Sempre costumo usar a palavra “celebração” para ilustrar um
momento de degustação. E tenho certeza que essa palavra se adequa ao momento.
Degustar um rótulo que você investiu tempo em escolher e colher informações e
dinheiro torna o momento único, singular, importante. Não é só mais uma
degustação, é sempre A degustação. É um momento a ser valorizado, a ser
celebrado. A palavra surge espontaneamente, por isso a sua importância em tê-la
como parte da definição, das sensações e das experiências de se degustar um
vinho.
Falo sobre celebração, pois a degustação de hoje tem um
caráter de comemoração. Hoje, dia 17 de abril, comemoramos o “Malbec Day”. Eu
tenho minhas controvérsias com relação a dias comemorativos, afinal, algo que é
especial para você tem de ser sempre celebrado. Algumas comemorações soam como
oportunistas, meramente de cunho mercadológico, mas, para este caso, em
especial, a Malbec merece uma celebração à altura pelo conjunto da obra, de sua
história rica que personifica a história de toda uma cultura vitivinícola.
Vou fundamentar o discurso da celebração, mesmo que seja algo
formalizado, instituído, com uma data. A oficialização da corroboração da
importância da Malbec para cada um de nós, enófilos, ávidos pelo vinho.
Lembro-me e, aqui vale um singelo registro de quanto a Malbec foi importante,
sobretudo quando adentrei no universo do vinho.
Eu pouco conhecia sobre propostas de vinho, tão pouco sobre
as características da cada casta, entre outros detalhes básicos para entender o
que determinados rótulos podem entregar para o enófilo. Mas eu tinha a
necessidade, depois de algum tempo degustando vinhos, de alguns rótulos mais
encorpados, mais complexos, que entregassem um pouco mais de “ousadia”, pensava
eu, com talvez um pouco da ingenuidade do início da capacidade sensorial para
os vinhos. Fui aos supermercados em busca de respostas e, claro, de vinhos e
fui recomendado por um gentil funcionário, lembro-me com nitidez, de que a
Malbec se encaixava em meus anseios. Comprei um rótulo que, confesso, não era
tão complexo, mas também não era tão básico, estava no limiar dos dois. A
experiência foi completa e arrebatadora! Precisa repetir a minha experiência e
assim o foi. Foram tantos e tantos Malbecs que a casta se tornou uma espécie de
referência para mim quando se menciona estrutura e complexidade.
Então, o dia 17 de abril precisava ser enaltecido com um
rótulo de Malbec e a taça inundada da tal celebração. O vinho que escolhi,
degustei e gostei vem da emblemática e tradicional região argentina de Mendoza,
e é o Santa Julia Malbec Reserva da safra 2016, da Família Zuccardi. E, já que
falamos do “Malbec Day” e do dia 17 de abril, vamos a história por trás da data
e da celebração.
“Malbec Day’
Comemorado pela primeira vez em 17 de abril de 2011, o Dia
Mundial do Malbec, conhecido como “Malbec World Wine” é uma iniciativa global
criada pela “Wines of Argentina” que busca posicionar o Malbec argentino como
um dos mais importantes do mundo e comemorar o sucesso da indústria vinícola
nacional. Esse evento histórico e cultural que promove, globalmente, contou, na
sua primeira edição, com a participação de mais de 72 eventos, em 45 cidades de
36 países diferentes.
Embora a Malbec tenha conquistado a Argentina foi na França que nasceu. Tem como origem a França, mais especificamente a região sudoeste do país (onde está, por exemplo, a região de Cahors). Essa área, uma pequena cidadela próxima à Bordeaux, por sua vez, é até os dias atuais aquela em que as frutas são mais cultivadas na nação francesa.
Em determinado período histórico, a França passou por alguns
eventos climáticos e biológicos bastante característicos. O primeiro deles foi
a infestação das uvas por um fungo que comumente acomete essas frutas e que fez
com que muitas plantações fossem dizimadas. Depois, o frio extremo que assolou
a Europa fez com o restante delas sofresse consequências irreparáveis na época.
Com isso, ficou bem claro que as uvas Malbec não têm uma resistência muito boa
para climas extremos, sejam eles frios ou quentes. Isso fez com que, pouco a
pouco, ela fosse descartada como uma das uvas indicadas para a produção na
França, mas que se desse muito bem em um território bem distante: a Argentina.
Os primeiros exemplares de vitis vinifera, a uva própria para
produção de vinho, chegaram à Argentina no início do século XVI junto com os
seus colonizadores. No entanto, foi só em 1551 que o cultivo da uva se espalhou
por toda a região. As condições climáticas e o solo dos arredores dos Andes
favoreceram muito a agricultura dos vinhedos e, impulsionada pelos monastérios
que precisam produzir vinho para a celebração das missas.
Junto com a cultura espanhola desembarcou na Argentina uma
forte tradição católica, e a vitivinicultura se beneficiou enormemente de
ambas. No século XIX chegou à região uma nova onda de imigrantes europeus que
trouxeram em suas bagagens novas cepas estrangeiras e muita tradição na
produção de vinhos, como os italianos. Os europeus recém-chegados encontraram
em Los Andes e no Vale de Rio Colorado os locais ideais para começar o seu
próspero cultivo, e ali se estabeleceram. Entre 1850 e 1880 a produção de
vinhos argentinos começou a mudar de forma. Com a integração do país à economia
mundial, a chegada da industrialização e a abertura de múltiplas ferrovias
cortando a região, o que antes era uma agricultura voltada para a produção de
vinhos tomou forma de uma indústria do vinho.
Em 1853 foi criada a Quinta Normal de Agricultura de Mendoza, a primeira escola de agricultura do país, por meio das quais novas técnicas de cultivo de vinhedos foram implementadas na região, como o uso de máquinas e modernas metodologias científicas. O seu fundador foi, claro, um francês, chamado Michel Aimé Pouget, conhecido também por Miguel Amado Pouget. Michel Aimé Pouget ou ,Miguel Amado Pouget nasceu na França em 1821. O engenheiro agrônomo emigrou primeiro para o Chile e depois para Mendoza, na Argentina.
Em 1852, o presidente da Argentina à época, Domingo Faustino
Sarmiento se estabeleceu em Mendoza e propôs ao governador Pedro Pascual Segura
a contratação Pouget. Ele próprio aceitou a proposta e se estabeleceu em
Mendoza, em 1853. Modelada na França, a iniciativa propunha a adição de novas
variedades de uvas como um meio de melhorar a indústria vinícola nacional. Em
17 de abril de 1853, com o apoio do governador de Mendoza, foi apresentado um
projeto ao Legislativo Provincial, com o objetivo de estabelecer uma Escola
Agrícola e Quinta Normal. Este projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados
em 6 de setembro do mesmo ano. Portanto, Pouget plantou em Mendoza, com Justo
Castro, inúmeras variedades de uvas originárias de seu país de origem: entre
elas estava o Malbec. No final do século XIX, com a ajuda de imigrantes
italianos e franceses, a indústria do vinho cresceu exponencialmente e, com
ela, a Malbec, que rapidamente se adaptou aos vários terroirs e se desenvolveu
com resultados ainda melhores do que em sua região de origem. Assim, com o
tempo e com muito trabalho, surgiu como a principal uva da Argentina. Quer saber
mais? Acesse “Malbec Day: História”.
E agora finalmente o vinho!
Na taça se revela um vermelho intenso, brilhante com reflexos
violáceos, com uma abundante formação de lágrimas que mancham e desenham as
paredes da taça.
No nariz explode em aromas de frutas vermelhas e negras, como
groselha, cereja e amora, típico da Malbec e o aporte da madeira entregando
notas de baunilha, especiarias e caramelo.
Na boca é estruturado, volumoso e frutado, tem taninos
presentes, mas aveludados, com acidez equilibrada que traz ao vinho frescor,
sendo fácil de degustar. A madeira se faz presente, mas muito bem integrada ao
vinho, sendo este harmonioso e equilibrado, bem como como um agradável toque de
baunilha, como no aspecto olfativo. Cerca de 50% do vinho passou 10 meses por
barricas de carvalho e os outros 50% em tanques de aço inoxidável,
privilegiando a tipicidade da cepa. Final persistente, longo e frutado.
Celebração, experiências, história, rótulos, tudo se mescla
se resume no prazer pela degustação de um grande Malbec argentino. Todas as
personificações de Malbec, os países, seus terroirs, são válidos, mas não há
como não se render ao Malbec argentino, a verdadeira representação do potente,
estruturado, complexo, simples, frutado Malbec que nós conhecemos e o Santa
Júlia Reserva encarna, com fidelidade, a tipicidade do típico Malbec mendocino:
Frutado, fresco, mas com marcante personalidade e com a opulência de que
esperamos arrebatar as nossas percepções sensoriais. A celebração do Malbec na
taça desafiando a nossa humildade e simplicidade perante a décadas e séculos de
história a serviço do nosso deleite. Que o dia 17 de abril se estenda
eternamente e inunde de celebração as nossas vidas. Tem 13,5% de teor
alcoólico.
Sobre a Bodega Santa Júlia:
Julia é filha única de José Zuccardi. Criada em sua
homenagem, a Santa Julia representa o compromisso da Família Zuccardi em
atingir os mais altos níveis de qualidade, por meio de práticas sustentáveis
que contribuam para o cuidado com o meio ambiente e sejam úteis à comunidade em
que se instalaram.
Em 1950 Alberto Zuccardi começa a fazer experiências com
novos sistemas de irrigação em Mendoza. Em 1963 Ele instala um vinhedo na
região de Maipú para mostrar aos produtores da região a funcionalidade de um
sistema de irrigação criado por ele. Em 1982 decidiu-se ter como objetivo a
produção de castas de alta qualidade. Júlia nasce. Em 1990 as primeiras
exportações da marca Santa Julia acontecem. Ruben Ruffo se junta como enólogo da
Santa Julia e se torna responsável pelo desenvolvimento e crescimento dos
vinhos. No vinhedo Santa Rosas se plantam vinhedos com variedades não
tradicionais na Argentina: Caladoc, Ancellotta, Graciano, Bourbulenc,
Aglianico, Albariño, Falangina, etc.
Em 2001, a Bodega Santa Julia foi a primeira vinícola a abrir
um centro de visitantes com restaurante próprio. Hoje o projeto é dirigido por
Julia Zuccardi. Foi uma década de início de novos projetos. Aos quais as novas
gerações da Família gradualmente se juntaram. O projeto dos espumantes começa a
ser desenvolvido. Um novo desafio que, hoje, acompanha a linha de vinhos. Em
2004, com o objetivo de produzir vinhos da forma mais natural possível,
consegue-se a primeira certificação de vinha orgânica. Em 2013 Duas das
principais vinhas da família Zuccardi são certificadas pela Fair For Life. Isso permite um
desenvolvimento mais justo das atividades socioeconômicas de nossos
trabalhadores.
Mais informações acesse:
Referências:
No link: “Malbec Day: História”