também o processo de passificação das uvas.
No século XVIII a indústria enológica na Sicilia teve um
grande avanço e começou a produzir o vinho de Marsala que conta atualmente com
uma Denominação de Origem Protegida. Esse vinho se tornou conhecidíssimo no
resto da Europa graças a um navegante e comerciante inglês chamado John
Woodhouse, que ancorou sua embarcação no porto de Marsala para se proteger de
uma tempestade. Foi quando provou o vinho local e se apaixonou, resolvendo
levar alguns barris para a Inglaterra. O vinho de Marsala fez tanto sucesso por
lá que Woodhouse começou a investir na Sicilia comprando vinhedos e construindo
vinícolas para produzir vinho de Marsala, se tornando um empresário do setor
vitivinícola de grande êxito.
Como na maioria dos vinhedos da Europa, a Phylloxera também
atingiu a ilha Salinas, no norte da Sicilia, provocando uma devastação dos
vinhedos que foram se recuperando gradativamente com a plantação de novos
vinhedos e a criação em 1973 da Denominação de Origem Malvasia delle Lipari.
A região possui um clima e um solo que favorecem muito a
viticultura e a elaboração de vinhos, sendo uma das principais atividades
econômicas da ilha italiana. A topografia é variada, formada por colinas,
montanhas, planícies e o majestoso vulcão Etna. Encontramos vinhedos por toda
parte, que vão das colinas até a parte costeira.
Nas colinas os vinhedos são cultivados em terrazas que chegam
inclusive a uma altitude de 1.300 metros, o que as videiras adoram, pois
proporciona muita luminosidade e uma ótima drenagem. Encontramos vinhedos também
na parte costeira da ilha.
O clima na Sicília é mediterrâneo, mais quente na área mais
costeira e no interior da ilha é temperado e úmido, podendo ás vezes apresentar
temperaturas bem elevadas por influência de ventos procedentes da África.
Também possui uma quantidade grande de microclimas por causa da influência do
mar. As chuvas são mais comuns durante o inverno com cerca de 600mm anuais. Os
vinhedos sicilianos necessitam, portanto, serem regados.
O solo na ilha é muito variado e rico em nutrientes em razão
das erupções vulcânicas do Etna. Encontramos solos arenosos, argilosos e de
composição calcária. Em uma parte da ilha o solo é constituído de gneiss, que é
um tipo de rocha metamórfica composta de granito. Em quase todas as localidades
da Sicília se elaboram vinhos, e essas regiões vitivinícolas contam com várias
DOC.
As principais castas tintas produzidas na Sicília são:
Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Syrah, Nerello Mascalese, Nerello
Capuccio, Frappato, Sangiovese, Nero d’Avola e Pinot Nero. Já as brancas
destacam-se: Grillo, Catarrato, Carricante, Inzolia, Moscato di Panteleria,
Grecanico, Trebbiano Toscano, Malvasia, Chardonnay e Sauvignon Blanc.
Vermentino
A Vermentino é uma uva branca amplamente cultivada em
diversas regiões vinícolas ao redor do Mediterrâneo, como no noroeste da
Itália, sul da França e nas ilhas vizinhas de Sardenha e Córsega. A Vermentino
é conhecida por diversos nomes, tais como Pigato, Favorita, Malvoisie de Corse
e Rolle.
Não há consenso sobre a origem da Vermentino. De um lado, há
quem acredite que ela seja originária do noroeste da Itália, possivelmente da
Liguria, muito usada na elaboração dos vinhos brancos conhecidos como “Colli di
Luni”, ou mesmo do Piemonte, onde é conhecida como Favorita. Por outro lado, há quem aposte que ela seja originária da
Espanha, tendo chegado à Córsega na época em que a região era controlada pela
Coroa espanhola.
Já em Bolgheri, região próxima a Toscana, a Vermentino produz
alguns dos melhores e mais ricos vinhos italianos. Graças ao clima da Toscana, quente
e com alta incidência solar, e às modernas técnicas de vinificação, essa
variedade de uva dá origem a vinhos cuja complexidade aromática pode ser
comparada aos elaborados com a casta Viognier.
Em outra região da Itália, na Sardenha, a uva Vermentino
tornou-se ícone na produção de bons vinhos brancos. Na área, a variedade possui
sua própria denominação regional, o Vermentino di Sardegna, e é utilizada na
elaboração de um dos melhores vinhos italianos, o Vermentino di Gallura.
No sul da França, conhecida tradicionalmente como Rolle, a
uva Vermentino foi autorizada na produção de vinhos AOC apenas nos últimos 20
anos. Anteriormente, a variedade era restrita na elaboração do Vin de Pays –
IGP, em especial, os vinhos brancos Bellet, produzidos com, no mínimo, 60% da
Vermentino.
Pequenos produtores nos Estados Unidos começaram a produzir
vinhos Vermentino, em especial, na Califórnia. Entretanto, a variedade ainda
não atingiu a popularidade desfrutada pela uva Chardonnay, Sauvignon Blanc e
Pinot Grigio. O enorme prestígio das três variedades de uvas tem desempenhado
um papel fundamental na crescente popularidade da casta Vermentino na
Austrália, onde inúmeras adegas têm oferecido seus vinhos como uma alternativa
refrescante para o dia a dia.
De forma geral, os vinhos produzidos com a Vermentino são
bastante variados. Há os delicados e frescos, mas também os estruturados e
potentes. Os aromas mais comuns são de pera, maçã, flores brancas, amêndoas,
hortelã, erva-doce e tomilho. Aromas e sabores minerais aparecem
frequentemente. Em boca, um leve amargor no final é característica marcante da
casta.
Segundo dados da OIV, a área plantada de Vermentino ao redor
do mundo, em 2015, era de 11.155 hectares. A grande maioria destes vinhedos
(cerca de 98% da área plantada) situava-se na Itália e França. Na Itália eram
5.625 hectares (50,4%), enquanto a França contava então com 5.378 hectares
(48,2%). Porém, por conta do acelerado crescimento dos vinhedos na França nos
últimos cinco anos, sobretudo no Languedoc-Roussillon, a Itália deve perder a
liderança quando da divulgação de estatísticas mais recentes. Na França existam
cerca de 2.800 hectares de vinhedos de Vermentino em 1998, área que passou para
mais de 6.300 hectares em 2018.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um lindo e reluzente amarelo ouro, um pouco
mais para o claro, com discretas e rápidas lágrimas finas.
No nariz traz a sutileza e delicadeza do frescor e leveza,
com aromas de frutas de polpa branca e cítricas com destaque para a maçã verde,
abacaxi, pera, maracujá, com um toque floral agradável, como se estivéssemos a
caminhar em um campo com flores brancas, além do herbáceo evidente, bem como a
salinidade, a mineralidade.
Na boca é leve, fresco, refrescante, mas que goza de alguma
personalidade, graças a uma intrigante untuosidade que o torna saboroso e
volumoso no palato. Protagoniza, como no aspecto olfativo, as notas frutadas,
cítricas e de polpa branca e também a salinidade, a mineralidade, com uma
acidez instigante, média, que saliva, com um azedo gostoso, típico da casta e
um final persistente.
É um prazer que não se cessa quando se degusta, pela primeira
vez, vinhos cujas castas ou regiões não conhecia. E degustar uma casta
pouquíssima conhecida em nossas terras, embora goze de popularidade em terras
italianas, considero esse momento especial. Um vinho simples, com uma proposta
direta, mas singular no seu momento em que envolve tantas gratas novidades. Tem
13% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Mandrarossa:
Criada em 1999 graças a um estudo que durou mais de 20 anos,
que levou à seleção das melhores combinações variedade/terroir: os habitats
ideais que permitem a cada casta expressar plenamente o seu potencial.
Depois de fundar a Marca, fruto de anos de estudos de
mapeamento de solos, a pesquisa continuou a ser o fio condutor dos vinhos
sicilianos inovadores. No território de Menfi, onde é criada a Mandrarossa, o
comportamento de outras variedades foi monitorado em 5 campos experimentais.
Intensas atividades de microvinificação foram realizadas levando à introdução
de novos vinhos na linha de produtos ao longo do tempo, alguns dos quais únicos
para o panorama siciliano.
A ambição de Mandrarossa é grande e, a partir de 2014, uma
equipa internacional de enólogos, agrônomos e especialistas em terroir, lançou
um importante estudo científico sobre os solos calcários, levando à produção de
dois vinhos Contrada.
Sobre a Vinícola Settesoli:
Cantine Settesoli é uma grande cooperativa vinícola siciliana
que exporta um grande volume de vinhos de valor sob as classificações Sicilia
DOC bem como Terre Siciliane IGT.
A empresa foi fundada em Menfi em 1958 por um grupo de
agricultores no momento em que eclodia uma crise econômica na região. Settesoli
agora tem mais de 2.000 viticultores membros, com vinhedos totalizando então
cerca de 6.500 hectares.
A empresa inicialmente vendia apenas a granel, mas começou a
engarrafar seus próprios vinhos em 1974. Settisoli começou a se concentrar em
variedades locais como Grecanico, Inzolia e Nero d’Avola, e em seguida, em
meados da década de 1980, começaram a plantar variedades importadas como
Cabernet Sauvignon, Syrah, Sauvignon Blanc e Chardonnay.
Settesoli é a linha principal de vinhos varietais, enquanto o
rótulo Mandrarossa é a camada superior. Inycon é, de fato, a marca exclusiva
para exportação da empresa, lançada em 1999.
Mais informações acesse:
https://www.cantinesettesoli.it/
Referências:
“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2016/04/sicilia/
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/290-sicilia-o-continente-do-vinho
“Vinhos e Castelos”: https://vinhosecastelos.com/vinhos-da-sicilia-italia/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/vermentino
“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2022/02/uva-vermentino/
“Wine”: https://www.wine.com.br/winepedia/sommelier-wine/serie-uvas-vermentino/
“Wine Fun”: https://winefun.com.br/vermentino-conheca-uma-das-uvas-que-mais-vem-ganhando-espaco-na-europa/