Sempre tem algo novo a ser apresentado no universo dos
vinhos! E não é a toa que costumo chamar de “universo”, porque é vasto e ainda
há muito a ser explorado. Os vinhos espanhóis estão na minha vida enófila há
anos, claro que, em alguns momentos, menos e outros mais.
Digo isso porque por mais que eu degustasse, em um passado
razoavelmente distante, poucos rótulos espanhóis, eu já tive contato com um
espanhol em algum momento de nossa trajetória, de nossa caminhada. Também não é
para menos, um país como o Brasil, que exporta muitos vinhos portugueses,
italianos, argentinos, chilenos e espanhóis, torna-se inevitável ter contatos
com rótulos desses países. Sem contar que a Espanha conta com um vasto número
de hectares de terras que produzem vinho no planeta!
Atualmente a Espanha, com os seus vinhos, está mais presente
em minhas taças e pretensões de compra. Descobri novos rótulos, novas propostas
de vinhos que estou avidamente a desbravar e, consequentemente, novas regiões,
castas e terroirs descortinam diante de nossos olhos.
Claro que “forçamos” esse fenômeno porque, pelo menos para
mim, tenho buscado novas propostas e regiões que não centralize apenas nas já
famosas e consagradas Rioja e Ribera del Duero, por exemplo. A Espanha tem
muito a oferecer.
E hoje mais uma região figurará em minha taça, mais uma
novidade colore o meu dia, de mais uma especial e singular degustação:
Cariñena. E não só uma nova região aparece para mim, mas novas perspectivas de
degustação se apresenta, com castas, blends ousados, arrojados que prometem
impor complexidade às experiências sensoriais.
E as novidades não param por aí! Temos também uma nova
experiência com um produtor que, quando escolhi o vinho, fiz questão, como de
costume, fazer algumas pesquisas acerca da vinícola que descobri ser jovem, mas
que já goza de alguma notoriedade, de alguma credibilidade e isso é um fator
preponderante para a degustação de grandes rótulos.
E quando chegou a hora de degusta-lo o prazer, a grata
surpresa também se revelou de forma avassaladora. Então para não perder tempo
vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio da região de
Cariñena, na Espanha e se chama Esteban Martin, composto pelas castas Garnacha
e Cabernet Sauvignon da safra 2017. E para não perder o costume, vamos apresentar
também Cariñena.
Cariñena
Cariñena está situada no centro do Vale do Ebro, em uma das
regiões vitivinícolas históricas da Espanha. Tem uma superfície de produção de
aproximadamente 15.000 hectares, divididas entre os povoados de Aguarón,
Aladrén, Alfamén, Almonacid de la Sierra, Alpartir, Cariñena, Cosuenda,
Encinacorba, Longares, Mezalocha, Muel, Paniza, Tosos e Villanueva de Huerva.
Quando sai de Zaragoza a paisagem muda, torna-se ocre e
cinza. Tudo parece seco, deserto. Barras de pedra, seixos, o mineral reina
supremo, nada mais cresce, exceto alguns arbustos ao longo dos rios secos. Então,
a poucas léguas da aldeia de Cariñena, a vinha emerge deste inesperado local. A
entrada é feita na denominação homônima, o DO Cariñena.
Como o próprio nome sugere o DO produz Carignan, mas em
pequenas quantidades; essa longa variedade hegemônica já representa apenas 4%
da produção. Mas a denominação está tentando atualizá-la, refazer sua casta de
identidade. E a parceira histórica da Garnacha, que tem resistido à chegada das
castas internacionais.
Pode-se pensar que neste clima extremo, apenas suavizado pelo
Ebro e algumas influências mediterrânicas, com os seus invernos frios, por
vezes gélidos, e os seus verões tórridos, nada cresce. Perguntar-se como a
vinha resiste e dá vinhos longe de serem pesados, nem carregados de álcool, nem
de taninos rústicos. Muito pelo contrário, a Garnacha, como o Carignan, oferecem
aqui uvas maduras, certamente, mas que mantiveram o frutado e a acidez.
Os vinhos resultantes apresentam o mesmo desenho, alguns
quase arejados, oferecendo uma multiplicidade de notas de fruta e flores onde
se reconhecem cereja, pêssego de vinha, abrunho perfumado com pétalas de rosa
mosqueta realçadas ainda por pimenta, com um frescor surpreendente.
Outros, mais terrosos, aumentam a carga tânica sem perder a
elegância, mas com esse caráter um pouco mais rígido que se aprecia durante as
refeições. Como os primeiros, eles geralmente anunciam a fruta do nariz,
preferindo morangos, cerejas bigarreau, groselhas que trituram sob o dente,
inundando as papilas gustativas de suco, encantadas com tanta generosidade.
Mais encorpados, por vezes mais fechados, precisam então de
uma passagem em garrafa para apreciar a subtileza dos seus impulsos florais, amendoeiras
em flor, rosas velhas, camomila, sublinhadas com alcaçuz e pimenta.
Terroir
O terroir conta com as extensões pedregosas onipresentes, tanto que se fala de “El Vino de las Piedras”, o “Vinho das Pedras”. A paisagem denuncia. O DO também o torna um objeto de comunicação.
Mas o que há sob esta extensão de cascalho que permite que a
videira cresça? Composta quase essencialmente por calcário, exceto o sul onde
existe um pouco de ardósia e argilas duras, o solo parece mais pobre e seco.
Mas, sob essas pedras planas e angulares, sob esses escombros de rochas
provenientes das colinas circundantes, escondem-se argilas nutritivas.
As raízes afundam facilmente neste solo solto e exploram
todos os cantos em busca de nutrientes e água, a argila oferece excelente
retenção de água e é um notável reservatório de alimentos. Este é certamente um
dos segredos do Vin des Pierres.
História
Não se sabe ao certo quando a Carignan e a Garnacha foram
introduzidos em Aragão. Talvez os celtiberos tenham tido algum contato com os
fenícios que fundaram povoações e feitorias e plantaram vinhas desde o século
VII a.C . No entanto, sabe-se que os romanos desenvolveram a viticultura em sua
província de Tarraconensis, que incluía a atual Aragão, uma de cujas cidades eram
Caesaraugusta, atual Zaragoza.
A pequena cidade de Cariñena chamava-se então Carae e o vinho regou a região desde o século
3 d.C. O clero assumiu, como em todos os outros lugares. Mas o vinho da região
também era apreciado pela realeza: Fernando I de Aragão bebeu-o no século XV.
Tudo isso para afirmar que a mágica dupla Carignan/Garnacha há muito se adaptou
ao terroir particular da denominação Cariñena e continua se adaptando às
variações climáticas.
A produção
São as caves cooperativas que assumem a maior parte da
produção, ou seja, 90% do volume. Os 10% fornecidos pelas caves privadas,
muitas vezes familiares, oferecem vinhos talvez mais originais, de forma a
diferenciarem-se dos grandes volumes.
No entanto, encontram-se sim adegas cooperativas de muita
qualidade. Alguns de seus cuvées não
precisam empalidecer diante das pequenas produções “costuradas à mão”. As
cooperativas entenderam o que tirar do terroir e de sua dupla preferida.
DO
A DO Cariñena é a mais antiga denominação aragonesa. Existe
desde 1932. Situa-se no Vale do Ebro, estende-se por 14.000 ha distribuídos por
14 municípios e emprega nada menos que 1.500 viticultores, a maioria dos quais
abastecem as cooperativas. 32 bodegas produzem vinho lá, mas apenas 21 o
engarrafam. E se a Garnacha e a Carignan oferecem uma boa gama de vinhos desde
os brancos secos aos tintos profundos, passando pelos rosés, licorosos e
espumantes muitas vezes elaborados a partir da Garnacha vinificada em branco
(que pode adoptar o nome de Cava), a DO Cariñena também permite outras castas
variedades.
Para os tintos, Cabernet Sauvignon, Juan Ibáñez, Merlot,
Monastrell, Syrah, Tempranillo e Vidadillo. Para os brancos: Macabeu,
Chardonnay, Grenache blanc, Muscat d'Alexandrie e Parellada.
Mas essa terra de Garnachas e Carignans soube adaptar-se
criteriosamente as novas tendências. Assim como aproveitar suas excelentes
condições para o cultivo de variedades tão internacionais quanto a Syrah, a
Cabernet Sauvignon ou Chardonnay entre outras. Constituída em 1932, Cariñena é
a Denominação de Origem mais antiga de Aragón. E uma das mais antigas da
Espanha, junto com as de La Rioja e Jerez. Junto com a criação da Denominação
de Origem, em 1932, inaugurou-se a Estação Enológica da Cariñena, de onde se
impulsionaram novas técnicas de cultivo e elaboração.
Porém, a Guerra Civil espanhola e suas consequências
atrasaram a guinada da qualidade até os anos 1970, pouco depois dos vinhos
começarem a ser engarrafados. Mas foi realmente nos anos 1980 quando aconteceu
o grande salto qualitativo na elaboração dos vinhos da região com a introdução
de novos sistemas de cultivo, investimento em tecnologia e a adoção de novas
práticas enológicas.
Novos tempos
A Denominação de Origem Cariñena comemorou seu 90º aniversário em 2022, apresentando uma nova imagem que unifica o nome da entidade e seu famoso lema El Vino de las Piedras, com a letra eñe e a cor verde como principais elementos de identificação.
O novo logótipo foi apresentado em um evento especial
realizado em Madrid, que também reconheceu a grande relação com a República
Federal da Alemanha, com a atribuição do Prémio especial 90º Aniversário a este
país, o principal importador durante os últimos 25 anos, com uma média anual de
8,2 milhões de garrafas.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta uma cor rubi intenso, mas não é escura,
trazendo bordas violáceas, com lágrimas grossas, lentas e em profusão
entregando, denunciando o seu alto teor alcoólico.
No nariz muita complexidade com aromas plenos e vívidos de
frutas pretas maduras, como cereja preta, ameixa, amora, além de frutas do bosque,
como mirtilo, por exemplo, bem como as notas amadeiradas bem evidentes, mas
muito bem integradas e que entrega tabaco, couro, especiarias, estrebaria,
baunilha e discreto chocolate.
Na boca é seco, macio, elegante, mas, por outro lado, se
revela robusto, graças a sua untuosidade, um bom volume, cheio e alcoólico, mas
que não agride, tornando-se um vinho equilibrado. As frutas e a madeira ganham
protagonismo, como no aspecto olfativo, em plena convergência, e entregam
sabor, frescor, os toques de tabaco, couro, baunilha, mentolado, chocolate e uma
discreta torrefação. Têm taninos domados, acidez baixa para média e um final de
média persistência.
Sobre a Bodega Esteban Martin:
A empreendedora família Esteban Martín sempre teve uma
estreita relação com o campo, com a agricultura e com a pecuária. De fato, as
andanças começaram em 1964 com a fundação da Granja Virgen del Rosario, que
hoje em dia é uma das principais empresas avícolas de Espanha. Atualmente, o
Grupo Esteban Martín, cuja totalidade das participações pertence à família
Esteban Martín, possui para além da quinta, a adega e uma empresa de
transporte.
Em 1985, Miguel Antonio Esteban, decidiu comprar 150 hectares
de vinhas nas melhores terras da DOP Cariñena. Ano após ano foi adquirindo
novos terrenos e, em 2003, decidiu construir a própria adega. Hoje conta com
cerca de 400 hectares de vinha, assim como instalações e tecnologia de ponta,
tudo isto sem esquecer as tradições, o saber-fazer e a responsabilidade.
As três gerações da família estão envolvidas no trabalho
quotidiano, onde os principais valores são a qualidade, a excelência e a
inovação, a sustentabilidade ambiental e a paixão pelo produto e pela terra.
Mais informações acesse:
https://www.estebanmartin.com/?lang=pt-pt
Referências:
“I Gastro Aragón”: https://www.igastroaragon.com/2022/12/la-dop-carinena-premia-a-alemania-y-estrena-nueva-imagen.html
“Les 5 du vin”: https://les5duvin.wordpress.com/2018/06/29/carinena-en-aragon-terre-promise-du-carignan/
“Revista Sociedade da Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2014/08/carinena-terra-de-garnachas/
Nenhum comentário:
Postar um comentário