quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Magna Cabernet Sauvignon (50%), Malbec (40%) e Syrah (10%) 2016

 

Eu nunca entendi o motivo pelo qual eu degustava apenas varietais argentinos! Talvez seja uma informação totalmente irrelevante e até sem sentido, mas observei isso há pouco tempo.

Não era algo intencional, isso eu defendo ardorosamente, talvez uma mera e simples coincidência. Porém passei a degustar alguns, poucos é bem verdade, blends e que me chamaram muito a atenção!

E o mais importante: O Valle de Uco! Ah como essa região, que fica em Mendoza, vem me ganhando a cada dia que passa, a cada experiência, a cada rótulo degustado. E vem ganhando notoriedade, respeito e ela foi “descoberta” apenas nos anos 1990! Pasmem!

E mais um rótulo, mais uma experiência será colocada em taça! A história é viva e latente e a taça cheia traz sempre à tona o Valle de Uco. E o vinho de hoje traz uma vinícola que não degustava há algum tempo e tem a sua história em Mendoza, construindo a sua vitivinicultura: Falo da Família Zuccardi, a vinícola Santa Júlia.

E este rótulo traz um blend sensacional com as castas mais representativas da Argentina, aquelas que fazem sucesso nos terroirs dos Hermanos: Carbernet Sauvignon, a icônica Malbec e a Syrah.

O vinho que degustei e gostei veio do Valle de Uco, em Mendoza, e se chama Magna composta pelas já informadas castas Cabernet Sauvignon (50%), Malbec (40%) e Syrah (10%) da safra 2016. O vinho, no auge dos seus 6 anos de vida teria muitos e muitos anos pela frente, mas está tão elegante, tão macio, tão complexo...

Mas antes de entrar nos detalhes do vinho, vamos, para variar, com as histórias que permeiam o vinho, vamos de Valle de Uco e a sua importância para a Argentina.

Valle de Uco

Foi possível confirmar a presença de aborígenes que povoaram o vale de Uco muitos anos antes de Cristo. Nos petróglifos encontraram seu modo de vida: eram pessoas que se dedicavam à agricultura e à caça de animais, graças aos benefícios que o lugar lhes oferecia.

No século XVI, a chegada dos conquistadores espanhóis das terras chilenas e peruanas marca as primeiras explorações em terras habitadas por dóceis e laboriosas famílias indígenas: os huarpes. Daquela época vem a palavra "Uco", que se refere ao nome do cacique Cuco. Além disso, é traduzido como uma nascente de água, elemento fundamental da região.

Um século depois, os padres jesuítas se estabeleceram no vale. Eles constituíram a primeira cidade organizada e fundaram o Curato de Uco, dando início à evangelização. O general José de San Martín governou Cuyo com sede em Mendoza entre 1814 e 1816, enquanto organizava os preparativos para empreender a travessia dos Andes e libertar o Chile e o Peru.

Em várias ocasiões, ele se encontrou com nativos na área antes da expedição de libertação. Também com o militar argentino Manuel de Olazábal quando retornou à sua terra natal pelo desfiladeiro El Portillo, no que hoje é conhecido como Manzano Histórico.

Jose de San Martin

Por sua vez, a história da viticultura na região tem suas referências. Na década de 1880, Juan Giol, Bautista Gargantini e Pascual Toso chegaram de suas terras europeias e se associaram e se dedicaram à produção de vinhos. Três apelidos famosos que deram origem à San Polo Winery and Vineyards no início dos anos 1930, que tem a honra de ter, até hoje, cinco gerações de enólogos.

Bautista Gargantini

Juan Giol

Pascual Toso

O Vale do Uco foi “descoberto” pela indústria vitivinícola nos anos 1990. Localizado no sudoeste da cidade de Mendoza, bem aos pés dos Andes, seus vinhedos estão plantados em uma zona de clima temperado, com invernos rigorosos e verões quentes com noites frescas. Pode-se dizer que Uco é uma área realmente fria da região de Mendoza – e também de grande amplitude térmica (pode chegar a até 16o C), em parcelas que variam entre 850 e 1.700 metros de altitude.

Os solos são predominantemente pedregosos, com seixos rolados misturados à areia grossa, de boa permeabilidade, boa drenagem e pouco férteis. Em algumas zonas, observa-se argila ou calcário e até áreas com depósitos de cálcio, estas últimas mais raras e valorizadas, e também de onde vêm saindo alguns dos melhores vinhos lá produzidos atualmente. O índice pluviométrico é baixo e a irrigação dos vinhedos é normalmente feita por gotejamento com água de degelo das montanhas.

O Vale estende-se por três departamentos (segundo nível de divisão administrativa nas províncias argentinas): Tupungato, Tunuyán e San Carlos. A altitude e a grande amplitude térmica constante que os três departamentos compartilham exercem influência na qualidade das uvas produzidas, uma vez que torna a fase de amadurecimento da fruta mais longa, permitindo que o caráter varietal de cada cepa cultivada desenvolva-se por completo, ao mesmo tempo em que um teor agradável de acidez seja preservado.

O sucesso do vale é tamanho que, no início da década de 2010, a área de vinhedos plantados chegava a quase 26.000 hectares, praticamente o dobro do que havia no local no início dos anos 2000. O desenvolvimento da região é inconteste, assim como a sua crescente reputação dentro da vitivinicultura argentina, haja vista que um grande número de vinícolas estabelecidas em outras áreas de Mendoza busca adquirir vinhedos no vale e também construir novas plantas na região.

Aproximadamente 75% dos vinhedos são de uvas tintas, especialmente Malbec, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot e Pinot Noir, com destaque para a vedete nacional nos últimos anos, a Cabernet Franc. Dentre as brancas, brilham a Chardonnay, a Sémillon e a Sauvignon Blanc, mas também há vinhos com Viognier e Torrontés.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, quase escuro, com halos granada e com muito brilho, reluzente, com lágrimas finas, lentas e em profusão.

No nariz traz a marcante presença de frutas pretas bem maduras, com destaque para cerejas, amoras e ameixas e da madeira, porém em incrível sinergia, bem integrados, com ambos protagonizando, entregando notas de baunilha, café, torrefação e chocolate, graças aos 10 meses em barricas de carvalho.

Na boca é estruturado, intenso, com alguma robustez, mostrando-se cheio, volumoso, mas ao mesmo tempo se mostra sedoso, elegante e equilibrado. A marcante presença das frutas pretas é evidente, como no aspecto olfativo, com aquele toque amadeirado que proporciona um chocolate, torrefação. Tem taninos presentes, mas domados, acidez média e um final longo e persistente, com retrogosto frutado.

Celebração, experiências, história, rótulos, tudo se mescla e se resumem no prazer pela degustação de um grande rótulo do Valle de Uco, um belo e necessário mendocino. Personalidade, a tipicidade de suas castas que, mesmo em corte, são evidentes, as percepções, as experiências sensoriais ganham relevância, ganham força, ganham vida. Degustar Valle de Uco tem sido uma ode à celebração que, a cada momento, desafia a nossa humildade e simplicidade perante a décadas de história a serviço do nosso deleite líquido, da nossa poesia líquida, o bom e velho vinho. Magna traz tudo isso e reflete na altivez do seu nome a personificação de seu terroir! Grande! Tem 14,3% de teor alcoólico.

Sobre a Bodega Santa Júlia:

Julia é filha única de José Zuccardi. Criada em sua homenagem, a Santa Julia representa o compromisso da Família Zuccardi em atingir os mais altos níveis de qualidade, por meio de práticas sustentáveis​​que contribuam para o cuidado com o meio ambiente e sejam úteis à comunidade em que se instalaram.

Em 1950 Alberto Zuccardi começa a fazer experiências com novos sistemas de irrigação em Mendoza. Em 1963 Ele instala um vinhedo na região de Maipú para mostrar aos produtores da região a funcionalidade de um sistema de irrigação criado por ele. Em 1982 decidiu-se ter como objetivo a produção de castas de alta qualidade. Júlia nasce. Em 1990 as primeiras exportações da marca Santa Julia acontecem. Ruben Ruffo se junta como enólogo da Santa Julia e se torna responsável pelo desenvolvimento e crescimento dos vinhos. No vinhedo Santa Rosas se plantam vinhedos com variedades não tradicionais na Argentina: Caladoc, Ancellotta, Graciano, Bourbulenc, Aglianico, Albariño, Falangina, etc.

Em 2001, a Bodega Santa Julia foi a primeira vinícola a abrir um centro de visitantes com restaurante próprio. Hoje o projeto é dirigido por Julia Zuccardi. Foi uma década de início de novos projetos. Aos quais as novas gerações da Família gradualmente se juntaram. O projeto dos espumantes começa a ser desenvolvido. Um novo desafio que, hoje, acompanha a linha de vinhos. Em 2004, com o objetivo de produzir vinhos da forma mais natural possível, consegue-se a primeira certificação de vinha orgânica. Em 2013 Duas das principais vinhas da família Zuccardi são certificadas pela Fair For Life. Isso permite um desenvolvimento mais justo das atividades socioeconômicas de nossos trabalhadores.

Mais informações acesse:

https://santajulia.com.ar/

Referências:

“Welcome Argentina”: https://www.welcomeargentina.com/valle-de-uco/historia.html

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/conheca-o-vale-do-uco-local-que-reune-grandes-vinhos-argentinos_11401.html

 








segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Querências do Sul Arinarnoa 2020

 

Quando a gente ultrapassa a condição de novidade e se enamora por alguma coisa, quer mais. Ambições à parte, eu prefiro definir como desejo de repetir a dose! E no universo do vinho não é diferente.

Quando degustamos uma casta pela primeira vez, quando desbravamos, em generosas taças, novas regiões, novos terroirs e gostamos, queremos sempre mais, não ficar apenas na estreia.

E lembro que o tema desse texto está girando em torno de uma casta que descobri, quase que despretensiosamente, a pouco tempo, degustando um vinho excepcional, especial. É um arrebatamento singular, mas que entrega múltiplas sensações.

O primeiro contato confesso que, diante da minha magnânima ignorância, pensei se tratar de uma casta tingida pela natureza, mas não, descobri se tratar de uma “casta de laboratório”, como a Pinotage, por exemplo, emblemática cepa da terra de Mandela.

Então o próximo passo, quando a conheci, foi ir mais a fundo, buscar rótulos dessa casta e quem sabe adquirir uns exemplares, afinal a minha caminhada em busca de castas pouco aclamadas precisam ser fomentadas.

Para a minha surpresa e alegria encontrei alguns rótulos brasileiros! Sim! Brasileiros! O nome do vinho: Valdemiz Reserva Arinarnoa 2015! As impressões? A melhor possível! Que vinhaço!

E depois de algum tempo fui convidado por um bom amigo para botar a conversa em dia e degustarmos bons vinhos, em nossa mais nova e aconchegante confraria, quando ele me disse: “Teremos uma surpresa em nossas degustações!”. Aquilo me animou e fiquei, claro, curioso.

Quando em sua casa cheguei e já se preparando para degustar o primeiro rótulo vi, em sua adega, um Arinarnoa e exclamei: Uau, um Arinarnoa! Não é todo dia que vemos um Arinarnoa por aí e ele logo disse: “Essa é a surpresa!”. Não precisarei dizer que fui tomado por uma incontida animação!

Enfim então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio da região de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, Brasil, e se chama Querências do Sul, um 100% Arinarnoa, da safra das safras, 2020. E, para não perder o costume, vamos de história e falar um pouco da importância de Santana do Livramento para o cenário vitivinícola brasileiro e que faz parte da Campanha Gaúcha.

Campanha Gaúcha

Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí, forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul.

A Campanha Gaúcha se espalha também pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os “hermanos” do outro lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura de tosquia que ganha novas utilidades.

Campanha Gaúcha

No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.

As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura brasileira.

A mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura, a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos no Brasil.

A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.

E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto jornal Correio do Sul de Bagé.

IP (Indicação de Procedência) da Campanha Gaúcha

Em 2020 a Campanha Gaúcha ganhou reconhecimento de Indicação de Procedência (IP) para seus vinhos. Aprovada pelo Inpi na modalidade de I.P., a designação vem sendo utilizado pelas vinícolas da região a partir do ano de 2020 para os vinhos finos, tranquilos e espumantes, em garrafa.

A Indicação Geográfica (IG) foi o resultado de mais de 5 anos de pesquisa, discussões e estudos de um grupo interdisciplinar coordenados pela Embrapa Uva e Vinhos do Rio Grande do Sul.

Além disso, os vinhos devem ser elaborados a partir das 36 variedades de vitis viníferas permitidas pelo regulamento, plantadas em sistema de condução em espaldeira e respeitando os limites máximos de produtividade por hectare e os padrões de qualidade das frutas que seguirão para a vinificação. Finalmente, os vinhos precisam ser avaliados e aprovados sensorialmente às cegas por uma comissão de especialistas.

Esta é uma delimitação localizada no bioma Pampa do estado do Rio Grande do Sul, região vitivinícola que começou a se fortalecer na década de 1980, ganhando novo impulso nos anos 2000, com o crescimento do número de produtores de uva e de vinho, expandindo a atividade para diversos municípios da região.

A área geográfica delimitada totaliza 44.365 km2. A IP abrange, em todo ou em parte, 14 municípios da região: Aceguá, Alegrete, Bagé, Barra do Quaraí, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra, Itaqui, Lavras do Sul, Maçambará, Quaraí, Rosário do Sul, Santana do Livramento e Uruguaiana.

A Campanha Gaúcha está situada entre os paralelos 29º e 31º Sul e trata-se de uma zona ensolarada, com as temperaturas mais elevadas e o menor volume de chuvas entre as regiões produtoras do Sul do Brasil.

Ao mesmo tempo, as parreiras – predominantemente plantadas em sistema de espaldeira – foram estabelecidas em grandes extensões de planície (altitude entre 100 e 360 m.) com encostas de baixa declividade, o que favorece a mecanização das colheitas, reduz os custos e potencializa a escala produtiva. Uma característica importante é o solo basáltico e arenoso, com boa drenagem, que somada aos outros fatores propicia a ótima qualidade das uvas.

Esta foi uma conquista para a região, que pode refletir em uma garantia da qualidade de seus produtos. Fica a torcida para que, após muito tempo de consistência de qualidade e de uma real identificação da tipicidade, a Campanha Gaúcha possa ter o reconhecimento de uma Denominação de Origem (DO). Leia aqui na íntegra o regulamento de uso da IP da Campanha Gaúcha.

Santana do Livramento

A Região de Santana do Livramento está localizada no paralelo 31. Uma área de clima temperado, com altas temperaturas no verão e geadas no inverno. Além disso, o dia é marcado pela grande amplitude térmica. Essas características privilegiam a produção vinícola. Isso pode ser também percebido em outros países que estão nessa mesma latitude, como Argentina, Chile, África do Sul e Austrália.

Santana do Livramento

Nessa região gaúcha estão alguns pequenos produtores e vinícolas maiores como Almadén, Salton, Nova Aliança e Cordilheira Santana. Esses locais formam Ferradura dos Vinhedos. Eles podem ser visitados para degustação de vinhos, sucos e uva.

Faz parte da Região da Campanha do Rio Grande do Sul, destacando-se na pecuária (bovinos e ovinos) e na produção de arroz e soja. Mais recentemente, vem ampliando a produção frutífera, com destaque para a vitivinicultura.

Os primeiros ocupantes conhecidos da região do atual município foram os índios charruas e minuanos. Em seguida, vieram jesuítas espanhóis e ao longo do século XIX os imigrantes portugueses e italianos. Em 1810, a instabilidade política que levaria à independência das colônias espanholas na Bacia Platina motivou a vinda de tropas portuguesas para a região, com a finalidade de resguardar a fronteira luso-espanhola.

Essas tropas, comandadas por Diogo de Sousa, conde de Rio Pardo, deram início à atual cidade de Sant'Ana do Livramento, com a construção de uma capela dedicada à santa homônima. A povoação portuguesa permanente da região iniciou-se com a doação de sesmarias feitas pelo Marquês de Alegrete, em 1814. Fundada a cidade em 30 de julho de 1823, foi elevada à categoria de município em 1857, emancipando-se de Alegrete.

Arinarnoa

De acordo com algumas fontes pesquisadas a casta Arinarnoa tem origem no País Basco, não sendo, portanto, francesa, não sendo também espanhola. Como a casta Marselan, que vem fazendo sucesso no Brasil e a Pinotage, a mais famosa cepa sul africana, a Arinarnoa também é um cruzamento entre uvas e que está na lista das novas possíveis queridinhas de Bordeaux.

De acordo com o site “Plantgrape”, que cataloga videiras produzidas na França (leia aqui) o crescimento do cultivo da Arinarnoa vem aumentando exponencialmente desde 1988 que tinha 5 hectares, passando para 155 hectares em 2000, 164 em 2008 e 178 hectares em 2018. Os números não mentem, a Arinarnoa vem ganhando espaço entre os produtores franceses e vem também, consequentemente, tendo uma aceitação do mercado daquele país.

O reforço de que a Arinarnoa vem de Bordeaux é de que a mesma nasceu durante as alquimias de Pierre Marcel Durquéty, que também foi criador da uva Egiodola, que se destaca no Brasil com um rótulo da Vinícola Pizzato, no ano de 1956 no INRA (Institut National de la Recherche Agronomique), que fica em Bordeaux, na França.

Durante muito tempo achava-se que o cruzamento que originou a Arinarnoa era entre a Merlot e a Petit Verdot, porém testes de DNA rechaçaram essa teoria e confirmaram que, na realidade, os pais verdadeiros são as uvas Tannat e Cabernet Sauvignon, o que nos leva a concluir que ela é neta da Cabernet Franc e da Sauvignon Blanc. Em 1980, a variedade foi oficialmente aprovada para ser utilizada nas vinificações. A França é o principal produtor, no Sul do país e norte de Cognac (não, não se produz apenas conhaques na região).

Em idioma basco, um reforço de que a casta pode ser oriunda dessa região, a palavra “arin” significa “leveza”, algo agradável e versátil, já a palavra “arnoa” significa “vinho”, ou seja, o seu autor, juntando as duas palavras quis justamente indicar uma casta que originaria vinhos leves, versáteis e agradáveis.

Inicialmente pensou-se ser cruzamento da Merlot com a Petit Verdot, mas estudos de DNA recentes a veem como o cruzamento entre a Tannat e a Cabernet Sauvignon. Há quem questione essa informação pelo fato da Arinarnoa não ser uma casta leve, ser detentora de taninos firmes e presentes, mas de Tannat e Cabernet Sauvignon.

Por brotar tardiamente, é uma ótima casta para evitar estragos em anos que ocorrem geadas de primavera. Os cachos costumam ser abertos, que é uma vantagem para evitar acúmulo de umidade e, consequentemente, doenças fúngicas. As uvas têm cascas grossas que concentram compostos fenólicos e de cor, então os vinhos costumeiramente são estruturados, possuem taninos firmes, com cor profunda, e há possibilidades de encontrar nuances herbáceas, o que também é de se esperar ao analisar os parentais.

Adaptou-se perfeitamente bem no Uruguai, Chile, Argentina, e, principalmente Brasil. Na região da Campanha Gaúcha há a projeção de que será uma das grandes uvas tintas. Gosta de invernos rigorosos e verões ensolarados, típico do clima continental da região.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um envolvente vermelho rubi intenso, escuro, mas brilhante e quase fechado, com halos violáceos, além de lágrimas fina, intensas e lentas que desenham as bordas do copo.

No nariz mostrou-se intenso, aromático e extremamente complexo com notas de frutas negras maduras, como ameixa, amora, conferindo protagonismo, além de toques de couro, de ervas, aquele agradável toque herbáceo, tabaco, especiarias e café.

Na boca é estruturado, de marcante personalidade, bom volume de boca, untuoso, mostrando-se cheio, quente, mas, por outro lado, apresentou-se redondo, equilibrado e até elegante. Traz taninos envolventes e presentes, acidez equilibrada, com toques de rusticidade, lembrando tabaco, terra molhada. Final persistente.

Para se ter uma noção da importância disso até mesmo em Bordeaux a Arinarnoa tem sido pouco usada, então ver os produtores brasileiros investindo nessa casta é no mínimo digno de orgulho. Mas pelo que pude ler a respeito da casta ela se dá bem em climas de invernos rigorosos e verões ensolarados, típicos das tradicionais regiões gaúchas da Campanha e Serra Gaúcha. E graças ao bom gosto e percepção aguçada de meu bom amigo tive a oportunidade e o prazer de degustar, mais uma vez, um Arinarnoa com carimbo de qualidade, de tipicidade de um terroir brasileiro que, a cada dia, vem ganhando destaque chegando ao mesmo patamar que a sua vizinha Serra Gaúcha. Que venham mais e mais rótulos da excelente Arinarnoa! Tem 14% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Jolimont:

Idealizado por um Francês estabelecido na região em 1948, a Vitivinícola Jolimont é uma das pioneiras no Estado na produção de vinhos finos e artesanais.

Os 27 hectares cultivados estão a 830 metros de altitude, em solos pedregosos e profundos, com uma exposição geográfica privilegiada, do nascente do sol, com incidência de raios solares nas primeiras horas da manhã, até o pôr-do-sol, o que favorece a maturação homogênea dos frutos.

As baixas temperaturas durante o inverno são fundamentais às videiras no período de dormência. As condições meteorológicas do Vale do Morro Calçado exercem influência sobre a produção e a qualidade da uva, em todos os períodos fenológicos da videira, desde o repouso vegetativo, que ocorre durante o inverno, na brotação, floração, frutificação e crescimento das bagas, em meio ao clima ameno da primavera, em sua maturação provinda do calor do verão, até a queda das folhas ocorrida na estação do outono.

Essas condições climáticas, aliadas à topografia montanhosa e ao excelente estado do solo, permitem a maturação perfeita dos frutos, formando o Terroir ideal: um conjunto de fatores que contribui para a elaboração de um vinho raro, de personalidade única. Mais que isso, desse Terroir do Vale do Morro Calçado nasce o segredo da identidade de um vinho nobre, de sensação inexplicável, revelado somente no paladar.

Com a qualidade superior das uvas colhidas e a quantidade limitada de garrafas por safra, a Jolimont se coloca em um grupo seleto, que elabora vinhos artesanais genuínos, puros e de qualidade internacional.

Mais informações acesse:

https://www.vinhosjolimont.com.br/

Referências:

“6 Viajantes”: https://6viajantes.com.br/provando-delicias-na-rota-ferradura-dos-vinhedos-em-santana-do-livramento

“Wikipedia”: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sant%27Ana_do_Livramento

“Plantgrape”: https://plantgrape.plantnet-project.org/en/cepage/Arinarnoa

“Além do Vinho”: https://alemdovinho.wordpress.com/2015/09/17/arinarnoa-uma-grata-surpresa/

“Enocultura”: https://www.enocultura.com.br/cruzamento-entre-uvas-arinarnoa/

“Mondovinho”: http://mondovinho.blogspot.com/2018/02/um-varietal-de-arinarnoa.html

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA

“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/

“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/ciclo-de-crescimento-da-uva/

“Embrapa”: https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil/ig-registrada/campanha-gaucha

“Tudo do Vinho”: https://tudodovinho.wordpress.com/2020/07/14/i-p-campanha-gaucha/

 

 
















sábado, 10 de dezembro de 2022

Governo All' Uso Toscano Loggia dei Sani Sangiovese e Canaiolo 2020

 

Quando você fala ou apenas lembra da Itália, de seus vinhos, qual casta vem à mente? Não há discussões quando a Sangiovese, a velha “Sangue de Júpiter”, é lembrada. É sinônimo de tradição, de história.

A Sangiovese praticamente é cultivada em todas as regiões da Itália, das mais emblemáticas às menos conhecidas. Segue, assume várias encarnações, várias propostas, de vinhos mais leves, de entrada aos mais complexos, longevos.

Os clássicos italianos têm na Sangiovese como a sua principal casta, vide os Chiantis, os Brunellos di Montalcino, por exemplo. Não há como questionar a sua representatividade, como também a sua qualidade, a sua tipicidade, as suas mais marcantes personalidades com um forte apelo regional.

Por que falo, de forma tão ardorosa, da Sangiovese nesse momento? Porque simplesmente vou degusta-la novamente! Gostaria de degustar mais vinhos dessa cepa e oportunidades não faltam, afinal são tantos os rótulos ofertados em nosso mercado. Uma falha, sou réu confesso.

Inclusive tive a alegria, o privilégio de degustar o meu primeiro Chianti, um Riserva, da Famiglia Castellani, da safra 2015, com a predominância da Sangiovese e que experiência única, singular! Quanta elegância e complexidade em um vinho!

E o vinho de hoje também traz alguns contornos especiais, com novidades! E pensar que, diante de uma massiva oferta de rótulos da Sangiovese por aí em nosso mercado, não teriam mais novidades, eis que me surge uma que, no primeiro contato, me pareceu estranho, mas tentador.

O vinho que degustei e gostei veio da icônica Toscana, na Itália, e se chama Governo All’Uso Toscano Loggia Dei Sani Rosso da safra 2019. Mas o que significa “Governo All’Uso”?

"Governo all uso Toscano” é um método similar ao ripasso do Veneto, que consiste numa fermentação secundária do vinho, obtida pela adição de uvas levemente passas. Muito bem feito para o estilo, mostra frutas vermelhas maduras e em compota seguidas de notas florais, terrosas, de ervas secas e de especiarias doces.

E diante dessa apresentação, no mínimo instigante, torna-se um aditivo para a já queridinha Sangiovese e as suas atraentes características, mas antes de falar propriamente do vinho, vamos às histórias da Toscana, uma das mais representativas regiões vinícolas da Itália.

Toscana

A Toscana é uma região, no centro da Itália, rica em história, artes, turismo, uvas, queijos e vinhos. É o sexto produtor italiano de vinhos, com um percentual de DOCs bem acima da média do país: 40%. Tem onze classificados na categoria mais alta (DOCG); e quarenta e um DOC. Destaca-se ainda pela grande quantidade de “vini da tavola” de alto nível.

Toscana

O desenvolvimento desta região está ligado à história da civilização etrusca, aos romanos, ao Renascimento no final da Idade Média, às artes, à cultura, ao turismo e à produção, principalmente, de vinhos. Há registros da civilização etrusca desde 1700 a.C. Eles dominaram toda a Toscana e parte da Úmbria, Lazio, incluindo algumas ilhas no Mediterrâneo, como a Ilha de Elba. Eram muito evoluídos. Foram os primeiros a dominar a extração e utilização do minério de ferro.

A maioria das cidades importantes da Toscana foi construída pelos etruscos. Volterra era a capital, por ter minas de ferro, sal e alabastro. A partir de 283 a.C., aliaram-se aos romanos e com o tempo foram incorporando sua cultura. Estes, por sua vez, aprenderam a dominar a utilização do minério de ferro na construção de armamentos e artefatos de guerra e tornaram-se poderosos. As armas de bronze utilizadas pelas outras civilizações eram mais frágeis e se rompiam nas batalhas.

Durante a aliança, dois generais etruscos comandaram legiões romanas. Aos poucos a civilização etrusca foi sendo absorvida pela cultura romana e desapareceu. O alfabeto, semelhante ao grego, nunca foi decifrado. Sua história ficou sem registros, perdida no tempo, restando os cemitérios, as tumbas, os sarcófagos e museus. Os mais importantes ficam em Chiusi, Cortona e, principalmente, Volterra.

Os etruscos já produziam vinhos quando da aliança com os romanos. Coube a estes incrementar a qualidade. A uva Sangiovese, casta principal dos vinhos da Toscana, talvez tenha sido trazida pelos romanos de suas conquistas no Oriente Médio. Existe uma teoria que tenha sido trazida por Anibal, o Conquistador. O nome Sangiovese foi dado pelos romanos, e significa “sangue de jovem”. Ao espremer as uvas nas mãos acentuava a cor vermelha. Era também chamada de sangue de Júpiter – sangue dos Deuses.

A Sangiovese é o esteio da produção regional e está presente nos vinhos finos da Toscana. É a única uva admitida na produção do Brunello di Montalcino e Rosso di Montalcino, sendo a base da produção dos vinhos Chianti, Montepulciano e a maioria dos vinhos toscanos superiores mais modernos ("Super Toscanos"). Quando usada isoladamente exige muito esforço para produzir um vinho de sabor apurado e consistente. Por esta razão é geralmente misturado a outras uvas viníferas, principalmente a Cabernet Sauvignon.

A uva vinífera Trebbiano forma a base dos vinhos brancos produzidos na Toscana. É cultivada largamente devido a sua grande produtividade e por conservar sua acidez mesmo em regiões quentes. De paladar geralmente neutro, só é utilizada isoladamente na fabricação de vinhos inferiores vendidos em garrafões. De regra, é usada como uma base neutra em conjunto com outras uvas, como a malvasia.

Mais recentemente muitos produtores estão mostrando interesse em outras variedades viníferas como a Chardonnay e a Sauvignon Blanc, especialmente nas áreas mais altas onde a Sangiovese amadurece com dificuldade.

O vinho mais importante produzido na região da Toscana são os populares Chianti e Chianti Clássico. A maioria destes vinhos pertence ao consórcio Clássico e traz o símbolo do gallo nero (galo preto) estampado no rótulo. Este é de produção da tradicional família que carrega o sobrenome Tuscan, ou Toscano.

Uma nova safra de vinhos tintos são os Super Tuscans, que são fabricados seguindo um padrão internacional com a utilização de uvas viníferas francesas como Cabernet Sauvignon e Merlot. Outros importantes vinhos toscanos são Montalcino, Montepulciano, Bolgheri, Carmignano e Maremma. A produção de vinhos brancos é mais concentrada na área de San Gimignano.

Ao sul da Toscana, se produz o tradicional e poderoso Brunello de Montalcino, que, juntamente com o Barolo, é o mais aclamado – e geralmente mais caro – vinho tinto italiano. A região da Toscana onde se produz este vinho é uma das poucas a levar a classificação mais alta na hierarquia das regiões vinícolas italianas – a DOCG (Denominação de Origem Controlada Garantida). O Brunello é produzido com uma única uva, a Sangiovese grosso, um potente clone da Sangiovese.

Como a paisagem da Toscana é ondulada, com muitas colinas, os vinhedos situados nas encostas em pontos relativamente altos fornecem a maioria dos vinhos de qualidade superior da Toscana. Isto porque nestas altitudes há concentração da luz do sol pelo tempo necessário para favorecer o correto amadurecimento das uvas.

Outro fator valorizado pelos produtores é a significativa variação de temperatura entre dia e noite nas zonas mais altas. O clima da Toscana é classificado como mediterrâneo e ali os invernos são rigorosos.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, quase escuro, com halos granadas e lágrimas finas e lentas que mancham o bojo.

No nariz traz aromas de intensidade média com um primeiro ataque de frutas pretas, como ameixas, cerejas pretas, diria sutis aromas de frutas vermelhas, envoltos em um toque floral, de violetas, com especiarias ao fundo, notando-se a pimenta, além de couro, tabaco.

Na boca é seco, de médio corpo a encorpado, com bom volume de boca, alcoólico, mas harmonioso, equilibrado, graças às notas frutadas que protagonizam, com algo terroso. Tem taninos presentes, marcados, boa acidez e um final extremamente prolongado e persistente.

Um roteiro histórico, métodos tradicionais de vinificação, apelos regionais aflorados.... Tudo conspira a favor dessa especial degustação e entrega, além do prazer sensorial, a alegria de viajar pela história por intermédio de generosas taças cheias, a história de séculos, milênios cabem em uma garrafa. Grata experiência de um vinho que, mesmo diante de uma tradicional história da Toscana, ainda é capaz de me proporcionar novidades! Que venham outras e outras pela frente. Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Conti Sani:

A Conti Sani representa a paixão e o profissionalismo com que os seus viticultores cuidam das vinhas e vinhos todos os dias. As uvas produzidas e criteriosamente selecionadas são transportadas para as adegas de última geração para uma produção total de mais de 100 milhões de garrafas por ano. Na Itália, a Conti Sani está entre os líderes em varejo moderno.

A Conti Sani foi fundada em Verona em 1991 a partir da união estratégica de algumas das realidades mais importantes do setor vitivinícola das regiões vinícolas mais conhecidas da Itália.

Até à data, a Conti Sani pode ostentar uma vasta área de produção, uma das maiores do setor vitivinícola, podendo contar com uma área de vinha de: 2.600 hectares na Toscana, 840 hectares no Veneto, 420 hectares na Puglia, 340 hectares na Sicília, 240 hectares no Piemonte, 800 hectares na Emilia Romagna e 200 hectares em Abruzzo.

Mais informações acesse:

https://contisani.it/

Referências:

“ABS-Rio”: https://abs-rio.com.br/src/uploads/2019/05/apostila.pdf

“Wikipedia”: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vinhos_da_Toscana

 

 






sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Miolo Wild Gamay 2022

 

A Miolo, a vinícola brasileira Miolo, definitivamente está na minha história e não digo isso agora, mas há algum tempo e com muito orgulho e alegria. Falo com todo esse entusiasmo porque quando me fiz submeter à transição dos vinhos de mesa, os famosos vinhos coloniais para os vinhos finos, aqueles de uvas vitis viníferas, lá estava o Miolo e seus vinhos para me oferecer seus préstimos.

A Miolo hoje é uma indústria de vinhos e a sua representatividade mercadológica atesta isso e não é demérito para esse grande produtor ser uma indústria, principalmente quando se confirma também quando seus vinhos ainda fazem parte da vida de muitos e muitos enófilos espalhados pelo Brasil e pelo mundo!

E a Miolo ainda tem muito a oferecer, mesmo que ao longo de todo esse tempo em nosso mercado, e muita coisa nova, muitos novos rótulos arrojados que podem trazer grandes novidades, mensagens edificantes e a corroboração da saúde para aqueles que degustam bons vinhos, a qualidade de vida, os fatores sustentáveis!

Por que digo tudo isso? O vinho de hoje, não preciso dizer que é da Miolo, mas, direi mesmo assim, é da Miolo! E falo não apenas com um sentimento saudoso, de nostalgia, mas também com um agradável vislumbre do futuro, da capacidade desta vinícola de oferecer coisas novas, com aqueles rompimentos de paradigmas que só eles são capazes de oferecer.

Não direi que esse vinho só traz novidades para mim, de fato traz sim, muitas novidades, mas nem tanto, nem tanto, até porque já degustei, nos primórdios um vinho deles que hoje assumiu, como disse, alguns novos contornos seguindo, sobretudo, alguns anseios de uma camada socialmente, ambientalmente responsável.

Sem mais delongas, vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio da região brasileira da Campanha Gaúcha, mais precisamente da Campanha Meridional, que, a cada dia, cresce a olhos vistos em qualidade e tipicidade, mais precisamente da Campanha Meridional, dos vinhedos da Seival, e se chama Miolo Wild Gamay da safra 2022.

Quando falei que nem tudo é novidade é porque, em um passado razoavelmente distante, eu degustei, por duas vezes, a versão mais “antiga” do Miolo Gamay que é um dos melhores rótulos brasileiros produzidos por esta emblemática casta que se notabilizou em terras francesas.

Miolo Gamay 2015

E alguns detalhes, antes de entrar na história da Campanha Gaúcha e da Gamay, merecem serem exaltados, detalhes esses que eu mencionei como grandes novidades para mim: O Miolo Wild Gamay foi produzido por intermédio do método ancestral de maceração carbônica de cachos inteiros e a vinificar sem adição de sulfitos e sem adição de leveduras selecionadas, passando a usar leveduras selvagens da uva de Gamay do Seival.

E por ter sido, esse rótulo, em março, aproximadamente, de 2022, pode este vinho, ser considerado o primeiro vinho do mundo a ser lançado no ano de 2022! E de acordo com as palavras do enólogo Adriano Miolo, que produziu este vinho juntamente com Henry Marionnet, reconhecido como o “Papa do Gamay” no mundo, onde disse que “O Miolo Wild Gamay Safra 2022 vai ser a primeira oportunidade que o consumidor terá de degustar a qualidade desta safra. Estamos no meio da colheita deste ano, mas já podemos afirmar que é espetacular e deverá ser mais uma safra lendária para a Miolo, como foi em 2018 e 2020”.

O inverno muito rigoroso e o verão extremamente quente e seco, com temperatura que chegou a 44 graus em janeiro, determinaram a performance das uvas. O frio intenso proporcionou uma brotação uniforme da planta, porém tardia, que também refletiu na maturação tornando a colheita mais tardia do que o usual.

Bem diante dessas credenciais vamos para mais histórias, vamos de Campanha Gaúcha e da história da Gamay.

Campanha Gaúcha

Entre o encontro de rios como Rio Ibicuí e o Rio Quaraí, forma-se o do Rio Uruguai, divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai. Parte da Campanha Gaúcha também recebe corpo hídrico subterrâneo, o Aquífero Guarani representa a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, dele estando 157.600 km2 no Rio grande do Sul.

A Campanha Gaúcha se espalha também pelo Uruguai e pela Argentina garante uma cumplicidade com os “hermanos” do outro lado do Rio Uruguai. Os costumes se assemelham e os elementos locais emprestam rusticidade original: o cabo de osso das facas, o couro nos tapetes, a tesoura de tosquia que ganha novas utilidades.

Campanha Gaúcha

No verão, entre os meses de dezembro a fevereiro, os dias ficam com iluminação solar extensa, contendo praticamente 15 horas diárias de insolação, o que colabora para a rápida maturação das uvas e também ajuda a garantir uma elevada concentração de açúcar, fundamental para a produção de vinhos finos de alta qualidade, complexos e intensos.

As condições climáticas são melhores que as da Serra Gaúcha e tem-se avançado na produção de uvas europeias e vinhos de qualidade. Com o bom clima local, o investimento em tecnologia e a vontade das empresas, a região hoje já produz vinhos de grande qualidade que vêm surpreendendo a vinicultura brasileira.

A mais de 150 anos, antes mesmo da abolição da escravatura, a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul já produzia vinhos de mesa que eram exportados para os países do Prata (Uruguai, Argentina e Paraguai) e vendidos no Brasil.

A primeira vinícola registrada do Brasil ficava na Campanha Gaúcha. Com paredes de barro e telhado de palha, fundada por José Marimon, a vinícola J. Marimon & Filhos iniciou o plantio de seus vinhedos em 1882, na Quinta do Seival, onde hoje fica o município de Candiota.

E o mais interessante é que, desde o início da elaboração de vinhos na região, os vinhos da Campanha Gaúcha comprovam sua qualidade recebendo medalha de ouro, conforme um artigo de fevereiro de 1923, do extinto jornal Correio do Sul de Bagé.

IP (Indicação de Procedência) da Campanha Gaúcha

Em 2020 a Campanha Gaúcha ganhou reconhecimento de Indicação de Procedência (IP) para seus vinhos. Aprovada pelo Inpi na modalidade de I.P., a designação vem sendo utilizado pelas vinícolas da região a partir do ano de 2020 para os vinhos finos, tranquilos e espumantes, em garrafa.

A Indicação Geográfica (IG) foi o resultado de mais de 5 anos de pesquisa, discussões e estudos de um grupo interdisciplinar coordenados pela Embrapa Uva e Vinhos do Rio Grande do Sul.

Além disso, os vinhos devem ser elaborados a partir das 36 variedades de vitis viníferas permitidas pelo regulamento, plantadas em sistema de condução em espaldeira e respeitando os limites máximos de produtividade por hectare e os padrões de qualidade das frutas que seguirão para a vinificação. Finalmente, os vinhos precisam ser avaliados e aprovados sensorialmente às cegas por uma comissão de especialistas.

Esta é uma delimitação localizada no bioma Pampa do estado do Rio Grande do Sul, região vitivinícola que começou a se fortalecer na década de 1980, ganhando novo impulso nos anos 2000, com o crescimento do número de produtores de uva e de vinho, expandindo a atividade para diversos municípios da região.

A área geográfica delimitada totaliza 44.365 km2. A IP abrange, em todo ou em parte, 14 municípios da região: Aceguá, Alegrete, Bagé, Barra do Quaraí, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra, Itaqui, Lavras do Sul, Maçambará, Quaraí, Rosário do Sul, Santana do Livramento e Uruguaiana.

A Campanha Gaúcha está situada entre os paralelos 29º e 31º Sul e trata-se de uma zona ensolarada, com as temperaturas mais elevadas e o menor volume de chuvas entre as regiões produtoras do Sul do Brasil.

Ao mesmo tempo, as parreiras – predominantemente plantadas em sistema de espaldeira – foram estabelecidas em grandes extensões de planície (altitude entre 100 e 360 m.) com encostas de baixa declividade, o que favorece a mecanização das colheitas, reduz os custos e potencializa a escala produtiva. Uma característica importante é o solo basáltico e arenoso, com boa drenagem, que somada aos outros fatores propicia a ótima qualidade das uvas.

Esta foi uma conquista para a região, que pode refletir em uma garantia da qualidade de seus produtos. Fica a torcida para que, após muito tempo de consistência de qualidade e de uma real identificação da tipicidade, a Campanha Gaúcha possa ter o reconhecimento de uma Denominação de Origem (DO). Leia aqui na íntegra o regulamento de uso da IP da Campanha Gaúcha.

Gamay

A Gamay é uma das principais uvas tintas da França, original da região de Beaujolais, sul da Borgonha, e norte das Côtes du Rhône. É responsável única pelo famoso vinho Beaujolais, um vinho leve, brilhante, suave e muito saboroso. Na região vizinha de Mâcon, é usada na elaboração dos Mâcon tintos, mas em combinação com Pinot Noir. Hoje está bem espalhada pelo mundo, onde produz bons varietais, principalmente na Califónia, Brasil, África do Sul e Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Croácia.

Possuindo grande variação de nome pelo mundo, a uva Gamay pode ser encontrada com diferentes denominações reconhecidas pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho. A casta pode ser identificada como Jurançon Noir, Gamay Beaujolais ou Gamay Noir. Possuindo parentesco comprovado com a casta Pinot Noir, a uva Gamay se contrapõe de forma elegante com a prima, disputando o mesmo território. Entretanto, em países como a Suíça, é possível encontrar vinhos onde a Gamay não é vinificada sozinha, como na França, e sim em cortes com a sua parente, a cepa Pinot Noir.

Intimamente ligada aos famosos vinhos tintos franceses Beaujolais, conhecidos por possuírem caráter leve, macio e repletos de aromas de frutas tropicais e refrescante acidez, a uva Gamay costuma brotar e amadurecer de forma precoce, sendo extremamente vigorosa e produtiva. Se espalhando pela Côte d’Or em meados do século XIV, a origem do nome da cepa Gamay provém de uma vila localizada no sul de Beaune, na região de Borgonha na França.

A casta Gamay começou a ser utilizada em vinhos brasileiros na década de 1970, especificamente no Rio Grande do Sul, na região de Viamão, próxima a Porto Alegre, produzindo vinhos bastantes jovens possuidores de excelente sabor.

A composição do solo onde ocorre o cultivo das vinhas de Gamay influencia no tipo de aroma que será adquirido no processo de vinificação. Caso o cultivo ocorra em solos granitados, a casta Gamay propiciará ao vinho aromas de pimenta e framboesa.

Possuindo caráter bastante frutado, a uva Gamay possui excelente estrutura no que se refere a acidez, além de baixa presença de taninos. Os vinhos de caráter e estilo leve elaborados a partir da casta Gamay são ideais para acompanhar pratos que possuam pescados, exaltando os aromas de frutas e refrescante acidez da uva.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um lindo vermelho rubi, com halos violáceos bem brilhantes, com finas e discretas lágrimas que logo se dissipam do copo.

No nariz mostra uma exuberância aromática e muita tipicidade por conta do processo de maceração carbônica, destacando-se as notas frutadas, tais como maçã, cerejas, framboesa, morango, trazendo ao vinho um incrível frescor e delicadeza, corroborados com toques florais.

Na boca é leve, fresco, com algo de despretensioso, sendo muito saboroso e cheio na boca, conferindo-lhe também personalidade. Traz também o protagonismo da fruta vermelha fresca, como no aspecto olfativo. Tem taninos quase que imperceptíveis, ótima acidez e um curioso e agradável toque herbáceo. Final prolongado, longo.

E diante de tantas novidades que esse rótulo me proporcionou, bem como alguns momentos nostálgicos deliciosos, eu percebi hoje, degustando esse belíssimo e solar vinho da Campanha Gaúcha, que a história é viva e latente, não é estática e isso serve, sim, para o universo dos vinhos. Miolo Gamay Wild é assim! É um vinho arrojado, mas que traz as características mais marcantes da cepa é um vinho moderno, mas tradicional. É um vinho especial, frutado, com a cara, com o DNA do Brasil e dos atuais dias quentes que tanto caracteriza o nosso país. Tem 12% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Miolo:

A paixão pelo mundo fascinante do vinho é facilmente explicada pela história da família Miolo que, além de trabalhar na vitivinicultura desde a chegada de Giuseppe no Brasil em 1897, inova ano após ano. Uma das fundadoras do projeto Wines of Brasil, a Miolo Wine Group é a maior exportadora de vinhos do Brasil e a mais reconhecida no mercado internacional. A produção dentre as 4 vinícolas do grupo soma, em média, 10 milhões de litros por ano numa área cultivada de vinhedos próprios com aproximadamente 1.000 hectares.

A Miolo exporta para mais de 30 países de todos os continentes. É o maior exportador de vinhos finos do Brasil. De 30 hectares em 1989, a Miolo cultiva hoje, 30 safras mais tarde, cerca de 950 hectares de vinhedos em quatro terroirs brasileiros: Vale dos Vinhedos (Serra Gaúcha), Seival/Candiota (Campanha Meridional), Almadén/Santana do Livramento (Campanha Central) e Terranova/Casa Nova (Vale do São Francisco), sendo a única empresa do setor genuinamente brasileira com atuação em quatro diferentes regiões produtoras.

Com uma produção anual de cerca de 10 milhões de litros, é a marca que detém o maior portfólio de rótulos verde amarelos, exibindo centenas de prêmios conquistados no mundo inteiro. O pioneirismo na elaboração dos vinhos se estendeu para o enoturismo, onde a marca gera experiência, aproximando e formando novos apreciadores da bebida. Assim é no Vale dos Vinhedos com o Wine Garden Miolo, assim é no Vale do São Francisco com o Vapor do Vinho pelo Velho Chico, onde a Miolo transformou o sertão em vinhedo. Este mesmo espírito empreendedor que fez da pequena vinícola familiar a maior produtora de vinhos finos do Brasil em apenas 30 safras, é que move gerações e aproxima quem sonha de quem quer fazer.

Mais informações acesse:

https://www.miolo.com.br/

Referências:

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=CAMPANHA

“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/campanha-gaucha/

“Vinhos da Campanha”: https://www.vinhosdacampanha.com.br/ciclo-de-crescimento-da-uva/

“Embrapa”: https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil/ig-registrada/campanha-gaucha

“Tudo do Vinho”: https://tudodovinho.wordpress.com/2020/07/14/i-p-campanha-gaucha/

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_ela_uvas_mostra.php?num_uva=13

“Enologuia”: https://enologuia.com.br/uvas/196-uva-gamay-a-pequena-joia-do-beaujolais

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/gamay

“Embalagem Marca”: https://embalagemmarca.com.br/2022/03/miolo-wild-gamay-2022-chega-ao-mercado-ainda-em-marco/