sábado, 14 de maio de 2022

Colnem Costières de Nîmes Syrah e Grenache 2017

 

Mais uma noite de degustação inundada por grandes e especiais novidades! Essas viagens que aliam novas experiências sensoriais e história de fato vêm gerando grandes harmonizações. E dessa vez tantas novidades e euforia veio da França, mais precisamente do Sul da França.

Essa região francesa tem me agradado e muito e não somente pela qualidade dos vinhos que são inquestionáveis, mas pelo custo mais do que atraente aos bolsos: o famoso custo X benefício!

Vinhos maravilhosos e que são capazes de derrubar alguns tabus importantes que vem reinando, até hoje, aqueles discursos de que degustar rótulos franceses excelentes tem de ser os caros, com valores altos. É claro que há as propostas e precisamos identifica-las, entende-las, mas defini-las como “bom” e “ruim” é no mínimo imprudente.

E o vinho de hoje vem de uma região extremamente famosa e tradicional e que poucos rótulos degustei. Lembro-me de ter degustado um rótulo há tanto tempo que já não me recordo de seus detalhes. Era preciso degustar um vinho do Vale do Rhône! Já passou da hora de tê-los em minha “litragem”.

Mas o melhor de degustar um vinho do Rhône é degustar de regiões específicas, de sub-regiões que traz a tipicidade, as nuances mais características de terroirs especiais com um forte apelo regionalista. E além de trazer o Vale do Rhône depois de alguns anos, vem junto a novidade de uma micro região que não conhecia chamada Costières de Nîmes.

E com esse turbilhão de novidades apresento o vinho que degustei e gostei que veio do Vale do Rhône, de Costières de Nîmes, na França, chamado Colnem composto pelas castas Syrah (60%) e Grenache (40%) da safra 2017. E para coroar essas novidades ainda temos o blend, o famoso blend do Sul da França, do Vale do Rhône que traz Syrah, Grenache e geralmente vem a Mourvèdre, conhecida pela sigla “GSM” que também será a minha primeira experiência. Então antes de falar do vinho vamos contar um pouco a história do Vale do Rhône e Costières de Nîmes.

Vale do Rhône

O Vale do Rhône é considerado o elo entre o clima continental e o mediterrâneo, entre as famosas regiões de Borgonha e Provence. Junto com a especificidade do clima, tem também a junção de diferentes solos. Esse conjunto permite que os produtores juntem tradição e originalidade, obtendo vinhos notáveis.

O Rhône está situado no sudeste da França. A região começa logo depois de Beaujolais, um pouco abaixo da famosa Lyon, um grande centro gastronômico do país, e os vinhedos estão situados entre os paralelos 44 e 45 norte. A produção aqui é majoritariamente de vinhos tintos, que representam 86% do total.

A região tem esse nome, pois é literalmente um vale em torno do rio Rhône, que nasce das águas do glaciário derretido no alto dos Alpes Suíços e corre em direção ao Mar Mediterrâneo. O rio desce 1.800m em uma extensão de 813 km e tem um efeito moderador sobre a temperatura da região, ajudando a suavizar as variações térmicas e diminuindo o risco de geadas durante a primavera (já que geadas nessa época podem matar os brotos de uva).

Vale do Rhône

O Rhône Norte

São cerca de 3.240 hectares de vinhedos, sendo que a maioria dos vinhos do Norte provém de denominações classificadas como Cru. Apenas 5% da produção de todo o Rhône sai daqui.

A região tem solo granítico, o que significa riqueza em granito e outros minerais, garantindo certa influência na acidez das uvas, além de maior concentração de luz solar durante o seu crescimento. Uma curiosidade da região é o lugar onde as videiras estão plantadas, perto do rio Rhône e nas encostas ou vales laterais, que proporciona melhor exposição solar apesar do vento Mistral (um vento muito forte que vem do norte), resultando em poucas uvas de altíssima qualidade. Isso acontece porque quando as condições climáticas não são favoráveis, a videira tenta se reproduzir da melhor forma possível. No entanto, devido ao declive e ao solo, é necessário que a colheita das uvas seja realizada de forma manual.

Todas essas condições tornam o norte ideal para o cultivo da casta Syrah, a única variedade tinta autorizada no norte do Rhône. No caso das uvas brancas, temos 3 variedades autorizadas: Viognier, Marsanne e Roussanne. Em algumas denominações essas uvas podem ser utilizadas para elaborar vinhos brancos e, em outras, é permitida a adição de uma pequena porcentagem de Viognier no vinho tinto como forma de aportar aromas e auxiliar na fixação de cor.

Os vinhos tintos da região são secos e bastante tânicos. Tendem a ter cor profunda e apresentar aromas que lembram frutas negras, pimenta preta e flores como violetas. Normalmente são vinhos feitos para envelhecer, e com o passar do tempo adquirem aromas de caça e couro. A maioria dos vinhos brancos da região são feitos no estilo seco também.

O Rhône Sul

O sul começa na cidade de Montélimar e vai até Nîmes. Nessa parte, o Vale começa a alargar e o terreno fica bem mais plano quando comparado ao norte. Os vinhedos começam a se estender para longe do rio também, até cerca de 80km.

Onde se localiza 95% da produção de vinhos do Vale do Rhône, apresenta clima mediterrânico (altas temperaturas e pouca pluviosidade no verão e outono) com influência excessiva do vento Mistral. Em decorrência disso, a plantação é em cortinas de abrigo, que consiste em uma proteção com redes nas videiras contra o vento que vem do norte e arranca a planta da terra. Já o solo é majoritariamente plano e expõe enorme variedade em composição, o que torna possível os cortes complexos presentes na região, com vinhos de mais de treze castas na composição. Uma das mais famosas denominações de origem da região é Châteauneuf-du-Pape.

As videiras costumam ser plantadas sem nenhuma forma de sustentação e são podadas para ficarem baixinhas, próximas ao chão. Isso as ajuda a resistir à força dos ventos Mistral. Essas videiras também precisam que a colheita seja manual, já que a pouca distância do chão não permite o uso de máquinas. Outro fator é que as videiras são mais espaçadas para que não haja competição por água entre as raízes de cada videira.

A uva mais cultivada é a Grenache, pois precisa de muito calor e é resistente a seca e ventos fortes. O vinho produzido por essa casta apresenta sabores condensados de frutas vermelhas, com alta maturação de açúcar e teor alcoólico. A Syrah é comum em vinhedos mais frescos, dá mais força aos taninos e à cor, quando combinada à Mourvèdre.

Mesmo que pequena, também há produção de vinhos brancos no sul do Rhône, cujos melhores se destacam pela textura rica e encorpada, acidez média e alto teor alcoólico, sempre com muito aroma. As principais uvas são Clairette, Bourboulenc e Grenache Blanc.

Denominações de Origem do Rhône

A maioria dos vinhos produzidos no Vale do Rhône são feitos sob a denominação regional de Côtes du Rhône, que abrange tanto as sub-regiões do Norte como do Sul, entretanto, praticamente todo o vinho com essa classificação provém da parte Sul. Isso se deve ao fato de que a maioria dos vinhedos do Norte encontra-se em localizações de prestígio que podem ser denominadas como Crus (um nível de produção com regras mais rígidas). Os rótulos Côtes du Rhône podem ser feitos como tinto, branco ou rosé; também podem ser varietais ou corte entre uvas.

Dentro de Côtes du Rhône temos alguns villages, que são sub-regiões ainda menores. Para poder colocar o nome do Village no rótulo, 100% das uvas devem ser originárias dessa parcela específica. Atualmente, apenas 20 vilarejos são autorizados a colocar o nome no rótulo. Para, além disso, há que se seguir regras de produção mais rígidas e vinhedos com menores rendimentos. Os villages também podem ser tintos, brancos ou rosés; mas, por lei, os vinhos devem ser elaborados a partir de uma mistura de pelo menos 2 uvas, sendo a Grenache a principal tinta.

No topo da hierarquia, com regras muito mais restritas no que diz respeito a plantio e vinificação, estão as denominações classificadas como Cru. No Rhône, temos ao todo 17 denominações nesta categoria, sendo que 8 estão na parte Norte e 9 na parte Sul.

O Vale do Rhône foi alvo de uma praga (a famosa praga Filoxera) que devastou as vinícolas no fim do século XIX. Logo que a região se recuperou por volta de 1900, a produção voltou com imensa força e volume, de forma que surgiram fraudes dos vinhos mais procurados. Com isso, a comunidade vinhateira organizou a “Appelation D’origine”, que consiste em conjuntos de regras certificadas para o cultivo e produção de vinho. A Denominação de Origem obteve tanto sucesso que foi expandido, mais tarde, para o resto do país. Hoje, a França possui cerca de 20 denominações de origem.

Costières de Nîmes

Costières de Nîmes é a designação de Origem Contrôlée (AOC) para um vinho produzido na área entre a antiga cidade de Nîmes e o delta ocidental do Rhône, no departamento francês de Gard.

Anteriormente era parte da região do Languedoc, mas como os vinhos se assemelham aos do Vale do Rhône no que tange ao caráter do que os do Languedoc, agora faz parte da região vinícola do Ródano e é administrado pelo comitê do Vinho do Rhône com sede em Avignon.

Costières de Nîmes entre Rhône e Languedoc

Os vinhos da região são produzidos há mais de dois mil anos e consumidos pelos gregos na época pré-romana, tornando-se uma das vinhas mais antigas da Europa. A área foi habitada por veteranos da campanha de Júlio César no Egito, e a garrafa de Costières de Nîmes traz o símbolo do assentamento romano em Nîmes, um crocodilo acorrentado a uma palmeira. De acordo com as mesas da cozinha do Palais des Papes em Avignon, muitas das cidades do que hoje é a região de Costières de Nîmes eram os principais fornecedores de vinho para os papas naquela época.

Anteriormente conhecido como Costières du Gard, a VDQS, o vinho alcançou o status de AOC em 1986 e foi renomeado Costières de Nîmes em 1989. Em 1998, as organizações de agricultores (sindicatos) solicitaram que as designações fossem anexadas à região vinícola do Rhône, pois seus vinhos refletiam melhor as características da região vinícola do Rhône do que da região do Languedoc em que a região está geograficamente localizada.

A INAO, a autoridade francesa que regula as denominações do país, submete cada denominação a um comitê regional encarregado de aprovar o vinho dessa denominação. Esta lista é um texto legal publicado pelo Ministério da Agricultura francês. A transferência de Costières de Nîmes para o comitê regional do Vale do Rhône foi feita na versão de 19 de julho de 1998, que subsititui a versão de 2004, Costières de Nîmes foi atribuído ao comitê regional Languedoc-Roussillon. O AOC diretamente adjacente a Clairette de Bellegarde permanece registrado como AOC Languedoc.

Entre as baixas colinas rochosas e garrigues que marcam a fronteira do Languedoc com a Provence e as planícies arenosas do delta de Camargue Rhône, o solo é principalmente uma mistura de cascalho redondo (“galets”) semelhante a Châteauneuf-du-pape, e depósitos aluviais de xisto arenoso e vermelho. As profundidades do solo de 3 a 15 metros são as grandes responsáveis pela variação de forças nesta AOC.

O clima é mediterrâneo, semelhante ao do Vale do Rhône, mas caracterizado pela proximidade da costa e pela brisa do mar.

E agora finalmente o vinho!

Na taça entrega um vermelho rubi intenso, brilhante, com reflexos violáceos e lágrimas finas, em média intensidade e que demoram a se dissipar.

No nariz traz aromas intensos de frutas vermelhas maduras onde se destacam morango, framboesas, cerejas, com um toque rústico, com notas de especiarias, como pimenta, além de tabaco e couro.

Na boca é seco, tem média estrutura, mas fácil de degustar. Tem taninos presentes, marcados, mas elegantes, redondos, com uma boa acidez, um agradável picante, álcool em evidência, mas bem integrado, sendo um vinho muito equilibrado, com um final longo e persistente e um retrogosto frutado.

E diante de tanta história que harmoniza com tantas novidades, as experiências sensoriais são garantidas! Todas as nuances que traduzem em terroir, em tipicidade, em apelos regionalistas chegam a nossa taça de forma singular, única. Situações geográficas, o chão, o clima, tudo conspira a favor de um rótulo saboroso, de caráter expressivo, aromático, um vinho austero, mas delicado, contemporâneo. Um vinho do Rhône, mediterrânico, mas que tem história com outra região que amo, aprecio, o Languedoc-Roussillon, que expressa a fidelidade do sul da França. Um vinho carregado de emoção, um vinho especial! Tem 13% de teor alcoólico.

Uma curiosidade sobre o nome do vinho, COLNEM: O rótulo elogia a história excepcional da Costières de Nîmes. COLNEM: Colonia Neumausensis, que em latim significa "Colônia de Nîmes" é a abreviação encontrada nas moedas romanas mais famosas da antiguidade.

Sobre a Vignobles & Compagnie:

Em 1963, graças ao espírito de federação dos viticultores, liderado por Paul Blisson, que deu origem a vinícola, originada a promover vinhos da região do Gard, do Vale de Rhône. A adega, um edifício original inspirado pelo brasileiro Oscar Niemeyer, estava e ainda está localizada em um ponto estratégico de Gard.

A família Merlout investe na organização, isso em 1969. À frente da empresa estava uma mulher, Miss Noble, um fato ousado para a época. Em 1972 a vinícola entra em uma nova era graças a modernização do local e ao grande crescimento econômico também.

Em 1990 o Grupo Taillan assumiu todas as atividades da vinícola, dando início a uma parceria importante com vários produtores locais, trazendo o conceito de regionalismo aos seus rótulos.

Mais informações acesse:

https://vignoblescompagnie.com/en/

Referências:

“Evino Blog”: https://www.evino.com.br/blog/vale-do-rhone-guia-sobre-as-regioes-e-seu-produtores/

“Blog Grand Cru”: https://blog.grandcru.com.br/vinho-sul-franca-vale-rhone-chateauneuf-du-pape-hermitage/

“Nwikiid”: https://nwikiid.cyou/wiki/Costi%C3%A8res_de_N%C3%AEmes_AOC

 

 

 

 

 

 






segunda-feira, 9 de maio de 2022

Frank Tempranillo Rosé 2019

 

Têm castas que já faz parte da nossa vida de enófilo! Aquelas que, apesar de manjadas, tem tradição, se estão nas mentes e taças de muita gente são porque tem história, imponência e respeitabilidade, até aí não é, pelo menos para mim, novidade.

Mas ainda assim, mesmo que com essas castas já tão conhecidas e respeitadas no universo do vinho, são capazes de trazer gratas novidades, experiências surpreendentes.

E hoje, particularmente hoje, as grandes surpresas e experiências sensoriais tomaram de assalto as minhas percepções e sentimentos acerca dessa casta que tenho tanto apreço, tanto carinho e que me entregou momentos sublimes. Falo da Tempranillo.

Tempranillo, como todos são capazes de saber, ganhou prestígio na Espanha, mas ela dá o seu ar da graça em Portugal e recebe outros nomes como Aragonez, no Alentejo e Tinta Roriz no Douro.

Porém mesmo degustando vinhos especiais, sobretudo os espanhóis, da Tempranillo, ainda há espaço para, como disse, novidades, mesmo sendo, para muitos, algo, diria, banal. Mas é aquilo, todo grande momento novo tem de ser vivido plenamente.

E vou contar uma história para ilustrar esse momento de novidade! Sempre quis degustar um Tempranillo rosé, desde que conheci e fiquei sabendo que se faziam Tempranillos no “formato” rosé. Então, por um momento de minha vida, decidi garimpar, buscar rótulos rosés da variedade.

Acessei sites de lojas especializadas, procurei em supermercados, queria degustar um a qualquer custo. Vi alguns rótulos em alguns sites, mas a proposta não estava em consonância com os valores praticados e quando achei um em supermercado famoso em minha região, fiquei receoso em compra-lo. Queria que esse momento fosse especial!

Por um momento dessa trajetória eu desisti de procurar. Mas quando o amigo Luciano, da loja Pemarcano Vinhos, me disse que mandaria, tão gentilmente, tão carinhosamente, alguns rótulos de cortesia, um deles era um Tempranillo rosé! Quando não procurei ele veio até a mim!

E melhor: um Tempranillo rosé brasileiro e melhor ainda: um Tempranillo rosé brasileiro e da região paulista de São Roque. São Roque está figurando de forma intensa e maravilhosa em minhas taças e, mais uma vez, a experiência retomaria com essa tradicional região brasileira de produção de vinhos.

Então sem mais delongas vamos às apresentações do vinho que degustei e gostei que veio, claro, de São Roque e se chama Frank, um rosé da casta Tempranillo da safra 2019. E para a minha alegria eu já havia degustado o Frank Tempranillo 2020 tinto e a experiência foi ótima! Antes de falar do vinho vamos à história de São Roque e a sua importância para a viticultura brasileira.

São Roque: a “terra do vinho”

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Dr. Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Podemos dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um lindo rosado com alguma intensidade, tendendo para o escuro, como uma casca da cebola, mas muito brilhante.

No nariz explodem os aromas de frutas vermelhas frescas, frutas compotadas, que se destacam morango e framboesa, com um delicado floral, de flores vermelhas.

Na boca reproduzem-se as impressões olfativas, com muita fruta, sendo leve, fresco e despretensioso, com algum volume, acidez equilibrada, correta e um curioso toque de especiarias doces. Final médio com retrogosto frutado.

A experiência que, para muitos, pode ser taxada de banal, para mim foi única, incrível, especial. Degustar meu primeiro Tempranillo Rosé foi maravilhoso! Um vinho frutado, alegre, descompromissado, fresco, leve, com uma acidez ótima, mas com um toque marcante, de alguma personalidade, como deve ser a velha e eterna Tempranillo. E que os grandes momentos, por mais simples que sejam, aconteçam, porque são nobres, porque da simplicidade vem a nobreza. Tem 12% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Frank:

Tudo começou há 97 anos com seu pai o Sr. Roque de Oliveira Santos que passou todas as suas experiências e habilidades para o Sr. Frank Vicente dos Santos.

No sitio da sua família deu continuidade no parreiral e no cultivo de uvas e se especializou na vitivinicultura que hoje conta com uma experiência de mais de 60 anos.

Casou-se com a Sra. Ferdinanda, uma imigrante italiana que veio para o Brasil na segunda guerra mundial e teve duas filhas onde tocam seus negócios até hoje.

Em 1965 fundou a marca que levaria seu nome, conhecida por VINHOS FRANK, que com muito trabalho, dedicação e amor tornou-se uma marca muito conhecida em todo Brasil por manter suas qualidades desde o primeiro litro de vinho até hoje.

Hoje a marca conta com 07 linhas de produtos, são elas: Tradicional, Bordô, varietais, frisante, espumante, cooler e suco de uva.

Toda sua produção continua sendo supervisionada e orientada pelo Sr. Frank que hoje tem 95 anos de vida e toma seu vinho todos os dias.

A marca "Vinhos Frank” nos meados de 1990 inaugurou seu restaurante que está sendo um dos principais atrativos, contando com um ótimo cardápio, com muitas variedades de pratos, sendo harmonizados com a linha de vinhos FRANK.

Mais informações acesse:

https://www.vinhosfrank.com/

Referências:

“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135

“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1

“Sites Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque

 

 






domingo, 8 de maio de 2022

Palacio del Conde Gran Reserva Tempranillo e Monastrell 2015

 

Quando buscamos a proposta de vinhos amadeirados quais são os vinhos e os países que vem à mente? Não há como se esquecer dos vinhos do Velho Mundo, sobretudo da Espanha e Itália! As opções são diversas, nas propostas e preços. Claro que os italianos, capitaneados pelos Chiantis, Brunelos e Barolos são mais caros, chegam ao Brasil com valores mais elevados, já os espanhóis trazem consigo algumas opções mais palpáveis para bolsos mais vazios.

Claro que há as regiões badaladas que consequentemente são mais caras, tais como Rioja e Ribera del Duero, por exemplo, mas atualmente há opções ótimas de outras regiões que, a cada dia, vem ganhando notoriedade no Brasil, por exemplo, que trazem também preços, valores mais atrativos, bem como também rótulos atraentes sim.

Cito aqui regiões como Utiel Requena, Valdepeñas, Navarra e a minha mais nova queridinha Castilla La Mancha, são algumas que valem a pena um olhar mais atencioso e carinhoso. Há sim, claro, algumas regiões com produção de grande volume, mas, penso, no ápice de minha simplicidade enófila, que temos de rever conceitos de que vinhos de volume é sinônimo de má qualidade e perceber que as regiões acima mencionadas vem crescendo significativamente na tecnologia de ponta para produção de vinhos e que, há pouco tempo atrás tinha um mercado caseiro e hoje exporta para alguns países, mostrando força e um olhar mais voltado também para a qualidade com vistas a esse investimento para mercados fora de seus domínios.

E com essas opções de vinhos amadeirados, do Velho Mundo que entrega longevidade, capacidade de boa evolução, complexidade e preços atraentes me abriram os olhos e fez com que me interessasse, de forma ávida, admito, por vinhos com essas propostas, por vinhos reserva, gran reserva, os crianzas e que atualmente tem recheado a minha adega como nunca. E pensar que, há alguns anos atrás, eu tinha dificuldade para escolher os vinhos espanhóis.

E hoje decidi desarrolhar um gran reserva de uma região que pouco degustei vinho e que, diante dessa minha nova predileção, viria a calhar. Falo de Valência, uma região, embora tradicional para a produção de vinhos na Espanha, desde tempos imemoriais, não tem a badalação de Rioja e Ribera del Duero. Então já que dizem, e que concordo plenamente, nada mais especial abrir um Gran Reserva espanhol de Valência com as castas mais populares de toda a Espanha.

Quando o vi, em uma das minhas incursões aos mercados, achei demasiadamente barato para a proposta do vinho e, confesso, que me preocupei, com algum receio em compra-lo, mas decidi correr o risco, afinal, comprar risco e aceitar riscos, em algumas situações calculados, claro.

Então sem mais delongas vamos ao vinho que degustei e gostei, e como gostei, uma surpresa estonteante: O nome é Palacio del Conde, um Gran Reserva da região de Valência (DO), composto pelas castas Tempranillo (90%) e Monastrell (10%) da safra 2015. E antes de falar do vinho falemos um pouco de Valência, da Denominação de Origem (DO) de Valência.

Valência (DO)

A produção de vinho no norte da região de Valencia – escrito València na língua local, e também conhecida pelos espanhóis como Levante ou Valenciano – é dominada por antigas áreas de plantações ao redor de Valencia, a terceira maior cidade da Espanha.

Situada no interior da província de Valencia, na zona mais interiorana de Vall d´Albaida, a 80 quilômetros do Mar Mediterrâneo, e com uma altitude média de 600 metros sobre o nível do mar. Esta região do interior do Levante Valenciano possui um clima continental muito especial. Com invernos frios e verões cálidos que se suavizam com o vento que atravessa todo o Vall d´Albaida desde o Mediterrâneo, refrescando todo o vale, e criando assim um microclima ótimo para a viticultura.

 

Valência é uma região que produz vinhos há milhares de anos, segundo arqueólogos. E que, desde 1957, é oficialmente reconhecida e regulada por um conselho constituído formalmente.

Apesar de Valência está na costa leste da Espanha, virada para o Mediterrâneo, poucos vinhedos estão próximos do mar. A maior parte dos vinhedos sofrem influências de clima continental, estando mais próximas do interior.

Na teoria, e segundo a legislação local, cultivadores de Valência podem escolher entre uma longa lista de variedades de uvas autorizadas. Na prática, a maioria prefere plantar as castas Merseguera, Malvasia, Tempranillo, Monastrell e Moscatel. Mas há produtores que produzem outras castas como Bobal, Forcallat, Mandó, as francesas Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Pinot Noir, entre as tintas e as brancas são Macabeo ou Viúra, Pedro Ximenez, Tortosina, Verdil, Sauvignon Blanc e Chardonnay. Os tintos oferecem jovialidade, são muito aromáticos e apresentam um equilíbrio de acidez, maciez e tanicidade, já os brancos oferecem vinhos perfumados, brilhantes e transparentes e os rosés frutados e agradáveis. Vale lembrar que, para a minha alegria, eu degustei um surpreendente e maravilhoso Petit Verdot da igualmente maravilhosa Murviedro, da região de Valência, onde fiz uma resenha que pode ser lida aqui.

São 4 as sub regiões valencianas ou sub-regiões da denominação valenciana:

ü  Alto Turia: com solos arenosos e alta altitudes, entre 700 e 1.100 metros, onde destacam-se os brancos frescos, frutados e aromáticos, produzidos principalmente com as castas Merseguera e Macabeo;

ü  Valentino: a maior das sub-regiões, na parte central de Valência, onde a diversidade de solos e climas reflete-se, também, em variedade de vinhos, tanto tintos como brancos;

ü  Moscatel de Valência: com baixas altitudes e clima quente e ensolarado, oferece um dos vinhos mais conhecidos da região, licoroso, sendo o mais representativo da história dessa denominação;

ü  Clariano: subzona do sul da província, na qual mais perto do mar destacam-se as variedades brancas e a tinta Tintoreira, e o interior é reconhecido pelas tintas Monastrell, Cabernet Sauvignon, Merlot e Tempranillo.

Atualmente são cerca de 50 milhões de garrafas de vinhos valencianos, produzidas a cada ano. Mais de 80 vinícolas e quase 12.000 viticultores estão envolvidos no processo de produção desses vinhos. Suas plantações ocupam 13.000 hectares de vinhedos. E os vinhos são exportados para mais de 100 países, incluindo, felizmente, o Brasil, graças ao porto da cidade. Um acordo formal permite que as bodegas de Valencia comprem vinho da região vizinha Utiel-Requena.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, brilhante, mas que não é escuro e já com discretos tons atijolados, granada, no entorno, com lágrimas finas e lentas.

No nariz traz um aroma de frutas pretas bem maduras, com destaque para ameixa, amora, cereja preta, frutas secas, como avelã, amêndoa, um toque meio rústico, tendo um amadeirado em destaque, graças aos 24 meses de passagem por barricas de carvalho, além da baunilha, um tostado leve e especiarias, corroborando o tabaco, pimenta e pimentão.

Na boca é seco, com médio corpo, alguma estrutura que o torna marcante, cheio e cremoso e alcoólico, mostrando personalidade e certa complexidade, com as notas frutadas e amadeiradas proeminentes, como no aspecto olfativo, com o aporte do chocolate meio amargo, com uma tosta média, taninos presentes, marcados, mas redondos, acidez equilibrada e um final longo e persistente. Apresenta ainda incrível capacidade de evolução, melhorando a cada taça degustada.

Mais uma vez as percepções sensoriais acerca dos espanhóis amadeirados foram as melhores possíveis. E, mais uma vez também, aqueles pequenos e sutis preconceitos que surgem sorrateiros, em nossas mentes, de que vinhos baratos são perigosos, ruins, caiu por terra. Não é regra que vinhos baratos é ruim, como também não deve ser regra que todos os vinhos baratos são bons. É preciso pesquisar, conhecer o vinho, bem como a sua proposta e sempre visitar o site do produtor para se salvaguardar de algumas tristes revelações na degustação e também para ver se tem uma identificação com o que o vinho pode te entregar. E o que mais me surpreende e de que Palacio del Conde foi um vinho na faixa dos R$ 40,00 e que entrega complexidade, uma capacidade de evolução por anos e anos e com qualidade. Ele estava na sua plenitude, com seus 7 anos e ainda tinha muito a oferecer ao longo dos anos. Definitivamente o que reforça tudo isso é, sem dúvida, o blend: a Tempranillo que se dá muito bem com a barrica de carvalho e a Monastrell que dá o aporte das frutas maduras, mesmo que em pequenas proporções. Que a minha viagem aos espanhóis longevos se torne tão longevas que me permita ter experiências sensoriais únicas. Tem 14% de teor alcoólico. 


Sobre as Bodegas Anecoop:

A Anecoop começou a comercializar vinho em 1986. A oferta das adegas associadas, pertencentes às Denominações de Origem de Valência e Navarra, faz da diversidade uma das vantagens competitivas das Bodegas Anecoop.

Isso permite ter vinhos de alto nível, que, combinando tradição e modernidade em um mesmo produto, conseguem atrair e agradar consumidores de mais de 38 países, com uma relação qualidade/preço imbatível.

O desenvolvimento de novos e melhores produtos é essencial para continuar a surpreender o mercado, assim como a implementação de novas variedades e otimização das existentes, com os meios técnicos mais avançados.

Neste sentido, o trabalho conjunto de viticultores, enólogos e técnicos de qualidade é fundamental para atingir os objetivos traçados.

Mais informações acesse:

https://anecoopbodegas.com/

Referências:

“Cataimport”: https://cataimport.com/espanha/valencia/#

“Vinho Virtual”: https://vinhovirtual.com.br/regioes-123-Valencia

“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2016/08/valencia-espanha/

“Tintos & Tantos”: http://www.tintosetantos.com/index.php/denominando/755-valencia#:~:text=Uma%20regi%C3%A3o%20que%20produz%20vinhos,fato%2C%20est%C3%A3o%20pr%C3%B3ximos%20ao%20mar.

 

 




sábado, 7 de maio de 2022

Peruzzo Cabernet Franc 2013

 

Eu estou me reencontrando com o vinho brasileiro! Uma espécie de reconexão ou talvez uma conexão com contornos de novidades mescladas a revelações. Talvez eu não esteja sendo muito claro e girando em devaneios, mas com uma explicação mais calcado em dados concretos, certamente me farei compreender.

O vinho brasileiro foi de suma importância para o meu começo, a minha imersão no universo do vinho! Os meus primeiros rótulos de uvas vitis, as uvas finas, foram brasileiros!

Não posso deixar de negligenciar os vinhos da Miolo, Almadén, antes de se associar ao Grupo Miolo, aos vinhos do Rio Sol entre tantos outros que ajudaram a edificar a minha percepção e amor pela poesia líquida. Mas conforme os anos passando e também com novas descobertas, sobretudo de outros países, eu fui perdendo a conexão com os vinhos brasileiros e passaram a figurar menos na minha adega.

Não era litígio, não era ojeriza, não era medo, preconceito com os vinhos brasileiros, não tinha um motivo forte dessa separação. Não sei dizer o motivo pelo qual essa separação se deu: Um mero distanciamento por conta de novas descobertas e a incapacidade de minha parte em saber diversificar a adega no que tange a castas, propostas e países. Essa é uma forte possibilidade!

Tão forte que, curiosamente, hoje uma das minhas intenções e esforços está se concentrando exatamente na diversidade e, por incrível que pareça, os vinhos brasileiros estão trafegando e se estabelecendo de forma definitiva em minha adega. E junto com essa diversidade vem também o crescimento vertiginoso da qualidade, da tipicidade dos vinhos brasileiros, apesar dos entraves governamentais e burocráticos que assola o mercado do vinho.

E algumas descobertas, de novos produtores, abnegados e que produzem vinhos de autor, de caráter, de expressividade, vem me tomando de assalto, me arrebatando de uma forma incrível, jamais imaginada. Falo da Vinícola Peruzzo que vem produzindo ótimos vinhos na também grandiosa região da Campanha Gaúcha, no Rio Grande do Sul. A Campanha vem crescendo vertiginosamente e fatores como esses está trazendo de volta às minhas taças o vinho brasileiro.

E não foi apenas isso que a Peruzzo, entre outras vinícolas brasileiras, estão me cativando. É a capacidade de produzir vinhos longevos, de vocação de guarda! Sim! Quem esperaria que os vinhos brasileiros tivessem a capacidade para tal? E o meu primeiro contato com a Peruzzo foi um Cabernet Sauvignon da safra 2012 maravilhoso que degustei com 10 anos de safra e que estava vivo, pleno e saboroso. Fiz uma resenha dele que pode ser lida aqui.

E diante disso, animado com os rótulos da Peruzzo, vi que muitas pessoas compartilharam nas redes sociais outro rótulo importante da vinícola também de safra com algum tempo de safra que decidi comprar e hoje será o dia de desarrolhá-lo. O vinho que degustei e gostei veio da grande Campanha Gaúcha, do Brasil, e se chama Peruzzo Cabernet Franc da safra 2013. E com esse aquecimento do vinho brasileiro, não podemos deixar de falar da Campanha Gaúcha e da sua história que reforça o seu atual status de um dos grandes terroirs nacionais.

Campanha Gaúcha

Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí, forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul.

A Campanha Gaúcha se espalha também pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os hermanos do outro lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura de tosquia que ganha novas utilidades.

No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.

As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura brasileira.

Há mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura, a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos no Brasil.

A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.

E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto jornal Correio do Sul de Bagé.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase escuro, porém com entornos já atijolados, meio granada, graças aos nove anos de garrafa, com lágrimas finas e médias.

No nariz traz a característica marcante de frutas vermelhas bem maduras, com destaque para a ameixa, amora, cereja, morango, diria ainda que traz um aroma compotado, como se fora um cesta com muitas frutas reunidas. Tem um toque de especiarias, de ervas, algo de couro, terra, talvez.

Na boca é seco, equilibrado, elegante, macio, mas tem estrutura média, com bom volume de boca, pelo álcool proeminente, mas bem integrado ao conjunto do vinho, com taninos presentes, porém redondos, com uma boa acidez, o que surpreende pelo tempo de safra. Tem um final médio e picante.

Definitivamente o vinho brasileiro retornou à minha vida de enófilo e retornou em grande estilo, ganhou vida novamente em minhas taças e não veio apenas compor adega ou espaço, mas com protagonismo, não por questões ufanistas sem um olhar mais sensível, mas com qualidade, com a certeza de que as regiões brasileiras aptas para a produção de vinhos, não é mera produtora, mas que entrega a tipicidade do vinho brasileiro. Hoje posso dizer com certeza e felicidade de que o vinho brasileiro tem a cara do vinho brasileiro e não cópias de Chile e França. O Peruzzo Cabernet Franc trouxe essa máxima e também de que o vinho brasileiro, mais do que nunca, produzem vinhos longevos, de complexidade, de personalidade, mas que, ao mesmo tempo, é versátil, pois a longevidade traz a experiência, a elegância. Assim é o Peruzzo Cabernet Franc. Tem 13% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Peruzzo:

Motivados por um desejo antigo de produzir vinhos, associado com as oportunidades e perspectivas que a Região da Campanha oferece no mundo dos vinhos, a família Peruzzo, com muito entusiasmo decidiu investir no cultivo de uvas viníferas em sua propriedade localizada no município de Bagé/RS.

As primeiras videiras foram plantadas em 2003, provenientes de mudas importadas de renomados viveiristas da França, Itália e Portugal. A vinícola foi inaugurada em 2008, com um processo de elaboração que incorpora modernas tecnologias.

Sua cave, localizada no subsolo da cantina, garante que os espumantes e vinhos amadureçam sob temperaturas constantes próximas dos 18 a 20º C. Além da produção de Vinhos, a propriedade da família Peruzzo também se dedica a criação de Ovinos e Bovinos.

Com muito entusiasmo, alegria e dedicação, a Vinícola Peruzzo trabalha na arte de criar seus vinhos e espumantes para fazer parte de momentos alegres, descontraídos, únicos e marcantes na vida de seus clientes.

Mais informações acesse:

https://www.vinicolaperuzzo.com.br/ 

Referências:

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA

“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/

 

 

 

 

 

 

 







quarta-feira, 4 de maio de 2022

Capitán Tomás Reserva Malbec e Cabernet Franc 2018

 

Não é apenas de varietais que tenho vivido algumas gratas e animadas surpresas, mas também de alguns cortes, alguns blends muito inusitados e confesso que também é fantástico, sobretudo aqueles assemblages com poucas castas e que tenham percentuais bem próximos umas das outras, pois, a meu ver, conseguimos captar, sentir, perceber as nuances, as características das variedades envolvidas.

E esse rótulo cujo blend me trouxe a novidade que me refiro vem da emblemática e tradicional região argentina de Mendoza e o produtor também tem me atraído o interesse, pois tenho visto em alguns lugares a oferta de seus rótulos e em profusão, diga-se de passagem.

O produtor que me refiro é a vinícola Las Perdices e o blend é o composto pelas castas Malbec e Cabernet Franc. Como de costume falo da história dos produtores ao término deste texto, mas de antemão digo que a Las Perdices vem ganhando mercado, a aceitação dos brasileiros, com vendas satisfatórias e rótulos expostos em redes sociais com linhas comentadas e muito elogiadas pelos enófilos.

Tanto que recentemente degustei o Partridge Reserva Cabernet Sauvignon da safra 2019 e tive ótima impressão do vinho que demonstrou caráter, expressividade e, para quem aprecia as notas amadeiradas, ele é indicado, mas em pleno equilíbrio com as características marcantes da Cabernet Sauvignon.

Mas inusitado também é o blend: Um corte de Malbec e Cabernet Franc é no mínimo uma ode à complexidade. A Malbec, famosa nas terras argentinas, traz a fruta, a estrutura e a Cabernet Franc, a maciez, a elegância e a personalidade. A primeira é tradicional e a segunda vem sendo produzida com qualidade, ganhando literalmente terreno na Argentina. Lembrando que, falando em inusitado, degustei um espanhol com esse mesmo corte, por incrível que pareça chamado Palacio de Treto da safra 2011!

Então sem mais delongas vamos às apresentações do vinho! O vinho que degustei e gostei veio da região de Mendoza, na Argentina, e se chama Capitán Tomás Reserva com o blend das variedades Malbec e Cabernet Franc da safra 2018. E por mais que seja óbvia a origem dos vinhos de Argentina, em Mendoza, convém falar de suas micro-regiões, das suas sub-regiões que entregam diversidade em suas características geográficas, culturais e tudo o mais. O Capitán Tomás Reserva é oriundo da sub-região de Agrelo, que fica em Luján de Cuyo, em Mendoza.

Por mais que possa parecer óbvio falar de Mendoza, convém, entretanto, falar um pouco da história de Agrelo, Luján de Cuyo, cujas uvas foram cultivadas a 1000 metros de altitude. 

Agrelo, Luján de Cuyo, Mendoza

A região de Agrelo é parte do departamento de Luján de Cuyo, Mendoza. Por tradição ali se plantaram sempre uvas rosadas, principalmente a Criolla Grande, utilizada na produção de vinhos simples e suco de uva. Recentemente foram implantados vinhedos de qualidade, principalmente de Malbec e Chardonnay, e modernas técnicas de viticultura e vinicultura deram origem a vinhos de qualidade que demonstram o potencial da região.

A Malbec amadurece pacificamente sob o sol de Agrelo. "Geralmente, a Malbec de Agrelo tem rendimentos entre baixos e médios e produz uvas de cor intensa e maturação muito boa, valores transferidos para o vinho, juntamente com aromas de frutas negras.

A uva mais cultivada é a Malbec a variedade insigne da Argentina. Mas também se obtêm vinhos muito bons de outras variedades tintas, entre as quais a Cabernet Sauvignon, a Merlot, a Pinot Noir, a Bonarda e a Syrah. Nos últimos anos, a Bonarda é a variedade que parece ter mais potencial, com excelentes resultados.

A água de irrigação provém, principalmente, do degelo da Cordilheira dos Andes. Sendo uma água cristalina, pura e rica em minerais. Lujan de Cuyo, com seu clima quente e seco, sua latitude, altitude e amplitude térmica durante o dia, permite elaborar vinhos de grande corpo. Com níveis de álcool marcados e sabores frutais delicados e intensos, que seduzem amplamente o apreciador.

O departamento de Lujan de Cuyo foi instituído em 11 de maio de 1855 sob o nome de Villa de Lujan, durante o governo do General Pedro Pascual Segura, e o município foi criado em 1872. A região é conhecida como a primeira zona dos vinhos argentinos.

Essa denominação não é casual e surgiu do prestígio alcançado por seus vinhos e por possuir a primeira DOC (Denominação de Origem Controlada) da Argentina, desde 2005. Lujan de Cuyo dividiu-se em sub-regiões. Algumas delas já são reconhecidas pelos consumidores em função da qualidade indiscutível de seus vinhos, como por exemplo, Agrelo, Vistalba, Las Compuertas ou Perdriel, entre outras.

E agora finalmente o vinho!

Na taça entrega um vermelho rubi intenso, vívido, brilhante, mas com entornos violáceos, com lágrimas grossas e em média quantidade, que marcam o copo.

No nariz aromas que mostram a vivacidade das frutas vermelhas bem maduras, com notas evidentes da madeira, couro e tabaco, graças aos 12 meses de passagem por barricas de carvalho além de especiarias, com destaque para a pimenta, pimentão verde.

Na boca é seco, traz média estrutura, com bom volume corroborando pelo álcool em evidência, mas sem incomodar e/ou ameaçar o equilíbrio do vinho. Equilíbrio é a tônica do vinho, pois a fruta vermelha madura está em plena sinergia com a madeira que evidente, aporta toques de caramelo, café, torrefação e chocolate. Tem taninos marcados, mas redondos, com acidez média e um bom final.

Mais uma vez, independente de suas micro regiões e micro terroirs, Mendoza sempre entrega prazer, deleite para as nossas experiências sensoriais. Por mais óbvia que seja Mendoza ainda é maravilhosa na produção de grandes vinhos nas suas mais diversas características e propostas e óbvio fica, claro, na massificação da região, por chegar em profusão nas terras brasileiras. Capitán Tomás Reserva é encorpado, marcante, tem o caráter mendocino, mas é frutado, saboroso, fácil de degustar. Tem 14% de teor alcoólico.

Ah vale a curiosidade! Por que o nome do vinho é “Capitán Tomás”? O Capitão Tomás ou Thomas Taylor foi um marinheiro americano que serviu no exército revolucionário argentino de Buenos Aires em 1811.

Sobre a Viña Las Perdices:

Em 1952, Juan Muñoz López decidiu deixar sua cidade natal, Andalucia, no sul da Espanha, e ele e sua família emigraram para Mendoza, na Argentina, a fim de buscar novos horizontes.

Em seguida, já em solo argentino, não pôde deixar de notar as perdizes que vagavam pela terra. Com efeito, um vizinho disse a ele que essas aves geralmente são vistas em grupos de três.

Assim sendo, com o passar dos dias, as perdizes se tornaram as companheiras constantes de Don Juan em seus longos dias de trabalho. Assim, ele decidiu nomear sua vinícola Partridge Vineyard: “Viña las Perdices”.

A adega hoje é uma operação familiar criada por Juan Muñoz López, sua esposa Rosario, seus filhos Nicolas e Carlos e sua filha Estela.

A vinícola, assim, se localiza no sopé da Cordilheira dos Andes a 1.030 metros acima do nível do mar, em Agrelo, Luján de Cuyo – a primeira zona DOC (denominação de origem controlada) argentina. Do mesmo modo, as uvas são provenientes de duas de suas vinhas em Agrelo em Lujan de Cuyo e Barancas em Maipu.

Por fim, hoje Las Perdices continua a ser uma vinícola de pequena produção e com um espírito entusiasmado em apresentar os vinhos finos de Mendoza.

Mais informações acesse:

https://www.lasperdices.com/index.php

Referências:

“Revista Sociedade de Mesa”: https://revista.sociedadedamesa.com.br/2014/06/agrelo-lujan-de-cuyo-mendonza/

“Premium Vinhos”: http://premiumvinhos.com.br/_regiao_olha.php?reg=41

“Artwine”: https://www.artwine.com.br/artigos-e-reportagens/384/mendoza-e-suas-subzonas-a-terra-de-malbec