Como mensurar o ápice em uma degustação de vinhos? Será que
seria tão simples responder dizendo que é a degustação propriamente dita? Será
que podemos mensurar, detalhar o motivo pelo qual chegamos ao cume da
degustação?
Eu trago a alegria verbalizada, textualizada, dos meus ápices
de degustação. As experiências sensoriais se materializam em minha voz e nos
meus singelos textos, mas todos carregados da minha mais completa e
incorruptível verdade.
Regiões, castas, propostas e características mais peculiares
dão voz e reações aos momentos mais sublimes das degustações. E tem sido,
atualmente, uma torrente de grandes emoções! Algumas sensações novas, alguns
auges importantes pelo simples fato da novidade.
A novidade que, por sorte, tem se revelado relevantes e
consistentes, com degustações soberbas, lindas e arrebatadoras. Degustação é
vida, é saúde! E quando sabemos o que degustamos, torna-se indubitavelmente
especial.
O rótulo que eu escolhi traz um misto de tantas emoções
gratificantes que tenho vivido ultimamente no universo do vinho que, juntos,
conspiraram para o tal momento sublime, para o tão falado ápice.
A começar que se trata de um vinho com “certa idade”! Aqui o
tempo, a idade parece contar positivamente e se torna um privilégio degustar
vinhos que resistem ao tempo e com qualidade, expressando ainda toda a sua
tipicidade, a realidade de seu terroir. Depois o corte, o blend que é um
verdadeiro clássico: o bordalês, que é simplesmente o meu favorito e depois a
característica, de um vinho natural, sem o mínimo de intervenção humana.
Uma soma de fatores que nos colocam em um pedestal, não
travestido de arrogância ou indulgência, mas de um estado de prazer, de
celebração, de ápice. Eu estou, insistentemente, mencionando “auge”, “ápice” e
derivados porque o nome do vinho nos remete a isso, nos remete ao auge de se
degustar um vinho ou “o” vinho, alheio a questões científicas.
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio da emblemática Serra Gaúcha, no Brasil, em um local
chamado Fazenda Souza, e se chama Zênite, um corte das castas Merlot (70%),
Cabernet Sauvignon (20%) e Cabernet Franc (10%) da safra 2009. Lembrando que
tive um “estágio anterior” de auge quando degustei o Vinha Solo Cabernet Sauvignon 2009. Vamos às histórias então!
Serra Gaúcha
Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento Gonçalves.
A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das
condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas
as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita,
período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem
ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.
A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra
Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados
ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível
de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança
e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.
O Vale dos Vinhedos, importante região que fica situada na
Serra Gaúcha, junto à cidade de Bento Gonçalves, caracteriza-se pela presença
de descendentes de imigrantes italianos, pioneiros da vinicultura brasileira.
Nessa região as temperaturas médias criam condições para uma vinicultura fina
voltada para a qualidade. A evolução tecnológica das últimas décadas aplicada
ao processo vitivinícola possibilitou a conquista de mercados mais exigentes e
o reconhecimento dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Assim, a evolução da
vitivinicultura da região passou a ser a mais importante meta dos produtores do
Vale.
O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a
obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em
vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a
partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos
do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma
Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da
experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.
O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado
somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais
para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos
para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O
trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da
potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação
de Origem Controlada) na região.
O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Vêneto, logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local. Até a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos vendiam sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de vinho que produziam destinava-se ao consumo familiar.
Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou
em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores
passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo
diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.
Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da
Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a
Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale).
Atualmente, a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não
produtores de vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de
produtos artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos
Vinhedos produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e processaram
14,3 milhões de kg de uvas viníferas.
Fazenda Souza, Caxias do Sul
O primeiro nome dado à localidade onde hoje é Fazenda Souza
foi Pouso Alto, utilizado bem antes da chegada de imigrantes o que comprova a
exploração do local em data anterior a 1760, época do Brasil Colônia.
Nesta época muitos tropeiros passavam com seus cargueiros
pelo local e costumeiramente instalavam-se na pousada de Inácio Souza Corrêa.
Este, por sua vez, foi soldado da Guarda de Santo Antônio da Patrulha,
conseguindo adquirir terras com suas economias e dedicando-se a criação de
mulas. Anos depois, ao mudar-se para Uruguaiana, vendeu a colônia Pouso Alto a
Inácio Ribeiro. Na venda das terras, realizada em 1º de setembro de 1790, a
Colônia foi batizada de Fazenda Souza, assim chamada até hoje.
Os primeiros italianos se estabeleceram nestas terras no ano
de 1880, vindos da cidade de Feltre, na Itália. Como a região era rica em matas
de araucárias, a exploração de madeira expandiu-se, fazendo com que surgissem
as primeiras serrarias. Por volta de 1895, como a localidade já estava
desmatada, as famílias de imigrantes acabaram desenvolvendo a criação de gado
para leite e corte.
Antigamente, assim como Criúva, Fazenda Souza pertencia à
cidade de São Francisco de Paula. Hoje, é um distrito de Caxias do Sul e está
localizado a 18 km da sede administrativa municipal. Sua principal referência é
o Instituto Leonardo Murialdo, conhecido como o Seminário de Fazenda Souza,
onde encontram-se os restos mortais do Padre João Schiavo.
Este sacerdote veio da Itália no ano de 1931 e estabeleceu-se
no Rio Grande do Sul. Em Caxias do Sul, trabalhou em diversas comunidades como
as de Galópolis, Ana Rech e Fazenda Souza. Por meio de seus esforços foram
fundados o Instituto Leonardo Murialdo e a Instituição Abrigo de Menores São
José.
Sua economia se baseia nos hortifrutigranjeiros, com destaque
para as culturas de maçã, pêssego, caqui e ameixa, além da apicultura e
piscicultura. Porém vem se descobrindo na vitivinicultura, apesar de ser ainda embrionário,
se destacando algumas vinícolas, como a própria Vinha Solo com os seus atuais
47 hectares.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho com entornos granada, atijolados,
denunciando os seus 13 anos de garrafa, mas com algum brilho denotando alguma
vivacidade, com lágrimas finas, lentas e em abundância.
No nariz os aromas de evolução já se desenham apresentando
notas de frutas vermelhas maduras e em compota como cereja, groselha e morango,
com frutos secos como avelã, além de especiarias trazendo pimenta e pimentão tudo
envolto em uma incrível complexidade com toques de couro e terra molhada.
Na boca é seco, com alguma estrutura, mostrando um bom volume
de boca, mas muito aveludado e elegante, graças a composição de seu blend e o
tempo de vida. As frutas vermelhas maduras ganham uma parcela de protagonismo,
entregando vivacidade ao vinho, bem como os seus taninos que ainda é marcante,
mas contidos, com uma acidez média. O seu final, persistente, corrobora a sua
plenitude.
“Zênite” é a linha imaginária que parte do observador e
sempre aponta para o ponto mais elevado da abóbada celeste. E o título
sintetiza o momento, a importância e o privilégio de degustar um vinho com 13
anos de vida e ainda pleno, intenso, complexo e com muita vida para oferecer.
Assim é estar no ápice, sem parecer arrogante e indulgente, mas na simplicidade
da degustação se contempla o apogeu. Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Vinha Solo:
Dois amigos desejavam produzir vinhos naturais. A ideia
amadureceu como um bom vinho. O arquiteto Milton Scola e o empresário Raimundo
Demore escolheram uma preciosa área no norte de Caxias do Sul, no distrito de
Fazenda Souza.
Ali implantaram 20 hectares de vinhedos com mudas trazidas da
Itália aproveitando as peculiares características do solo de transição das
encostas e dos campos de cima da Serra Gaúcha.
Então nasceu a Vinha Solo já com a missão de elaborar vinhos
de altíssima qualidade com a mínima intervenção humana possível. Assim os
vinhos são lapidados em seu estado natural mesclando a excelência dos frutos da
vinha com as nuances de uma fermentação espontânea.
Os vinhos da Vinha Solo são a demonstração do terroir onde
solo, clima, conhecimento e trabalho no manejo dos vinhedos são traduzidos em
cada uma das garrafas.
A localidade de Fazenda Souza tem uma altitude que chega a
890 metros e onde os ventos são generosos. O solo de estrutura argiloarenosa
mantém uma vegetação natural rasteira em equilíbrio com um regime de chuvas
moderado, permitindo uma prática cultural da vinha com pouca intervenção.
Isso propicia que muitas espécies locais de animais como quero-queros, pardais, andorinhas, curicacas, lagartos entre outros vivam em harmonia formando uma bonita biodiversidade.
Mais informações acesse:
Referências:
“Caxias do Sul”: https://caxias.rs.gov.br/noticias/2022/07/fazenda-souza-retoma-a-festa-do-agricultor
“Vinhos e Vinhos”: https://www.vinhosevinhos.com/vinha-solo-cabernet-sauvignon-2009.html
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA
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