Quando falamos na Argentina, além do futebol, é claro, e da
secular rivalidade nesse esporte com o Brasil, há também outra “marca” que
eleva o nome do país a condições globais e que foi o pilar da economia dos
nossos hermanos: a casta Malbec. Não há como dissociar, quando falamos da
Argentina produtora de vinhos, da velha Malbec. Apesar de ser oriunda da região
francesa de Cahors foi na Argentina, mais precisamente na região emblemática de
Mendoza, que a Malbec encontrou seu lar e lá construiu seu nome, com rótulos
proeminentes e valorosos nas suas mais diversas propostas e terroirs.
Mas quando falamos de castas brancas não podemos negligenciar a importância da Torrontés. Temos a Chardonnay, a Pinot Gris (Pinot Grigio), Chenin Blanc que também é prolífica em terras argentinas, mas a Torrontés ganhou destaque e hoje é umas das castas brancas mais importantes produzidas naquele país, arrisco dizer que a mais importante, sem sombra de dúvida. Não me lembro como se deu o primeiro contato com a Torrontés. Acredito que tenha sido lendo, as minhas buscas intensas pela informação, a construção do conhecimento do universo do vinho abriu muitas janelas, me proporcionou muitos rótulos especiais, muitas experiências sensoriais.
Mas lembro-me, com nitidez, quando degustei o meu primeiro
rótulo argentino da casta Torrontés. Eu adorava Chardonnay, foi a primeira
casta branca que degustei e ela me entregou muita expressividade, personalidade
marcante, mesclado ao frescor e jovialidade e isso me agradava muito. E foi
essa a percepção que tive quando degustei a Torrontés: Uma casta com
personalidade marcante, explosão aromática, com destaque para as frutas brancas
e cítricas, toques florais e o frescor e a jovialidade. Foi amor à primeira
vista, ou melhor, a primeira degustação. E desde então não deixo de tê-la
figurando a minha adega.
E hoje, para variar, já que estou falando da Torrontés, mais
um capítulo da minha história com essa especial cepa se constrói e, com gratas
novidades, porque vem com aquela famosa já mencionada construção do
conhecimento atrelado às minhas degustações e relação com o universo do vinho.
O rótulo de hoje vem de uma região argentina que eu não conhecia e que, após,
pesquisas e leituras e tida como uma localidade que é referência na produção da
Torrontés! E não se enganem, não é Mendoza! Falo do Valle de Cafayate, na
região de Salta. Conhece? Pois é, eu não conhecia.
Porém antes apresentemos o vinho que degustei e gostei que
veio do Valle de Cafayate, na Argentina, e se chama Cinco Tierras Sorbus da
casta, claro, Torrontés, da safra 2016. E, antes de falar do vinho, narremos a
história de Valle de Cafayate e também da especial Torrontés.
Torrontés: a casta emblemática da Argentina
A uva branca Torrontés tornou-se ícone na Argentina, dando
origem a vinhos brancos extremamente potentes e capazes de surpreender inúmeros
paladares. A produção de vinhos a partir da uva Torrontés ocorre, em especial,
na Argentina e, eventualmente, é possível encontrar alguns notáveis exemplares
em regiões da Nova Zelândia e do Chile. Na Argentina, a uva Torrontés é encontrada em diversas áreas
vinícolas, com destaque para o Vale de Cafayate, situado ao norte do país, e
Salta. Com vinhedos cultivados em altitudes altíssimas, o vinho Torrontés de
Cafayete é extremamente frutado e saboroso, bem como complexo e delicado, com
corpo leve, tonalidade amarelo claro com reflexos verdes e raramente passa por
barris de carvalho durante sua vinificação.
A casta Torrontés possui ainda três variantes – Mendocina,
Sanjuanina e Riojana –, onde a mais importante é a variedade Torrontés Riojana
por se tratar da única uva criolla originada na América, que possui um alto
valor enológico e importante relevância comercial na produção de alguns dos
melhores vinhos brancos argentinos. Os vinhos produzidos a partir da uva
Torrontés são alguns dos vinhos brancos mais aromáticos da Argentina, onde é
possível encontrar notas de ervas e especiarias. Na boca, os exemplares são
intensos, com refrescante acidez e devem ser consumidos ainda jovens.
A maior parte dos vinhos Torrontés não passa por barris de
madeira, proporcionando maior frescor aos exemplares. Além disso, devido a não
utilização de madeira, os vinhos passam a apresentar uma coloração mais clara
que os demais exemplares. Trata-se de uma variedade com bagos grandes, peles
grossas e amadurecimento precoce. O clima mais frio é ideal para a uva
Torrontés, ajudando a reter seus níveis de acidez natural. Essa casta cresceu
rapidamente para se tornar um ícone dos vinhos brancos argentinos, além de
tornar-se uma das variedades mais cultivadas do país. A partir de 2012, a
Torrontés tornou-se a segunda uva branca mais cultivada da Argentina, atrás
apenas da nativa Pedro Ximenez utilizada na elaboração de vinhos de mesa
simples, destinados ao consumo do mercado local.
Valle de Cafayate, Salta
Cafayate é uma região produtora de vinho no noroeste da Argentina, localizada no amplo Vale do Calchaqui - um dos lugares mais altos do mundo adequado para a viticultura. A cidade de Cafayate fica perto da fronteira sul da região vinícola mais ao norte da Argentina, Salta, embora administrativamente seja uma parte da Província de Salta.
Razoavelmente conhecido por seus Torrontes e Malbec, o Vale
Calchaqui (um nome genérico para uma série de vales na borda da Cordilheira dos
Andes) circunda Cafayate e tem algumas das paisagens mais espetaculares da
Argentina, mudando rápida e dramaticamente do deserto às montanhas à floresta
subtropical. Cafayate fica a 1700 m (5600 pés) acima do nível do mar, a uma
latitude de 26 ° S (que compartilha com o deserto do Kalahari na África). Esta
altitude é o que define o terroir da região, tornando-o adequado para a
viticultura, apesar de sua proximidade com o Equador e o Trópico de
Capricórnio. A altitude faz com que a luz solar que Cafayate receba é mais
intensa do que nas regiões mais baixas, fazendo com que as uvas desenvolvam
cascas mais espessas como proteção contra a radiação solar. Altitude também
significa noites frias, alimentadas pelos ventos noturnos do oeste dos Andes
cobertos de neve. As temperaturas podem ser cerca de 60F / 15C mais frias do
que durante o dia, e é esta variação diurna da temperatura que prolonga a
estação de crescimento e conduz ao equilíbrio nos vinhos acabados.
Os tipos de solo em Cafayate são variados, consistindo
principalmente de argila arenosa de drenagem livre, com alguns bolsões de mais
seixos. Estes solos secos causam stress nas vinhas, levando-as a produzir menos
vegetação e menos uvas, reduzindo o rendimento global e contribuindo para os
elevados níveis de concentração nos vinhos daí resultantes. Cafayate tem um
clima desértico com baixa pluviosidade e umidade. As videiras são auxiliadas
pela irrigação dos rios de degelo da região para mantê-las hidratadas durante o
verão.
O terroir de Cafayate é particularmente adequado para a
variedade Torrontes Riojana, que produz vinhos brancos florais e crocantes com
uma profundidade de sabor surpreendente. Vinhos encorpados e ricamente
estruturados feitos de Malbec e Cabernet Sauvignon também são produzidos em
Cafayate.
E agora o vinho!
Na taça apresenta um amarelo palha brilhante e com reflexos
esverdeados, com uma formação, de média intensidade, de lágrimas finas, que
logo se dissipam.
No nariz o destaque fica para as notas florais, flores
brancas, com, logo em seguida, as frutas aparecerem, frutas brancas, como
melão, pera, maçã e um fundo cítrico, lembrando laranja e diria limão.
Na boca vem algumas peculiaridades, a começar pelo baixo
amargor, aquele seco intenso no paladar, típico da cepa, não se percebe, bem
como a baixa acidez, tornando o vinho delicado. As notas frutadas são evidentes
também, como no aspecto olfativo. Um vinho fresco e direto, bem
descompromissado, com um final curto.
Novas percepções, novas experiências, novas facetas, novas
histórias sendo escritas de uma velha conhecida, de uma casta que acompanha a
minha estrada enófila desde algum tempo, a boa e necessária Torrontés. O Cinco
Tierras Sorbus me revelou que a grandeza da Torrontés nos torna pequenos, mas
especiais, por ter a oportunidade de degustar essa cepa que, tão versátil, te
entrega personalidade, complexidade e a simplicidade do seu frescor, da sua
vivaz acidez. Terroir, tipicidade, palavras que, embora sejam tão próximas ao
nosso vocabulário enófilo e tão complexas, pode permitir que façamos, graças
aos rótulos que degustamos, viagens, nos tornar tão familiarizados com as
terras de onde foram concebidos, a perfeita logística que nos conduz até as
regiões, tendo a taça cheia como o veículo, a ponte. O Cinco Tierras Sorbus,
com a sua jovialidade e frescor, apesar dos incríveis 6 anos de safra, de vida,
mostrou vivacidade e marcante expressividade personificando as mais fiéis
características da Torrontés. Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Bodega e Viñedos Cinco Tierras:
Cinco Tierras é uma vinícola familiar que nasceu em 2000 por
Rubén Banfi e sua esposa, Marie Geneviève, para produzir vinhos de alto padrão
com uvas das melhores terras do país. Em 2002 lançaram os primeiros vinhos
elaborados com uvas adquiridas a produtores independentes e os resultados foram
tão favoráveis que continuaram a desenvolver um crescimento sustentado. Em
2005, adquiriram uma fazenda de 25 hectares em Agrelo, Luján de Cuyo,
estabelecida com antigos vinhedos Malbec, Merlot, Cabernet Sauvignon e Cabernet
Franc, e começaram a fazer um Torrontés com uvas do Vale do Cafayate em Salta.
A vinícola está localizada em Vistalba, Luján de Cuyo, e
conta com os últimos avanços tecnológicos e uma capacidade de produção de
250.000 litros divididos em piscinas de cimento revestidas com epóxi (7.000 a
25.000 litros) e tanques de aço inoxidável (5.000, 7.500, 15.000 e 25.000
litros). Ele também tem 300 barris de carvalho francês no subsolo. Possui 3
linhas de vinhos: Cinco Tierras Reserva; Cinco Terras Clássicas e Sorbus. Em
todos eles destacam-se a fruta e o equilíbrio, bem como uma excelente expressão
varietal com um toque de carvalho.
Os itens são limitados, a Reserva varia entre 4.000 e 10.000
garrafas e a linha Classic cerca de 40.000. A produção anual é de 160.000
garrafas. Desde a primeira vindima, os vinhos Cinco Tierras tiveram uma
aceitação muito boa tanto local como internacionalmente e foram premiados em
importantes concursos. Atualmente exportam 70% da produção para França, Brasil,
EUA e China.
Mais informações acesse:
Referências:
“Vinci”: https://www.vinci.com.br/c/tipo-de-uva/torrontes
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/torrontes
“Wine Searcher”:
https://www.wine-searcher.com/regions-cafayate+-+calchaqui+valley