As vezes alguns discursos engessados no universo do vinho me
aborrecem! Sabe aquela coisa que falam com demasiada reverência: “Ah os vinhos
da região ‘x’ são excelentes”! “Os vinhos da região ‘x’ são especiais”! Sempre
são os vinhos de uma determinada região em detrimento de várias outras que
fazem questão de jogar no ostracismo.
Por isso sempre faço questão de dizer UNIVERSO DO VINHO! Ele
é vasto, gigante, diversificado, logo traz inúmeras regiões com suas
peculiaridades, especificidades e tudo o mais. Será que realmente não merecemos
desbravar todas elas? Ou pelo menos boa parte delas, até porque precisaríamos
viver mil anos para degustar todos os vinhos do mundo.
E apenas para citar um exemplo: Espanha! Espanha é um dos
“centros” produtivos de vinhos com o maior número de regiões, hectares e tudo o
que tem direito do planeta. Por que ficar restrito a Rioja e Ribera del Duero?
Evidente que são regiões emblemáticas, importantes,
tradicionais e que merecem a relevância, o pedestal que as colocam, mas,
pergunto mais uma vez: Será que só existem essas regiões, as demais não podem
apresentar particularidades, algo especial?
Eu respondo! Sim! E de imediato apresento uma que descobri,
confesso e com certa vergonha, recentemente: Castilla La Mancha. A terra do
errante Dom Quixote tem revelado para mim alguns vinhos excepcionais, diria
surpreendentes para mim. A escolha foi boa? Sorte de principiante? Não sei dizer
ao certo, mas o fato é que as escolhas foram certeiras.
O discurso mais forte que segmenta essa região por parte dos
“formadores de opinião” é: “Ah são vinhos de volume! ” Vinhos de volume tem de
ser sempre ruins? Quais os critérios? Talvez tenham alguns pontos técnicos, de
vinificação, mas me parece que são campanhas perversas de exclusão dessas
regiões e social também.
Então com o meu espírito subversivo e fora da caixinha, tenho
me aventurado nessas regiões “alternativas” da Espanha, como Utiel-Requena,
Valdepeñas, Castilla La Mancha etc. A Espanha é gigantesca e oferece um mundo
de terroirs, de características de vinhos, dos mais básicos aos mais complexos.
E por falar em complexidade e também nessa incessante busca
por todas as regiões espanholas eu tenho me fixado, quase ao ponto de uma “doce
patologia”, em vinhos “reservas”, “gran reservas” que reinam absolutos na
Espanha. Afinal é na Espanha que tais nomenclaturas são ostentadas com rigor,
seguindo uma legislação (Lei 24/2003, de 10 de julio, de la Viña y del Vino)
que garante o mínimo de qualidade aos rótulos.
Mas será que garantem a qualidade? Não! Mas traz um norte às
propostas que carregam, entregam o que realmente são e isso, por si só, já traz
um estímulo à degustação.
E a degustação de hoje marcará uma estreia: a primeira
degustação de um “Gran Reserva” de Castilla La Mancha! E um Gran Reserva com
seus 11 anos de garrafa, 11 anos de vida! Uma série de momentos especiais em
apenas um rótulo!
Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que
degustei e gostei veio de Albacete, Castilla La Mancha, e se chama Marques de
Toledo Gran Reserva das castas Tempranillo (80%) e Cabernet Sauvignon (20%) da
safra 2011. Então vamos às histórias, para não perder o costume.
Castilla La Mancha, a terra de Dom Quitoxe e os seus Moinhos
de Vento
Bem ao centro da Espanha, país com a maior área de vinhas
plantadas em todo o mundo e o terceiro maior mercado produtor de vinhos, está
localizada a região vitivinícola de Castilla La Mancha. Um território com
grande extensão de terra quase que completamente plana, sem grandes
elevações. É nessa macrorregião que se
origina quase 50% do total de litros de vinho produzidos anualmente na Espanha.
O nome “La Mancha” tem origem na expressão “Mantxa” que em
árabe significa “terra seca”, o que de fato caracteriza a região. Neste
território, o clima continental ao extremo provoca grandes diferenças de
temperaturas entre verão e inverno.
Nos dias quentes de verão os termômetros podem alcançar os
45°C, enquanto nas noites rigorosas de frio intenso do inverno, as temperaturas
negativas podem chegar a até -15°C.
A irrigação torna-se muitas vezes essencial: além do baixo
índice pluviométrico devido ao caráter continental e mediterrâneo do clima, o
local se torna ainda mais seco graças ao seu microclima, que impede a entrada
de correntes marítimas úmidas.
A ocorrência de sol por ano é de aproximadamente 3.000 horas.
Esta macrorregião é composta por várias regiões menores, incluindo sete
“Denominações de Origem”, das quais se pode destacar La Mancha e Valdepeñas.
La Mancha: é a principal região dentre elas, sendo
considerada a maior DO da Espanha e a mais extensa zona vinícola do mundo. O território abrange 182 municípios,
distribuídos em quatro províncias: Albacete, Ciudad Real, Cuenca e Toledo. As
principais uvas produzidas naquele solo são a uva branca Airen e a popular
tinta espanhola Tempranillo, também conhecida localmente como Cencibel.
Valdepeñas: localizada mais ao sul, mas com as mesmas condições
climáticas, tem construído sua boa reputação graças à produção de vinhos de
grande qualidade, normalmente varietais da uva Tempranillo ou blends desta com
castas internacionais.
A DO La Mancha conta mais de 164.000 hectares de vinhedos
plantados. Com isso, é a maior Denominação de Origem do país e a maior área
vitivinícola contínua do mundo, abrangendo 182 municípios, divididos em quatro
províncias: Albacete, Ciudad Real, Cuenca e Toledo.
As castas mais cultivadas em Castilla de La Mancha são: Airén,
Viúra, Sauvignon Blanc e Chardonnay entre as brancas e as tintas são:
Tempranillo, Syrah, Cabernet Sauvignon, Merlot e Grenache.
Classificação dos rótulos da DO de Castilla La Mancha:
Jóven: Categoria mais básica, sem passagem
por madeira, para ser consumido preferencialmente no mesmo ano da colheita.
Tradicional: Sem passagem por madeira, porém com
mais estrutura do que o Jóven.
Envelhecimento em
barris de carvalho:
Envelhecimento mínimo de 90 dias em barris de carvalho.
Crianza: Envelhecimento natural de dois anos,
sendo, pelo menos, seis meses em barris de carvalho.
Reserva: Envelhecimento de, no mínimo, 12
meses em barris de carvalho e 24 meses em garrafa.
Gran Reserva: Envelhecimento de, no mínimo, 18
meses em barris de carvalho e 42 meses em garrafa.
Espumante: Produzidos a partir do método
tradicional (segunda fermentação em garrafa), com no mínimo nove meses de
autólise.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um vermelho rubi intenso, com halos já
evoluídos, atijolados, denotando os seus 11 anos de vida, com lágrimas grossas
e esparsas e bem lentas.
No nariz traz exuberantes notas de frutas pretas maduras,
tais como cereja preta, amoras e frutas secas. Os 24 meses de barricas de carvalho
se apresentam com notas amadeiradas, baunilha, tosta, especiarias, algo de
herbáceo, vegetal, couro e tabaco. Uma complexidade típica.
Na boca é seco, de média estrutura, mas elegante, afinal o
tempo de garrafa se encarregou de deixa-lo complexo e macio, com as notas
frutadas protagonizando como no aspecto olfativo. O toque herbáceo também dá o
ar da graça, bem como aquele toque de terra, terroso, de terra molhada, com
taninos presentes, mas domados, com acidez média, amadeirado, que lhe confere
discreto chocolate e um final de média persistência.
11 anos de vida! E ainda um longo caminho pela frente! Um
vinho pleno, complexo em um misto de frutas negras e aromas terciários
revelando a sua versatilidade, a sua complexidade. Alguma estrutura, densidade,
mas que o tempo conferiu elegância e equilíbrio. Por isso que esses especiais
espanhóis vêm me ganhando a cada experiência sensorial. Que venham mais e mais
momentos como esse! Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Bodegas Lozano:
Em 1853 começa a história da vinícola, quando a família
Lozano planta as primeiras vinhas em Villarrobledo (município da Espanha na
província de Albacete, comunidade autônoma de Castilla-La-Mancha) formada
principalmente pela variedade Aíren, nativa da região. Desde então, foram
quatro gerações na gestão da adega, sempre apostando no bom trabalho e no uso
de técnicas tradicionais na elaboração.
Em 1985, as instalações existentes foram adquiridas. Desde
então, houve muitas melhorias que foram desenvolvidas, proporcionando um
aumento considerável na capacidade de vinificação.
Em 2005, a Lozano diversificou o negócio e começou a
concentrar-se em sucos e concentrados de uva, formando a empresa CONUVA, usando
o mesmo roteiro: para alcançar a mais alta qualidade em todos os seus produtos
e para agregar valor diferenciado a todos os clientes, a confiança.
A adega passou por diferentes estágios que forjaram o que é
hoje: uma empresa familiar e profissional que é referência no setor
vitivinícola que aposta adaptação aos novos tempos através de novos produtos e
formatos.
Mais informações acesse:
https://bodegas-lozano.com/es/
Referências:
“Enologuia”: https://enologuia.com.br/regioes/245-a-regiao-de-castilla-la-mancha-a-terra-de-dom-quixote
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinhos-dos-moinhos_4580.html
“Blog VinhoSite”: http://blog.vinhosite.com.br/la-mancha-maior-regiao-produtora-vinhos-espanha/
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