Muito se fala em terroir! Claro que nomenclaturas como essas,
dentro do universo do vinho, precisa ser discutida, pois é a partir do seu
entendimento que construímos, entre outros fatores, as nossas identificações
com os vinhos que costumamos degustar.
Porém infelizmente o uso da palavra parece ter como intuito
apenas para a manipulação de um marketing perverso, como a engrenagem de uma
máquina apenas para venda de produtos e não a disseminação de uma filosofia, de
um conceito.
Mas essa (des) construção parece ruir quando degustamos um
vinho e percebemos, apesar da particularidade de quem o aprecia, e não
conseguimos identificar a tipicidade da bebida. Sabe quando degustamos, e isso
de caracteriza pela “litragem”, e percebemos que o vinho não tem caráter?
Ninguém pode com as manifestações sensoriais, quando, claro, bem exercitadas.
Mas ainda temos, por sorte, produtores que, abnegados, contra
tudo e contra todos, seguem, bravamente, a engarrafarem o terroir, explorando
tudo que a terra pode oferecer, aliado a cultura do povo e do saber fazer que
decisivamente influencia o processo que vai da vindima à mesa do enófilo.
E quando falamos em terroir nos vem à mente, mesmo que de uma
forma menos instintiva, a tradição, mas nem sempre a tradição nos obriga a ser tão
linear. Muitos produtores promovem, com base na tradição, alguns “movimentos”
mais arrojados sem abdicar do... terroir.
E alguns países produtores de vinho pode se dar ao luxo de
enveredar nessas gratas aventuras e países como a Argentina e o Chile, por
exemplo, por sua extensão, ampla latitude e diversidade geológica, convertem-se
em um infinito conjunto de microclimas esperando ser descobertos por audaciosos
enólogos e produtores que buscam não apenas um sistêmico padrão.
E alguns argentinos estão se mexendo e promovendo alguns
rompimentos de paradigma para entregarem vinhos contemporâneos, arrojados, mas
com caráter, com terroir. O vinho de hoje traz um produtor novo, com novas
ideias e novo para mim: Manos Negras! O nome é muito sugestivo e seus produtores
preconizam que o enólogo tem de meter a mão na massa, promover o contato com a
terra e entender que os autênticos enólogos têm que sujar as suas mãos para
explorar os limites da sua profissão que vai desde a vindima até o
engarrafamento da poesia líquida.
E eles estão fazendo algo bem interessante que os uruguaios
já costumam fazer há algum tempo, por exemplo: a combinação de terroirs com uma
mesma variedade. Isso já, logo de cara, te estimula, te excita a degustar o
vinho! Vinhos com terroirs conhecidos de Mendoza, mas com a aposta do diferente
e assim, com muito arrojo, trazer a originalidade enaltecendo a tradição das
microrregiões.
E o melhor ou, diria, surpreendente: recebi esse rótulo de um
clube de vinhos, de um importante clube de vinhos de um gigante de vendas no
Brasil! O vinho que degustei e gostei veio da tradicional Mendoza e se chama
Quimay da casta icônica Malbec, da igualmente icônica Mendoza, safra 2020.
O vinho vem de um único vinhedo em Valle de Uco, em Mendoza
que produz dois vinhos Malbec totalmente diferentes. Essa diferença vem da
base. O Malbec com solo arenoso, é mais quente, o que dá origem a um Malbec
mais doce, aveludado, mais fácil de beber. Por outro lado, o Malbec com solo
calcário é um solo frio, o que dá origem a um Malbec com mais acidez, aromas
mais frescos e intensos.
Um complementa o outro e assim a mistura de ambos resulta em um vinho mais interessante e complexo. Cada solo é colhido e vinificado separadamente e, em seguida, são misturados para equilíbrio e complexidade adicionais.
E os “autores” dessa façanha são: o ex-diretor de Catena
Zapata por mais de 15 anos Alejandro Sejanovich e de dois imigrantes
neozelandeses Duncan Killiner e Jason Mabbett, e o educador de vinhos americano
Jeff Mausbach.
E vale aqui uma curiosidade sobre a origem do nome do vinho:
“Quimay”! Quimay, em dialeto indígena argentino, significa oásis, locais sagrados em meio aos desertos dos pampas argentinos.
Hoje muitos dos vinhedos estão nessas regiões desérticas antigas, como nos
arredores de Mendoza.
Falemos também de Valle de Uco, uma região, encrustada na velha Mendoza que a cada dia vem se aperfeiçoando, investindo fortemente em tecnologia e ganhando visibilidade e respeitabilidade.
Valle de Uco, a grande produtora de vinhos da Argentina
Foi possível confirmar a presença de aborígenes que povoaram
o vale de Uco muitos anos antes de Cristo. Nos petróglifos encontraram seu modo
de vida: eram pessoas que se dedicavam à agricultura e à caça de animais,
graças aos benefícios que o lugar lhes oferecia. No século XVI, a chegada dos
conquistadores espanhóis das terras chilenas e peruanas marca as primeiras
explorações em terras habitadas por dóceis e laboriosas famílias indígenas: os
huarpes. Daquela época vem a palavra "Uco", que se refere ao nome do
cacique Cuco. Além disso, é traduzido como uma nascente de água, elemento
fundamental da região.
Um século depois, os padres jesuítas se estabeleceram no vale. Eles constituíram a primeira cidade organizada e fundaram o Curato de Uco, dando início à evangelização. O general José de San Martín governou Cuyo com sede em Mendoza entre 1814 e 1816, enquanto organizava os preparativos para empreender a travessia dos Andes e libertar o Chile e o Peru. Em várias ocasiões, ele se encontrou com nativos na área antes da expedição de libertação. Também com o militar argentino Manuel de Olazábal quando retornou à sua terra natal pelo desfiladeiro El Portillo, no que hoje é conhecido como Manzano Histórico.
Por sua vez, a história da viticultura na região tem suas
referências. Na década de 1880, Juan Giol, Bautista Gargantini e Pascual Toso
chegaram de suas terras europeias e se associaram e se dedicaram à produção de
vinhos. Três apelidos famosos que deram origem à San Polo Winery and Vineyards
no início dos anos 1930, que tem a honra de ter, até hoje, cinco gerações de
enólogos.
O Vale do Uco foi “descoberto” pela indústria vitivinícola
nos anos 1990. Localizado no sudoeste da cidade de Mendoza, bem aos pés dos
Andes, seus vinhedos estão plantados em uma zona de clima temperado, com
invernos rigorosos e verões quentes com noites frescas. Pode-se dizer que Uco é
uma área realmente fria da região de Mendoza – e também de grande amplitude
térmica (pode chegar a até 16o C), em parcelas que variam entre 850 e 1.700
metros de altitude.
Os solos são predominantemente pedregosos, com seixos rolados
misturados à areia grossa, de boa permeabilidade, boa drenagem e pouco férteis.
Em algumas zonas, observa-se argila ou calcário e até áreas com depósitos de
cálcio, estas últimas mais raras e valorizadas, e também de onde vêm saindo
alguns dos melhores vinhos lá produzidos atualmente. O índice pluviométrico é
baixo e a irrigação dos vinhedos é normalmente feita por gotejamento com água
de degelo das montanhas.
O Vale estende-se por três departamentos (segundo nível de
divisão administrativa nas províncias argentinas): Tupungato, Tunuyán e San
Carlos. A altitude e a grande amplitude térmica constante que os três
departamentos compartilham exercem influência na qualidade das uvas produzidas,
uma vez que torna a fase de amadurecimento da fruta mais longa, permitindo que
o caráter varietal de cada cepa cultivada desenvolva-se por completo, ao mesmo
tempo em que um teor agradável de acidez seja preservado.
O sucesso do vale é tamanho que, no início da década de 2010,
a área de vinhedos plantados chegava a quase 26.000 hectares, praticamente o
dobro do que havia no local no início dos anos 2000. O desenvolvimento da
região é inconteste, assim como a sua crescente reputação dentro da
vitivinicultura argentina, haja vista que um grande número de vinícolas
estabelecidas em outras áreas de Mendoza busca adquirir vinhedos no vale e
também construir novas plantas na região.
Aproximadamente 75% dos vinhedos são de uvas tintas,
especialmente Malbec, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot e Pinot Noir,
com destaque para a vedete nacional nos últimos anos, a Cabernet Franc. Dentre
as brancas, brilham a Chardonnay, a Sémillon e a Sauvignon Blanc, mas também há
vinhos com Viognier e Torrontés.
E agora finalmente o vinho!
Na taça entrega um lindo vermelho rubi intenso e brilhante,
mas com entornos violáceos, com lágrimas, lentas e em média intensidade que
desenham as paredes do copo.
No nariz traz a predominância de frutas maduras, pretas e
vermelhas, com as notas amadeiradas bem integrada, entregando baunilha, um leve
tostado e um defumado. O toque floral traz frescor ao vinho.
Na boca é seco, mas traz a sensação de um discreto residual
de açúcar, com alguma estrutura e vivacidade, sobretudo pela sua jovialidade,
sendo corroborada pela fruta intensa, como no aspecto olfativo. As notas
amadeiradas também ganham evidência, graças aos 8 meses de passagem por
barricas de carvalho, com toques de chocolate, baunilha. Tem taninos gulosos,
presentes, mas domados, com ótima acidez e final persistente e frutado.
Vinhos contemporâneos, com novas propostas, arrojadas,
técnicas de cultivo novas, conceitos sustentáveis, todos esses quesitos
vislumbra um único e precioso resultado: vinhos autênticos, castas que reflitam
o seu terroir. O conceito de terroir não deve ser levado em conta de uma forma
apenas, tão somente voltada para marketing, mas que seja de fato efetivada e
que entregue o máximo de tipicidade na bebida e que ela chegue de fato à mesa
do enófilo e que este entenda, não importa a forma, que esse vinho é de
Mendoza, que é um Malbec distintamente argentino, pois sintetiza o chão, a
terra a qual fora concebido. Tem 13,8% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Manos Negras:
Os verdadeiros produtores de vinho sujam as mãos, ou seja,
ficam com as mãos pretas de vinho, e é disso que se trata o Manos Negras.
Arregaçando as mangas e sujando as mãos, é assim que fazemos esses vinhos
artesanais.
Manos Negras concentra-se na vinificação em latitude, e sendo
assim as regiões vinícolas da Argentina e do Chile se estendem por 1.500 milhas
de norte a sul ao longo dos Andes. Cada latitude possui um terroir único com
combinações singulares de solo e temperatura que são decerto ideais para
diferentes variedades.
Manos Negras, fundada em 2009, usa as habilidades únicas de
dois imigrantes neozelandeses Duncan Killiner e Jason Mabbett, e o educador de
vinhos americano Jeff Mausbach, bem como o renomado viticultor argentino
Alejandro Sejanovich para criar vinhos com base em emocionantes combinações
terroir-varietais.
Mais informações acesse:
Referências:
“Welcome Argentina”: https://www.welcomeargentina.com/valle-de-uco/historia.html
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/conheca-o-vale-do-uco-local-que-reune-grandes-vinhos-argentinos_11401.html
“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2015/07/vinicola-manos-negras/
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