quarta-feira, 15 de julho de 2020

Bobal de SanJuan 2016


Hoje é um dia especial para no meu caminho na degustação de vinhos. Não que o meu caminho de um simples e humilde enófilo não tenha sido especial. Todos os momentos em que enchi a taça, a empunhava e levava à boca foi e é especial. O ritual da degustação é fabuloso! Mas esse dia será especial porque serei submetido a algumas novas experiências. Ah quanto maior o percurso no mundo do vinho, menores são as experiências, afinal o universo é vasto, infinito e inexplorado. E hoje o meu caminho segue um novo curso! Novas castas e regiões viníferas se descortinarão diante de mim, meus sentidos serão impactados com a tal nova experiência. Afinal penso que deve ser assim, o mundo do vinho, quando nele imergimos, exige isso: navegar em novas percepções.

E hoje o vinho que degustei e gostei vem da Espanha, da “nova” casta para o meu paladar, Bobal, de uma nova região para mim também, Utiel-Requena, e se chama Bobal de SanJuan, da safra 2016. A Bobal, apesar de não ser tão popular aqui no Brasil, como a Tempranillo, por exemplo, é a segunda mais produzida e plantada na Espanha, e neste vinho a mesma é proveniente de vinhas velhas, com 60 a 80 anos de idade! E a região, Utiel-Requena, acolhe a casta, sendo esta a mais plantada naquela região. Então nada mais pertinente do que falar sobre a história da casta e da região, antes de mencionar as propriedades organolépticas dessa surpreendente e maravilhoso vinho.

Bobal

As primeiras notícias da Bobal datam do século XIV. Da costa de Valência, esta uva estabeleceu-se com sucesso em outras regiões do interior da Espanha. Lugares como Utiel-Requena, Ribera e Manchuela, todas Denominação de Origem Controlada, tem a Bobal como uma das suas principais variedades, chegando seu cultivo ser quase que majoritário. A Bobal é pouco cultivada fora da Espanha, há plantações dela nas regiões de Languedoc-Roussillon, no sul da França, e da Sardenha, na Itália. Dentro dessas regiões é também conhecida por requena, espagnol, benicarlo, provechón, valenciana, carignan d’espagne, balau, requenera, requeno, valenciana tinta ou bobos. Seu nome é derivado da palavra latina Bovale, que significa touro, e refere-se à semelhança que os seus cachos têm com a cabeça de um touro. 

Bobal

É uma uva de porte médio para grande, com bagos redondos e cheios de sumo; além disso, apresentam quantidade razoável de taninos e sabores de chocolate e frutos secos. Seus cachos, por sua vez, são muito grandes, bem compactados e pesados. Dá-se muito bem com climas mediterrâneos. Elabora diferentes tipos de vinhos, com especial destaque para os vinhos rosés, sempre jovens, com muita cor e com boa acidez; a Bobal ainda é responsável pelos aromas frutados destas bebidas. Os tintos desta uva são pouco alcoólicos, mas muito saborosos, vinhos de coloração cereja escura profunda e boa estrutura de taninos. Por sua versatilidade e acidez adequada, a Bobal pode ainda ser ainda utilizada para produzir espumantes. As peles grossas de Bobal têm uma elevada quantidade de uma substância que dá cor intensa aos vinhos, bem como presenteia a bebida com uma presença importante de taninos finos, esse é um dos motivos que tem dado a esta uva um destaque especial na produção espanhola, principalmente na região de Manchuela, cujo status de Denominação de Origem deu respaldo ao cultivo da Bobal e aos os vinhos elaborados com ela frente ao mercado interno e externo.

Utiel-Requena

Espanha possui a maior área cultivada de Vitis Vinifera do mundo, embora em volume de produção ocupe somente a terceira posição. Trata-se de um amplo território o qual nos presenteia, ano após ano, com vinhos exuberantes e geralmente de bastante personalidade: o emblemático Jerez fortificado da Andaluzia, tintos de Rioja, Priorat e Ribera Del Duero, brancos de Rueda, entre outros. É natural que, entre as 13 macrorregiões a qual está dividida, existam sub-regiões as quais permaneçam relativamente ocultas do grande público, mesmo daquele consumidor habitual de vinhos. Algumas preferem manter o “anonimato”, dedicando sua produção ao consumo regional; outras, porém, dedicam esforços incansáveis no sentido de promover seu terroir, suas cepas endêmicas, a tipicidade de seus vinhos e as melhorias em seu processo produtivo. Este é o caso de Utiel-Requena. Recentemente, foram descobertos registros arqueológicos que comprovam que, desde o século V a.C., era praticada a vitivinicultura na região de Utiel-Requena. Sítios arqueológicos como El Molón, em Camporrobles, Las Pilillas, em Requena e Kelin, em Caudete atestam o passado vinícola da região. Quando do domínio romano sobre a região, estes introduziram novas técnicas de vinificação, propiciando a melhora dos vinhos ali produzidos. Utiel-Requena têm sua história também ligada ao período conhecido como Reconquista: a retomada, a partir do século VIII, do controle europeu dos territórios da Península Ibérica, dominados pelos árabes (mouros) desde o século VI. Muitas das cidades da região foram fundadas e/ou possuem grande influência islâmica em suas construções, bem como vestígios de fortalezas e construções mouras, como a cidade de Chera, por exemplo. Em 1238, a região cai sob o domínio do reino de Castela. No século seguinte, após conflitos envolvendo este reino e seu vizinho, Aragão, ocorre a união entre a rainha Isabel (Castela) e Fernando (Aragão), conhecidos como os Reis Católicos, e, após a conquista dos demais reinos ibéricos por estes (exceto Portugal), constitui-se o Reino da Espanha. Utiel-Requena, consequentemente, torna-se domínio espanhol. Durante o século XIX, eclodem na Espanha as Guerras Carlistas, que dividem a população espanhola entre os partidários do absolutismo e do liberalismo; reflexo de outras manifestações do mesmo cunho ocorridas Europa afora. Utiel (absolutista) e Requena (liberal), assim como as demais cidades da região, assumem posições antagônicas, situação somente resolvida com a conclusão da Primeira Guerra Carlista.

Utiel-Requena

Utiel-Requena localiza-se na porção leste do território espanhol, dentro da província de Valencia. Situa-se numa zona de transição entre a costa mediterrânea e os platôs da região da Mancha. Seus vinhedos localizam-se predominantemente entre os rios Turia e Cabriel. A região possui um dos climas mais severos de toda a Espanha. Os verões costumam ser longos e quentes (máximas por vezes de 40 graus), enquanto os invernos são muito frios, com ocorrência freqüente de geadas e granizo (mínimas podem chegar a -10 graus). No entanto, as vinhas encontram-se adaptadas a tais rigores e oscilações e, como atenuante, sopra do Mar Mediterrâneo o Solano, vento frio que ajuda a suavizar o efeito dos quentes verões da região. O solo possui cor escura, de natureza calcária e pobre em matéria orgânica. Utiel-Requena é uma DOP (Denominación de Origen Protegida – Denominação de Origem Protegida) pertencente a Comunidade Valenciana, a qual possui certa autonomia em relação ao governo central espanhol. Não possui sub-regiões.

Agora o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi escuro com entornos violáceos de um reluzente brilho, com um bom número de lágrimas finas e que leva algum tempo para dissipar das paredes do copo, desenhando-o.

No nariz traz um delicado aroma floral e de frutas vermelhas e negras como morango e cereja.

Na boca é frutado, com um ótimo frescor, mas que revela uma personalidade marcante, com uma boa acidez, taninos sedosos e um final de relativa persistência, um retrogosto frutado.

As novas descobertas me fez rememorar os meus tempos de outrora como um simples enófilo em potencial que logo descobrira o mundo maravilhoso desta bebida e que se viu envolvido e deslumbrado. Essa última palavra define muito bem o sentimento por este rótulo: deslumbrado. Um vinho saboroso, harmonioso, equilibrado, de personalidade marcante e peculiar, mas fácil de degustar e de um belo refinamento. 7% do vinho passou 8 meses por barricas de carvalho, sendo que os 93% restantes estagiou, pelo mesmo período, em tanques de cimento. Essa proposta da passagem por tanques de cimento, contemplada pelo projeto Bobal de SanJuan da vinícola, privilegia as características da cepa, a sua essência, sendo certamente um dos motivos do equilíbrio e harmonia do vinho, com muita drincabilidade, personalidade e simplicidade, a nobreza da simplicidade. E esse equilíbrio e harmonia se deve também as vinhas velhas (60 a 80 anos de idade!) que entregam vinhos mais redondos, sem sombra de dúvida. Um vinho que harmoniza bem com pratos mais simples a elaborados, bem como uma solitária degustação. Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Valsangiacomo:

As origens de Cherubino Valsangiacomo remontam a 1831, na Suíça. Nesse ano, Vittore Valsangiacomo fundou uma vinícola com seu nome em Chiasso, no cantão suíço de Ticino, próximo à fronteira com a Itália. É a primeira vinícola da família. No final do século XIX, seu filho Cherubino Valsangiacomo decidiu abrir uma empresa de exportação de vinhos em Valência e Alicante, atraído pelas condições logísticas de seus portos e pelos excelentes frutos da terra. Cherubino, como seu pai, coloca seu nome nas vinícolas. Em 1890, o negócio se tornou tão importante que Cherubino Valsagiacomo possui várias instalações em Chiva, Requena, Utiel, Monóvar, Yecla e Grao de Valencia, a última sede da empresa até 1997. Nesse ano, Cherubino assumiu um importante compromisso com o futuro. e qualidade e é transferido para Chiva, cujas instalações são providas dos meios apropriados para o tratamento e armazenamento de vinhos a granel e equipadas com uma planta concentrada de produção de suco de uva, aumentando e melhorando a capacidade das instalações. Em 2002, as vinícolas foram ampliadas e modernizadas, criando uma nova planta e uma linha de engarrafamento, que incorporaram as melhores condições e as mais modernas técnicas de controle de qualidade na produção de nossos vinhos. Em 2008, iniciou-se o projeto bobal da SanJuan, com o objetivo de produzir vinhos 100% tintos e rosés a partir de videiras bobal velhas, fermentadas e amadurecidas em tanques de cimento bruto. As antigas instalações da Coop de San Juan adaptam-se à nova maneira de produzir e envelhecer uvas bobal, preservando sempre o valor do cimento bruto. O projeto é concluído com a aquisição de um lote de bobal centenário em um navio de 10 hectares localizado a 750m do nível do mar no município de Requena.

Projeto Bobal de SanJuan

A produção de vinhos de San Juan é baseada no trabalho com a matéria-prima, a uva . O trabalho com os viticultores concentra-se na seleção de vinhedos, estabelecendo as diretrizes que favorecem as características que são posteriormente transmitidas no vinho. As práticas agrícolas tradicionalmente focadas na obtenção de quantidade são modificadas por aquelas que, respeitando a identidade da variedade, favorecem a qualidade, como o equilíbrio do vigor das plantas, a interpretação das características edáficas, genéticas e climatológicas de cada vinhedo como entidade individual. A maturação adequada, marca a entrada do vinho da uva, evitando maturações desnecessárias que prejudicariam o perfil fresco dos vinhos que buscamos. O trabalho na adega, todo em tanques de concreto bruto, baseia-se na preservação das características aromáticas da uva, e na maceração respeitosa durante a fermentação, principalmente com base no delastage e no bombeamento suave, dependendo da uva em cada depósito. Uma pequena quantidade é transferida para litros franceses de 500 litros e o restante do vinho passa por fermentação malolática e subsequente envelhecimento em um tanque de cimento até o engarrafamento, onde aproximadamente uma pequena porcentagem de Bobal com 6 meses de idade é misturada com o vinho e criado em cimento. Atualmente, a quinta geração da família Valsangiacomo é responsável pelo gerenciamento direto da vinícola, mostrando um compromisso com seu futuro e desenvolvimento.

Mais informações acesse:


Fonte para a história da casta Bobal e da Região de Utiel-Requena:





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