O vinho definitivamente é um ser vivo, como alguns
especialistas na poesia líquida costumam falar. E de fato é mesmo, não há
nenhum exagero em dizer isso. Todo vinho nasce, na vindima e no processo de
vinificação até ser engarrafado, cresce, evolui na garrafa quando está na nossa
adega, se desenvolve ou não, decai e morre.
Cada uma dessas fases tem um tempo, que muda, varia de vinho
para vinho e até mesmo de garrafa para garrafa, e nesse caso um dos principais
fatores é a forma como ele está armazenado e também o fator sorte, pois mesmo
acondicionando o vinho aceitavelmente há casos em que ele pode perecer antes do
que se espera.
Há quem diga que temos de aproveitar sem muitas delongas, mas
também o tempo faz com que o vinho só melhore, claro que para entender essas
nuances é preciso, pelo menos buscar ajuda profissional ou buscar informações
do rótulo junto ao produtor.
E entender o seu apogeu, potencial de guarda, o seu momento
de decréscimo no seu período evolutivo pode parecer meio difícil e tenso para
os enófilos e aí a pergunta surge: Será que o vinho está em seu ápice de
degustação? Será que merece aguardar um pouco mais? São perguntas,
questionamentos e dúvidas que nos faz perder o sono, porque um “erro de
cálculo, um momento especial de degustação pode virar um pesadelo com um vinho
avinagrado.
Mas é inegável quando, por exemplo, degustamos um vinho razoavelmente antigo e percebemos que ele está no auge ou que evoluiu maravilhosamente bem. É o ápice também para quem degusta.
Eu sigo nesse caminho pela busca e garimpo de alguns rótulos
com pelo menos mais de 10 anos o que hoje é maravilhoso em um mercado onde os
vinhos ligeiros e mais jovens imperam, afinal, quem quer bebe, bebe logo e isso
tem feito com que os adeptos pelos vinhos “velhos” se tornem um gueto, um
pequeno grupo.
E o vinho que degustarei hoje está debutando, com seus 15
anos de vida e que, por um ou dois anos, não sei ao certo, descansou em minha
adega aguardando o momento de brindar a minha taça com celebração. E falando em
celebração ele trará novidades, novidades de uma casta que, para mim, é nova:
Refosco.
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio da emblemática Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul, Brasil, e se chama Quinta Don Bonifácio Reserva da casta Refosco, safra 2007. O vinho está vivo, pleno! O tempo e a passagem por barricas de carvalho lhe deram complexidade e elegância. Mas não vou, pelo menos agora, falar do vinho, mas sim da Serra Gaúcha e do Refosco. Vale lembrar antes de que tive uma grande experiência com o Quinta Don Bonifácio Reserva Tannat 2007.
Serra Gaúcha
Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento Gonçalves.
A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das
condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas
as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita,
período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem
ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.
A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra
Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados
ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura. Desde 2005 o nível
de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança
e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.
O Vale dos Vinhedos, importante região que fica situada na
Serra Gaúcha, junto à cidade de Bento Gonçalves, caracteriza-se pela presença
de descendentes de imigrantes italianos, pioneiros da vinicultura brasileira.
Nessa região as temperaturas médias criam condições para uma vinicultura fina
voltada para a qualidade. A evolução tecnológica das últimas décadas aplicada
ao processo vitivinícola possibilitou a conquista de mercados mais exigentes e
o reconhecimento dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Assim, a evolução da
vitivinicultura da região passou a ser a mais importante meta dos produtores do
Vale.
O Vale dos Vinhedos é a primeira região vinícola do Brasil a
obter Indicação de Procedência de seus produtos, exibindo o Selo de Controle em
vinhos e espumantes elaborados pelas vinícolas associadas. Criada em 1995, a
partir da união de seis vinícolas, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos
do Vale dos Vinhedos (Aprovale), já surgiu com o propósito de alcançar uma
Denominação de Origem. No entanto, era necessário seguir os passos da
experiência, passando primeiro por uma Indicação de Procedência.
O pedido de reconhecimento geográfico encaminhado ao
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 1998 foi alcançado
somente em 2001. Neste período, foi necessário firmar convênios operacionais
para auxiliar no desenvolvimento de atividades que serviram como pré-requisitos
para a conquista da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos (I.P.V.V.). O
trabalho resultou no levantamento histórico, mapa geográfico e estudo da
potencialidade do setor vitivinícola da região. Já existe uma DOC (Denominação
de Origem Controlada) na região.
O Vale dos Vinhedos foi a primeira região entregue aos
imigrantes italianos, a partir de 1875. Inicialmente desenvolveu-se ali uma
agricultura de subsistência e produção de itens de consumo para o Rio Grande do
Sul. Devido à tradição da região de origem das famílias imigrantes, o Veneto,
logo se iniciaram plantios de uvas para produção de vinho para consumo local.
Até a década de 80 do século XX, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos
vendiam sua produção para grandes vinícolas da região. A pouca quantidade de
vinho que produziam destinava-se ao consumo familiar.
Esta realidade mudou quando a comercialização de vinho entrou
em queda e, consequentemente, o preço da uva desvalorizou. Os viticultores
passaram então a utilizar sua produção para fazer seu vinho e comercializá-lo
diretamente, tendo assim possibilidade de aumento nos lucros.
Para alcançar este objetivo e atender às exigências legais da
Indicação Geográfica, seis vinícolas se associaram, criando, em 1995, a
Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale).
Atualmente, a Aprovale conta com 24 vinícolas associadas e 19 associados não
produtores de vinho, entre hotéis, pousadas, restaurantes, fabricantes de
produtos artesanais, queijarias, entre outros. As vinícolas do Vale dos
Vinhedos produziram, em 2004 9,3 milhões de litros de vinhos finos e
processaram 14,3 milhões de kg de uvas viníferas.
Refosco
A uva tinta Refosco teve sua origem nas regiões banhadas pelo
mar Adriático, como a Eslovênia, Croácia e Friuili-Venezia Giulia (nordeste da
Itália). Antigamente, era amplamente utilizada para a fabricação de vinhos mais
simples, entretanto, hoje a uva Refosco tem suas características em evidência e
participa da composição de exemplares complexos, vinhos que apresentam grande
capacidade de envelhecimento.
Os vinhos que possuem a uva Refosco em sua composição são
encorpados e frutados, apresentando elevada acidez e coloração escura e densa.
Os aromas e sabores encontrados nesses exemplares remetem a ameixas e temperos
apimentados, bem como sugerem sensação amendoada no palato. Com amadurecimento
tardio, a uva Refosco, se colhida antes do tempo, pode elaborar vinhos de
taninos agressivos.
Essa é uma uva cheia de documentações, ao longo da história.
Foi admirada e citada pelo escritor romano Caio Plínio II, conhecido como
Plínio, o Velho. Consta, também, que era o vinho favorito de Lívia, esposa do
primeiro imperador romano, Otávio Augusto. Estudos de DNA revelaram que a
Refosco tem um parentesco com Marzemino, a uva que produzia o vinho favorito de
Mozart.
A denominação de origem que elabora os mais reputados vinhos
com a uva Refosco, de excelente combinação entre a mineralidade e o caráter
frutado, é a italiana Colli Orientali del Friuli. Para uma boa harmonização,
recomendam-se pratos elaborados com carnes de porco e peixes, como salmão e
linguado, por exemplo.
Os vinhos elaborados com esse tipo de uva costumam ser
consumidos pela população local, dificilmente saindo de sua região de origem.
Entretanto, com o crescente interesse dos amantes de vinhos pela região de
Friuli, os exemplares que levam a Refosco em sua composição cruzaram o oceano e
chamaram a atenção da crítica estadunidense.
Na região fronteiriça da Eslovênia, a uva Refosco é conhecida
como Refosk e, após sua colheita, passa por um período prolongado de maceração,
fermentação e envelhecimento, resultando em vinhos extremamente ricos e
saborosos.
Os aromas e sabores mais frequentemente associados a Refosco são os temperos apimentados escuros e as ameixas, além de uma sensação amendoada no palato, bem como um toque de amargor. O potencial de guarda pode ir de quatro a dez anos. No seu auge, ganha nuances florais.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um intenso e profundo vermelho rubi com
halos granada, denunciando os seus 15 anos de vida e/ou provavelmente pela
passagem por barricas de carvalho, com lágrimas finas, lentas e em média quantidade.
No nariz traz aromas de frutas pretas bem maduras, como
ameixa e jabuticaba, bem como frutas secas, com notas amadeiradas, defumadas, de
tabaco, couro, estrebaria, com toques terrosos, de terra molhada, folhas secas,
revelando complexidade e intensidade.
Na boca é altivo, vivo, volumoso, suculento, mostrando uma ótima evolução com as frutas pretas maduras e secas sendo replicadas como no aspecto olfativo em perfeita sinergia com a madeira que ganha também protagonismo, afinal foram 16 meses em barricas de carvalho, com especiarias picantes, tosta, café, torrefação e um delicioso tom de chocolate meio amargo que lhe confere sabor, tudo isso graças a madeira. Taninos elegantes, domados, com uma acidez instigante, na medida certa com um final persistente, longo.
Eu resumiria, mesmo que óbvia em uma palavra esse momento de
degustação: privilégio. Para mim, um humilde enófilo, degustar um rótulo
brasileiro de 2007, com 15 anos de vida e se revelando vivo, pleno na taça não
é todo dia e o faço em um tom de celebração, vinho é celebração. Degustar, mais
uma vez, um rótulo de um produtor, em sua primeira vindima, a sua primeira
colheita, também é motivo de muita alegria. O vinho que degustei e gostei foi a
primeira colheita da Vinícola Don Bonifácio, uma vinícola jovem, fundada em
2000, mas que respeita as tradições da Serra Gaúcha. É respeito à terra, ao
terroir, a cultura daquele povo, é ímpar. Obrigado aos deuses do vinho por,
mais uma vez, me proporcionar esse momento. Tem 12,6% de teor alcoólico.
Sobre a Quinta Don Bonifácio:
A Quinta Don Bonifácio está situada a 800 metros de altitude
em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Todos os produtos são elaborados
através de vinhedos próprios, os quais se encontram localizados em Santa Lúcia
do Piaí, e em São Francisco em Galópolis.
Os vinhedos foram planejados no início do ano de 2000, com o
objetivo de produzir as melhores variedades de uvas da região, com a primeira
colheita em 2007.
A vinícola tem uma estrutura projetada para a elaboração de
vinhos finos e espumantes de excelente qualidade, visando atender consumidores
exigentes e diferenciados.
É uma vinícola que projetou a sua criação na elaboração de
excelentes produtos, no bom atendimento e na satisfação do consumidor.
Mais informações acesse:
https://www.quintadonbonifacio.com.br/site/#home
Referências:
“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA
“Tintos & Tantos”: http://www.tintosetantos.com/index.php/escolhendo/cepas/625-refosco
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/refosco
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