quarta-feira, 15 de março de 2023

Canceddi Vermentino 2019

 

Mais um vinho da série: castas novas para mim! Como é bom ter centenas e centenas de castas que ainda não degustamos catalogadas e à disposição para todos os enófilos que decide, claro, garimpar, buscar novas experiências, novas sensações.

E essa casta de hoje, tipicamente italiana, eu já conhecia, porém nunca tinha tido a oportunidade de comprar, de degustar e um dos motivos, é claro, era o valor. Alguns “exemplares” são muito caros, talvez pela baixa oferta de alguns rótulos em nosso mercado de vinhos, um tanto quanto “escravizado” pelas castas de sempre.

Mas ela é muito popular na Itália, sobretudo no noroeste deste país, bem amplamente cultivada em algumas regiões vinícolas ao redor do Mediterrâneo, sul da França e nas ilhas vizinhas de Sardenha e Córsega.

Não precisamos dizer que ela deve trazer algo de “solar”, um frescor, leveza, mas que certamente goza de alguma personalidade. Falo da Vermentino. Não precisa dizer do quão animado e ansioso para degusta-la!

E o rótulo de hoje teve um estímulo extra para a compra. Não foi apenas pelo fato de ser de uma casta que nunca degustei, o que já é bem relevante, mas também por ter degustado um vinho de outra casta que, até então, era nova para mim: a Grilo, igualmente típica da Itália, de regiões igualmente quentes.

Quando eu degustei o Canceddi Grillo da safra 2019 e vi o vinho, do mesmo produtor e da mesma linha de rótulos, da casta Vermentino, não hesitei muito e decidi compra-lo, sem contar também que o valor estava deveras atraente.

Então sem mais delongas vamos às apresentações que já foram feitas, basicamente. O vinho que degustei e gostei veio da ótima e querida região da Sicília, no sul da Itália, e se chama Canceddi Vermentino da safra 2019. E para variar vamos de história, vamos de Sicília e da cepa Vermentino. 

Sicília

A Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo. É uma ilha vulcânica repleta de praias lindas, paisagens espetaculares e uma arquitetura interessante. Fruto da mistura de civilizações que habitaram a ilha e da cálida hospitalidade de seu povo. A Passagem de diversos povos através durante séculos, a Sicília tornou-se um entreposto importante no Mediterrâneo. É um destino desejado para todo viajante. Mas a Sicília não é apenas conhecida pela exuberante natureza, mas também se destaca quando o assunto é vinho. E isso teve influências na sua cultura e, claro, no seu vinho.


Foram os fenícios que iniciaram o cultivo da videira e a elaboração do vinho na Sicilia, porém foram os gregos que introduziram as cepas de melhor qualidade. Alguns historiadores relatam que antigamente na região de Siracusa (província siciliana), havia um vinho chamado Pollios, em homenagem a Pollis de Agro (que foi um ditador nessa região), que se tornou famoso na Sicilia no século VIII-VII a.C.. 

Esse vinho era um varietal de Byblia, uva originária da área mais oriental do Mediterrâneo, dos montes de Biblini na Trácia (antiga região macedônica que hoje é dividida entre a Grécia, Turquia e Bulgária). O historiador Saverio Landolina Nava (1743-1814) relatou que o Moscato de Siracusa deriva desse vinho de Biblini, sendo classificado como o vinho mais antigo da Itália.

Já o vinho doce Malvasia delle Lipari (Denominação de Origem do norte da Sicilia) parece ter sua origem na época da colonização grega na Sicilia. Lipari é uma cidade que pertence ao arquipélago das ilhas Eólicas.

Durante o Império Romano, o também vinho doce Mamertino (outra Denominação de Origem) produzido no norte da Sicilia, era muito apreciado por muitos, inclusive por Júlio César e era exportado para Roma e África.

A viticultura na região sofreu uma grande redução com a queda do Império Romano, porém durante a dominação árabe foi introduzida a variedade de uva Moscatel de Alexandria na ilha Pantelleria, que mantém ainda hoje ali o nome árabe Zibibbo. Os árabes introduziram na Sicília suas técnicas de viticultura e também o processo de passificação das uvas.

No século XVIII a indústria enológica na Sicilia teve um grande avanço e começou a produzir o vinho de Marsala que conta atualmente com uma Denominação de Origem Protegida. Esse vinho se tornou conhecidíssimo no resto da Europa graças a um navegante e comerciante inglês chamado John Woodhouse, que ancorou sua embarcação no porto de Marsala para se proteger de uma tempestade. Foi quando provou o vinho local e se apaixonou, resolvendo levar alguns barris para a Inglaterra. O vinho de Marsala fez tanto sucesso por lá que Woodhouse começou a investir na Sicilia comprando vinhedos e construindo vinícolas para produzir vinho de Marsala, se tornando um empresário do setor vitivinícola de grande êxito.

Como na maioria dos vinhedos da Europa, a Phylloxera também atingiu a ilha Salinas, no norte da Sicilia, provocando uma devastação dos vinhedos que foram se recuperando gradativamente com a plantação de novos vinhedos e a criação em 1973 da Denominação de Origem Malvasia delle Lipari.

A região possui um clima e um solo que favorecem muito a viticultura e a elaboração de vinhos, sendo uma das principais atividades econômicas da ilha italiana. A topografia é variada, formada por colinas, montanhas, planícies e o majestoso vulcão Etna. Encontramos vinhedos por toda parte, que vão das colinas até a parte costeira.

Nas colinas os vinhedos são cultivados em terrazas que chegam inclusive a uma altitude de 1.300 metros, o que as videiras adoram, pois proporciona muita luminosidade e uma ótima drenagem. Encontramos vinhedos também na parte costeira da ilha.

O clima na Sicília é mediterrâneo, mais quente na área mais costeira e no interior da ilha é temperado e úmido, podendo ás vezes apresentar temperaturas bem elevadas por influência de ventos procedentes da África. Também possui uma quantidade grande de microclimas por causa da influência do mar. As chuvas são mais comuns durante o inverno com cerca de 600mm anuais. Os vinhedos sicilianos necessitam, portanto, serem regados.

O solo na ilha é muito variado e rico em nutrientes em razão das erupções vulcânicas do Etna. Encontramos solos arenosos, argilosos e de composição calcária. Em uma parte da ilha o solo é constituído de gneiss, que é um tipo de rocha metamórfica composta de granito. Em quase todas as localidades da Sicília se elaboram vinhos, e essas regiões vitivinícolas contam com várias DOC.

As principais castas tintas produzidas na Sicília são: Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Syrah, Nerello Mascalese, Nerello Capuccio, Frappato, Sangiovese, Nero d’Avola e Pinot Nero. Já as brancas destacam-se: Grillo, Catarrato, Carricante, Inzolia, Moscato di Panteleria, Grecanico, Trebbiano Toscano, Malvasia, Chardonnay e Sauvignon Blanc.

Vermentino

A Vermentino é uma uva branca amplamente cultivada em diversas regiões vinícolas ao redor do Mediterrâneo, como no noroeste da Itália, sul da França e nas ilhas vizinhas de Sardenha e Córsega. A Vermentino é conhecida por diversos nomes, tais como Pigato, Favorita, Malvoisie de Corse e Rolle.

Não há consenso sobre a origem da Vermentino. De um lado, há quem acredite que ela seja originária do noroeste da Itália, possivelmente da Liguria, muito usada na elaboração dos vinhos brancos conhecidos como “Colli di Luni”, ou mesmo do Piemonte, onde é conhecida como Favorita. Por outro lado, há quem aposte que ela seja originária da Espanha, tendo chegado à Córsega na época em que a região era controlada pela Coroa espanhola.

Já em Bolgheri, região próxima a Toscana, a Vermentino produz alguns dos melhores e mais ricos vinhos italianos. Graças ao clima da Toscana, quente e com alta incidência solar, e às modernas técnicas de vinificação, essa variedade de uva dá origem a vinhos cuja complexidade aromática pode ser comparada aos elaborados com a casta Viognier.

Em outra região da Itália, na Sardenha, a uva Vermentino tornou-se ícone na produção de bons vinhos brancos. Na área, a variedade possui sua própria denominação regional, o Vermentino di Sardegna, e é utilizada na elaboração de um dos melhores vinhos italianos, o Vermentino di Gallura.

No sul da França, conhecida tradicionalmente como Rolle, a uva Vermentino foi autorizada na produção de vinhos AOC apenas nos últimos 20 anos. Anteriormente, a variedade era restrita na elaboração do Vin de Pays – IGP, em especial, os vinhos brancos Bellet, produzidos com, no mínimo, 60% da Vermentino.

Pequenos produtores nos Estados Unidos começaram a produzir vinhos Vermentino, em especial, na Califórnia. Entretanto, a variedade ainda não atingiu a popularidade desfrutada pela uva Chardonnay, Sauvignon Blanc e Pinot Grigio. O enorme prestígio das três variedades de uvas tem desempenhado um papel fundamental na crescente popularidade da casta Vermentino na Austrália, onde inúmeras adegas têm oferecido seus vinhos como uma alternativa refrescante para o dia a dia.

De forma geral, os vinhos produzidos com a Vermentino são bastante variados. Há os delicados e frescos, mas também os estruturados e potentes. Os aromas mais comuns são de pera, maçã, flores brancas, amêndoas, hortelã, erva-doce e tomilho. Aromas e sabores minerais aparecem frequentemente. Em boca, um leve amargor no final é característica marcante da casta.

Segundo dados da OIV, a área plantada de Vermentino ao redor do mundo, em 2015, era de 11.155 hectares. A grande maioria destes vinhedos (cerca de 98% da área plantada) situava-se na Itália e França. Na Itália eram 5.625 hectares (50,4%), enquanto a França contava então com 5.378 hectares (48,2%). Porém, por conta do acelerado crescimento dos vinhedos na França nos últimos cinco anos, sobretudo no Languedoc-Roussillon, a Itália deve perder a liderança quando da divulgação de estatísticas mais recentes. Na França existam cerca de 2.800 hectares de vinhedos de Vermentino em 1998, área que passou para mais de 6.300 hectares em 2018.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um lindo e reluzente amarelo ouro, um pouco mais para o claro, com discretas e rápidas lágrimas finas.

No nariz traz a sutileza e delicadeza do frescor e leveza, com aromas de frutas de polpa branca e cítricas com destaque para a maçã verde, abacaxi, pera, maracujá, com um toque floral agradável, como se estivéssemos a caminhar em um campo com flores brancas, além do herbáceo evidente, bem como a salinidade, a mineralidade.

Na boca é leve, fresco, refrescante, mas que goza de alguma personalidade, graças a uma intrigante untuosidade que o torna saboroso e volumoso no palato. Protagoniza, como no aspecto olfativo, as notas frutadas, cítricas e de polpa branca e também a salinidade, a mineralidade, com uma acidez instigante, média, que saliva, com um azedo gostoso, típico da casta e um final persistente.

É um prazer que não se cessa quando se degusta, pela primeira vez, vinhos cujas castas ou regiões não conhecia. E degustar uma casta pouquíssima conhecida em nossas terras, embora goze de popularidade em terras italianas, considero esse momento especial. Um vinho simples, com uma proposta direta, mas singular no seu momento em que envolve tantas gratas novidades. Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Mandrarossa:

Criada em 1999 graças a um estudo que durou mais de 20 anos, que levou à seleção das melhores combinações variedade/terroir: os habitats ideais que permitem a cada casta expressar plenamente o seu potencial.

Depois de fundar a Marca, fruto de anos de estudos de mapeamento de solos, a pesquisa continuou a ser o fio condutor dos vinhos sicilianos inovadores. No território de Menfi, onde é criada a Mandrarossa, o comportamento de outras variedades foi monitorado em 5 campos experimentais. Intensas atividades de microvinificação foram realizadas levando à introdução de novos vinhos na linha de produtos ao longo do tempo, alguns dos quais únicos para o panorama siciliano.

A ambição de Mandrarossa é grande e, a partir de 2014, uma equipa internacional de enólogos, agrônomos e especialistas em terroir, lançou um importante estudo científico sobre os solos calcários, levando à produção de dois vinhos Contrada.

Sobre a Vinícola Settesoli:                                         

Cantine Settesoli é uma grande cooperativa vinícola siciliana que exporta um grande volume de vinhos de valor sob as classificações Sicilia DOC bem como Terre Siciliane IGT.

A empresa foi fundada em Menfi em 1958 por um grupo de agricultores no momento em que eclodia uma crise econômica na região. Settesoli agora tem mais de 2.000 viticultores membros, com vinhedos totalizando então cerca de 6.500 hectares.

A empresa inicialmente vendia apenas a granel, mas começou a engarrafar seus próprios vinhos em 1974. Settisoli começou a se concentrar em variedades locais como Grecanico, Inzolia e Nero d’Avola, e em seguida, em meados da década de 1980, começaram a plantar variedades importadas como Cabernet Sauvignon, Syrah, Sauvignon Blanc e Chardonnay.

Settesoli é a linha principal de vinhos varietais, enquanto o rótulo Mandrarossa é a camada superior. Inycon é, de fato, a marca exclusiva para exportação da empresa, lançada em 1999.

Mais informações acesse:

https://www.mandrarossa.it/en

https://www.cantinesettesoli.it/

Referências:

“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2016/04/sicilia/

“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/290-sicilia-o-continente-do-vinho

“Vinhos e Castelos”: https://vinhosecastelos.com/vinhos-da-sicilia-italia/

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/vermentino

“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2022/02/uva-vermentino/

“Wine”: https://www.wine.com.br/winepedia/sommelier-wine/serie-uvas-vermentino/

“Wine Fun”: https://winefun.com.br/vermentino-conheca-uma-das-uvas-que-mais-vem-ganhando-espaco-na-europa/

 

 








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