Sabe aquela frase famosa no universo do vinho: “Vinho quanto
mais velho melhor”? Por algum tempo esse termo era entoado como um mantra por
muitos enófilos espalhados por aí, tido como absoluta verdade. Mas é claro que,
com o esclarecimento e alguns tabus esse termo, por muitos, caiu por terra. É
evidente que nem todo vinho velho é bom, afinal muitos vinhos que estão
disponíveis nos supermercados, nas lojas especializadas, entre outros pontos de
compra, são feitos para serem consumidos jovens. Vinhos diretos para um mercado
ávido por degustar logo suas aquisições viníferas. O percentual de vinhos de
potencial de guarda é muito pequeno, mas que dá conta com um nicho muito
interessados em degustar vinhos com essa proposta: vinhos evoluídos, com
complexidade em aromas, vinhos com estrutura e maciez graças ao tempo. Quando
comecei a degustar vinhos eu não tinha muito interesse em vinhos de guarda, com
vocação para guarda, mas, ao longo do tempo, fui, aos poucos, me interessando,
mas não foi nada programado, sequer comecei a pesquisar sobre esses vinhos,
mas, na realidade, um vinho com essa proposta chegou às minhas mãos, quase que
ocasionalmente.
O vinho, um Syrah que veio da emblemática região de Mendoza, chegou
em minhas mãos após uma escolha pela casta, a qual sou grande apreciador e
porque era o meu primeiro rótulo da casta Syrah oriundo da terra dos nossos
hermanos. A safra era o menos importante para mim. O comprei e deixei na adega
por mais dois anos! Até que no ano de 2017, perto do natal, decidi tirar a sua
rolha e servir a minha taça. Depois que eu me dei conta de que se tratava de um
vinho com seus 6 anos de vida, pouco tempo, é bem verdade, mas que para um
mercado que é abastecido por vinhos que tem potencial de guarda de 3 ou 4 anos,
6 anos é um tempo demasiado longo. Mas o tempo foi o menos importante, mas o
quanto ele poderia ter ainda de vida se eu optasse por mantê-lo guardado, isso
que me fascinou nesse vinho. Mas disso falarei logo, pois preciso apresentá-lo:
O vinho, ou melhor, o vinhaço que degustei e gostei veio, como disse de
Mendoza, da casta Syrah, e se chama Terraza de los Andes, da safra 2011. E já
que falei da minha predileção pela Syrah, falemos um pouco da história da casta
e a sua fama pelo mundo, inclusive na Argentina, que é muito bem cultivada.
A Syrah pelo mundo
No século XIII, o cavaleiro Gaspard de Stérimberg, retornou
das Cruzadas e estabeleceu-se ao sul da cidade de Lyon, perto do entroncamento
dos rios Rhône e Isère. Lá, ergueu uma capela para São Cristóvão e viveu como
ermitão, isolado do mundo. Acredita-se que ele ou talvez outros cruzados, ao
retornarem para a França depois das batalhas no Oriente Médio, teriam trazido
consigo mudas de vinhas da cidade de Shiraz (ou Chiraz), na Pérsia, então um
importante centro comercial da antiguidade. Outra lenda dá conta de que os
imigrantes gregos da cidade de Foceia (atualmente Foça, na Turquia) teriam
criado relações comerciais no Mediterrâneo e também fundado portos e cidades,
entre elas Massalia (Marselha). Assim, eles teriam trazido as mudas adquiridas
em Shiraz, na Pérsia, e as implantado na região ainda no século VI a.C. Há
chances ainda de a variedade ter sido originada no mar Egeu, numa das ilhas
gregas das Cíclades chamada Siro (ou Syra). No entanto, alguns acreditam que a
origem da uva Syrah no Rhône é ainda anterior, remontando a 310 a.C. Na época,
Agathocles, tirano que reinava na ilha siciliana de Siracusa (Syracusa) teria
trazido consigo mudas de vinhas quando esteve no Egito. Da ilha, as vinhas
teriam se espalhado pelo sul da França. Outros ainda cogitam a ideia de que,
nos primeiros anos depois de Cristo, Plínio, o Velho, filósofo e naturalista
romano, teria descrito a variedade Syriaca, uma versão escura da uva Aminea,
que crescia na Síria, como uma ancestral da Syrah. Há quem sugira que São
Patrício, patrono da Irlanda, foi quem plantou as primeiras mudas de Syrah no
Rhône quando fazia seu trajeto para a abadia de Lérins, na ilha de Saint-Honorat,
perto de Cannes. Já os viticultores albaneses creem que a Syrah tenha se originado
em suas terras. Lá, cresce uma variedade tinta chamada Serina e Zezë e outra
dita Shesh i zi, que teriam parentesco com a Syrah. Sérine, por sinal, é um dos
nomes pela qual a variedade é conhecida. E então? Qual hipótese você acha mais
plausível para o surgimento da Syrah e sua instalação no Rhône? A mais aceita,
entretanto, estão mesmo diretamente ligadas ao norte do vale do rio Rhône, mais
especificamente na área ao norte do rio Isère e à leste do Rhône, até o lago de
Genebra, entre a França e a Suíça, no departamento de Isère. Essa hipótese foi
levantada devido a uma análise de DNA feita em 1998 pela UC Davis e pelo INRA
(instituto de pesquisas agronômicas) em Montpellier, no sul da França. O
levantamento surpreendeu os cientistas e mostrou que a Syrah é um cruzamento
natural entre a Mondeuse Blanche, branca, e a Dureza, tinta. A Mondeuse,
natural da região de Savóia, próxima ao Rhône, costumava ser cultivada também
em Ain e Isère. A Dureza, natural de Ardèche, logo a oeste do rio Rhône,
costumava ser cultivada em Drôme e também em Isère. Portanto, os ampelógrafos
concluíram que o nascimento da Syrah deve ter se dado em um local em que essas
duas variedades eram plantadas, portanto, mais provavelmente em Isère por volta
do século XII. A data, porém, pode ser anterior, já que alguns estudiosos acham
que a Syrah pode ter sido citada pelos primeiros naturalistas romanos como
Columella e Plínio, o Velho, no século I da era cristã. A Syrah, por sinal,
possui diversos nomes e não apenas a sua variação mais comum Shiraz, que ficou
famosa devido ao boom dos vinhos australianos. Aliás, até mesmo na Austrália
ela possui ainda outro nome e pode ser chamada de Hermitage. Mas, suas
variações mais comuns são: Sira, Sirac, Sirah, Syra, Syrac, além de, como já
foi visto, Sérine, que também apresenta diversas possibilidades como: Sérène,
Serine e Serinne. Ela também pode ser chamada de Petite Sirrah (não confundir
com Petite Sirah, que é outra casta), Candive e Marsanne Noire.
A França é o maior e mais tradicional produtor de Syrah, com
grande concentração no vale do rio Rhône. Com clima mediterrâneo e solo rico,
este é o território com a mais antiga produção de vinhos do país. Em segundo
lugar entre os grandes produtores está a Austrália. Nesse país, seu cultivo é
datado desde o século XIX e lá a uva se adaptou tão bem que os australianos se
sentiram à vontade para mudar seu nome para Shiraz, podendo chamá-la também de
Hermitage. Foi da Austrália que, a partir da década de 1980, essa uva começou a
chamar atenção do resto do mundo e seus vinhos experimentaram uma popularidade
crescente, nunca vista anteriormente. Lá, são elaborados alguns dos vinhos mais
apreciados, conhecidos e contemplados do mundo, principalmente nas regiões de
Hunter Valley, Barossa Valley, Margaret River e McLaren Vale. Outros países que
se destacam no cultivo dessa casta são Espanha, Argentina, África do Sul,
Estados Unidos, Itália, Portugal e Chile. E o Brasil também não fica de fora
desse mercado. Aqui já existem alguns bons exemplares de cultivo da uva Syrah
no Rio Grande do Sul, no Vale do São Francisco, em Minas Gerais e no estado de
São Paulo.
E agora finalmente o vinho!
Na taça tem um impenetrável vermelho rubi, escuro e intenso e
ainda reluzente, brilhante, mostrando vivacidade, com abundantes lágrimas finas
e que teimavam em se dissipar das paredes do copo.
No nariz uma explosão aromática complexa de frutas negras e
especiarias e bem amadeirado, devido a passagem de 12 a 14 meses de passagem
por barricas de carvalho.
Na boca é estruturado, potente, mas, ao mesmo tempo se
mostrou equilibrado, elegante e macio, diria até fácil de degustar. É frutado,
tem taninos presentes, gulosos, mas domados, certamente pelos 6 anos de safra,
com aquele picante característico da Syrah, com acidez média para alta,
mantendo ainda um frescor e diria jovialidade do vinho, com o toque de
torrefação, de tosta e a madeira bem anunciada, mas que não sobressai, em
momento algum, as características da cepa. Um final persistente, com retrogosto
frutado.
O Terraza de los Andes é um vinho de altitude. O Terraza de
los Andes Syrah foi cultivado a 800m acima do nível do mar, o que colabora para
a sua complexidade. E esse termo define bem o rótulo: complexo. Um vinho
potente e que, com seus 6 anos de safra, mostrava-se pleno, vivo e intenso, no
seu mais perfeito auge para degustação. Sem sombra de dúvida o Terraza de los
Andes Syrah ainda tinha muito mais a oferecer com muito mais tempo de guarda. O
vinho tinha vocação de guarda. Foi com esse vinho que eu passei a enveredar
para esse assunto dos vinhos evoluídos, de guarda e que fez me interessar mais
e mais por eles. Então vida longa e próspera as nossas degustações. Tem 14% de
teor alcoólico muito bem integrado ao conjunto do vinho.
Sobre a Terraza de los Andes:
Ao fim da década de 1950, Möet-Chandon, empresa do grupo LVMH
buscou na América Latina um local para produção de vinhos de alta qualidade
internacional. Fascinados com Mendoza e seu potencial compraram e reformaram
uma antiga vinícola em estilo espanhol, construída em 1.898. Sabe-se que a
temperatura média baixa quase um grau a cada 100 m de altura, mas Terrazas de
los Andes foi a primeira vinícola argentina a conhecer e aplicar a altitude ideal
para o cultivo de cada casta, isso no ano de 1999, quando foi fundada na região
de Perdriel, na província de Mendoza. Isto marca seus vinhos de destacada
tipicidade varietal: Syrah 800 m, Cabernet Sauvignon 980 m, Merlot 1.000 m,
Malbec 1.067 m, Petit Manseng 1.150 m e Chardonnay 1.200 m. Além de sua linha
top Single Vineyard, que apresenta grande complexidade, concentração e
persistência, o grupo foi um passo adiante inaugurando uma joint-venture com o
Premier Grand Cru francês Cheval Blanc para a produção de um dos vinhos ícones
da Argentina, o Cheval des Andes – até 2006 um corte de Cabernet Sauvignon,
Malbec e Petit Verdot, com grande potencial de guarda.
Mais informações acesse:
https://www.terrazasdelosandes.com/pt
Referências de pesquisa:
Blog da Famiglia Valduga, em: https://blog.famigliavalduga.com.br/uva-syrah-saiba-mais-sobre-uma-das-uvas-mais-antigas-do-mundo/#:~:text=A%20origem%20da%20casta%20Syrah,situada%20no%20sul%20da%20It%C3%A1lia.
Portal Revista Adega, em: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/sinonimos_10240.html
Degustado em: 2017
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