É de suma importância termos referência quando o assunto é a
compra de um vinho. Claro que você conhecendo a procedência de uma região, de
um produtor, da história de um rótulo garante a qualidade de um vinho e o
retorno deste a nós enófilos. Mas, não querendo cair na contradição ou gerar
polêmicas sem nenhuma estrutura argumentativa, parto do pressuposto de que
escolher vinho, tomar a decisão da compra de um rótulo, é correr, assumir
riscos e, se você quer sair da zona de conforto, o risco precisa ser colocado
em pauta nesses momentos. Talvez essa afirmação ganhe suporte no me atual
estado de espírito que é a busca por novos rótulos, a descoberta de novos
terroirs, de novas regiões, de novas castas, de novos e pouco conhecidos
produtores, pois a partir daí podemos nos dar o luxo de ter novas experiências
sensoriais, afinal, o garimpo e a viagem a um universo, ainda inexplorado, logo
vasto, do vinho, temos de nos dar o luxo de nos arriscar, mas com método, com
toda a prudência de que podemos dispor.
E neste último dia do terrível e difícil ano de 2020, nada
mais importante para qualquer enófilo do que degustar um vinho especial,
relevante, consistente para saciar o nosso prazer e alimentar a alma, trazendo
a tranquilidade e a força necessária para continuar seguindo com força e
disposição nos dias que seguirão pela frente. Um vinho que costumo chamar e me
permitem “roubar” um termo inerente ao Rock n’ Roll, outro amor de minha vida,
de “underground”, ou seja, um vinho pouco conhecido, um vinho pouco badalado,
porém cheio de novidades para o meu caminho de aprendizado no mundo maravilhoso
do vinho. Um vinho inusitado em alguns aspectos que definitivamente me fez
olhar com olhos ávidos de interesse em degusta-lo.
Um vinho como tem de ser: poderoso, estruturado, complexo,
que inspira que traz todos os conceitos atrelados, é claro, às características
do vinho, mas também ao estado de alma, da força, da resistência humana aos
revezes da vida. O último vinho que degustei e gostei do ano de 2020 vem de uma
região da Espanha conhecida por abrigar as histórias do personagem icônico de
Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha, que Castilla La Mancha, e se
chama Palacio de Treto, com um inusitado, para mim, corte de castas oriundas da
França, Malbec e Cabernet Franc, da safra 2011.
E nada mais inspirador, já que estamos falando de superação, disposição e resistência aos obstáculos difíceis da vida, do que mencionar Dom Quixote que lutou contra os moinhos de vento que, nas entrelinhas revela a capacidade humana de superar os desafios e lutar destemidamente contra eles sem esmorecer. E o produtor, por uma grata coincidência, a Pago Casa del Blanco, usa o personagem da terra para enaltecer seus rótulos. E já que falei de Castilla La Mancha, nada mais prudente e necessário falar sobre essa região que, apesar de não ter tanto sucesso como Rioja, por exemplo, é uma das mais importantes, por corresponder pelo menos 50% da produção vitivinícola da Espanha.
Castilla La Mancha, a terra de Dom Quitoxe e os seus Moinhos de Vento
Bem ao centro da Espanha, país com a maior área de vinhas
plantadas em todo o mundo e o terceiro maior mercado produtor de vinhos, está
localizada a região vitivinícola de Castilla La Mancha. Um território com
grande extensão de terra quase que completamente plana, sem grandes
elevações. É nessa macrorregião que se
origina quase 50% do total de litros de vinho produzidos anualmente na Espanha.
“Em um lugar em La
Mancha, cujo nome eu não quero lembrar, existiu há não muito tempo um
cavaleiro, do tipo que mantinha uma lança nunca usada, um escudo velho, um
galgo para corridas e um cavalo velho e magro”.
“Dom Quixote de La
Mancha ou o Cavaleiro da triste figura” de Miguel de Cervantes.
O nome “La Mancha” tem origem na expressão “Mantxa” que em
árabe significa “terra seca”, o que de fato caracteriza a região. Neste
território, o clima continental ao extremo provoca grandes diferenças de
temperaturas entre verão e inverno. Nos dias quentes de verão os termômetros
podem alcançar os 45°C, enquanto nas noites rigorosas de frio intenso do
inverno, as temperaturas negativas podem chegar a até -15°C. A irrigação
torna-se muitas vezes essencial: além do baixo índice pluviométrico devido ao
caráter continental e mediterrâneo do clima, o local se torna ainda mais seco
graças ao seu microclima, que impede a entrada de correntes marítimas úmidas. A
ocorrência de sol por ano é de aproximadamente 3.000 horas. Esta macrorregião é
composta por várias regiões menores, incluindo sete “Denominações de Origem”,
das quais se pode destacar La Mancha e Valdepeñenas.
La Mancha: é a principal região dentre elas, sendo
considerada a maior DO da Espanha e a mais extensa zona vinícola do mundo. O território abrange 182 municípios, distribuídos
em quatro províncias: Albacete, Ciudad Real, Cuenca e Toledo. As principais
uvas produzidas naquele solo são a uva branca Airen e a popular tinta espanhola
Tempranillo, também conhecida localmente como Cencibel.
Valdepeñenas: localizada mais ao sul, mas com as mesmas
condições climáticas, tem construído sua boa reputação graças à produção de
vinhos de grande qualidade, normalmente varietais da uva Tempranillo ou blends
desta com castas internacionais.
A DO La Mancha conta mais de 164.000 hectares de vinhedos
plantados. Com isso, é a maior Denominação de Origem do país e a maior área
vitivinícola contínua do mundo, abrangendo 182 municípios, divididos em quatro
províncias: Albacete, Ciudad Real, Cuenca e Toledo.
As castas mais cultivadas em Castilla de La Mancha são:
Airén, Viúra, Sauvignon Blanc e Chardonnay entre as brancas e as tintas são:
Tempranillo, Syrah, Cabernet Sauvignon, Merlot e Grenache.
Classificação dos rótulos da DO de Castilla La Mancha:
Jóven: Categoria mais básica, sem passagem por madeira, para
ser consumido preferencialmente no mesmo ano da colheita.
Tradicional: Sem passagem por madeira, porém com mais
estrutura do que o Jóven.
Envelhecimento em barris de carvalho: Envelhecimento mínimo
de 90 dias em barris de carvalho.
Crianza: Envelhecimento natural de dois anos, sendo, pelo
menos, seis meses em barris de carvalho.
Reserva: Envelhecimento de, no mínimo, 12 meses em barris de
carvalho e 24 meses em garrafa.
Gran Reserva: Envelhecimento de, no mínimo, 18 meses em
barris de carvalho e 42 meses em garrafa.
Espumante: Produzidos a partir do método tradicional (segunda
fermentação em garrafa), com no mínimo nove meses de autólise.
E agora o vinho!
Na taça tem um lindo e imponente vermelho rubi intenso,
escuro e muito brilhante, mostrando vivacidade, com lágrimas finas e
abundantes, teimando em se dissipar das paredes da taça.
No nariz uma explosão de frutas negras tais como amora,
ameixa, groselha negra, com notas evidentes de especiarias, um toque herbáceo e
terroso.
Na boca é seco, encorpado, estruturado, se reproduz as notas
frutadas, com taninos presentes, gulosos e envolventes, mas redondo, com uma
boa acidez, revelando que o vinho, apesar de quase 10 anos de vida, está vivo,
com frescor e pleno. Tem um final persistente e frutado.
Palacio de Treto definitivamente traz toda a aura do velho
cavaleiro Dom Quixote, com a sua inspiração, a síntese da persistência e força,
mesmo diante das adversidades e obstáculos que são impostos diante de nós. Um
vinho estruturado, persistente, de grande personalidade e complexidade, diante
dos seus quase 10 anos de vida, mostrando-se ainda pleno e cheio de vida, com
muita fruta no aroma e no paladar. Que o inusitado traga a nossa vida grandes
novidades, que traga grandes e expressivas experiências sensoriais, que nos revele
o quão vasto é o universo do vinho em todas as suas nuances. Que o ano vindouro
traga novos rótulos, novas experiências e muito aprendizado que só a nossa
nobre poesia líquida pode nos proporcionar. Tem 14% de teor alcoólico muito bem
integrado ao conjunto do vinho, sendo seu alto percentual quase que
imperceptível. Harmonizou maravilhosamente com um churrasco tradicional.
Sobre a Pago Casa del Blanco:
Pago Casa del Blanco é uma vinícola de propriedade familiar,
com mais de 150 anos de história e uma tradição vitivinícola, embora breve, mas
intensamente ativa, que em 2010 conseguiu alcançar a mais alta categoria na
classificação de vinhos: a Denominação de Origem Protegida Pago Casa del
Blanco. A certificação “Vinos de Pago” exige um esforço considerável e
conformidade com alguns regulamentos de qualidade muito rigorosos, mas ratifica
e garante a singularidade e a personalidade dos vinhos originários e produzidos
em um terroir único e exclusivo. Os 150 hectares de vinhedos próprios estão
localizados na área municipal de Manzanares (Ciudad Real) e desfrutam de um
microclima e dos benefícios de um solo muito específico, assim como uma
característica incomum: uma concentração de lítio, um oligoelemento com
propriedades que melhorar o sistema imunológico, mais do que o normal, que é
transferido para os vinhos. Assim sendo, a equipe do Pago Casa Blanco é
composta por vários profissionais e familiares, incluindo Antonio Merino como
enólogo, e é chefiada por Joaquín Sánchez. Mostrando dessa forma um grande
respeito ao meio ambiente, cultivam as variedades brancas Sauvignon Blanc,
Chardonnay, Moscatel de Grano Menudo (Muscat Blanc à Petits Grains) e Airén; e
os vermelhos, Tempranillo, Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Petit Verdot, Malbec,
Cabernet Franc e Garnacha. A vinícola, enfim, de design e construção próprios e
completamente integrados ao ambiente natural, foi equipada com a mais moderna
tecnologia que combina perfeitamente com a tradição e, após um paciente e
repouso prolongado, os vinhos são produzidos sob a denominação de suas três
marcas: Quixote e Lítio para tintos e Castillo de Pilas Bonas para brancos.
Mais informações acesse:
http://pagocasadelblanco.com/index_es.htm
Referências de pesquisa:
Revista Adega: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinhos-dos-moinhos_4580.html
Blog “VinhoSite”: http://blog.vinhosite.com.br/la-mancha-maior-regiao-produtora-vinhos-espanha/
Center Gourmet: https://centergourmet.com.br/palacio-de-treto-malbec-cabernet-franc-2011/