Estava eu em um evento de degustação de vinhos em minha
cidade, Niterói, no Rio de Janeiro e flertando entre vários estandes com
demonstrações dos rótulos e produtores e me deparei com um vinho brasileiro da
gigante vinícola Salton, o famoso “Salton Intenso” com um corte, até então novo
para mim, das castas Tannat e Merlot, diria bem inusitado. O que me levou até o
rótulo foi esse blend. Logo pedi ao demonstrador que enchesse a minha taça.
Quando o degustei achei no mínimo avassalador! Uma combinação explosiva e
potente garantido pela casta Tannat e o equilíbrio e a maciez entregue pelo
Merlot. Tomado pela surpresa exclamei: Que vinho saboroso! Nunca tinha
degustado esse rótulo da Salton! O demonstrador disse: “Realmente é um dos
melhores deste produtor e esse é corte típico do Uruguai.” Pensei imediatamente
que deveria degustar mais os grandes vinhos uruguaios, afinal não sabia que
esse corte era típico deste pequeno, mas significativo país produtor de vinhos
grandiosos. Talvez seja de fato uma ignorância da minha parte. E, a partir
daquele momento, decidi me dedicar a buscar vinhos uruguaios com esse blend.
Quem diria que um vinho brasileiro tenha suscitado um interesse em buscar
rótulos uruguaios. Degustei alguns grandes vinhos do Uruguai ao longo da minha
vida como enófilo, mas não o suficiente, não o quanto eu queria. Gostaria de
diversificar, degustar mais castas que não fosse a emblemática Tannat. E espero
fazê-lo.
Mas voltando a minha aventura dos cortes das castas Tannat e
Merlot, depois de algum tempo tentando, consegui encontrar alguns vinhos, de
propostas mais básicas, muito boas, mas precisava degustar um com passagem por
barricas de carvalho, um que fizesse jus a potência da casta Tannat. E, em um
dia navegando por sites especializados de vendas de vinho, localizei um Tannat
e Merlot de um tradicional produtor de Montevideo chamada Família Traversa, um,
como eles chamam, de “Roble”, palavra, em espanhol, muito usada para designar
que o vinho passa por madeira, e por um valor impressionante: em torno dos R$
29,00! Não hesitei e comprei o vinho! O guardei em minha adega por quase dois
anos! Decidi esperar para degusta-lo em seu auge e eis e tão esperado momento.
O vinho que degustei e gostei veio da região de Montevideo,
capital do Uruguai, da Familia Traversa, o Traversa Roble, um corte típico
deste país, composto pelas castas Tannat (80%) e Merlot (20%) da safra 2016. E
como o Uruguai é pouco comentado pelos especialistas e enófilos em terras
brasileiras, apesar de termos um número razoável de rótulos sendo ofertados em
nossas terras, não vou, por aqui, negligenciar a história significativa desse
país na vitivinicultura mundial.
Uruguai: o pequeno grande da vitivinicultura
O Uruguai era originalmente povoado pelos índios Charruas,
mas em 1680 os portugueses começaram a se assentar na região; os espanhóis
chegaram logo em seguida. O país, como o conhecemos hoje, passou a existir com
a declaração de independência em 1828, quando se estabeleceu como República,
após vários anos de guerras sangrentas que envolveram Espanha, Portugal,
Argentina e o Brasil. Já nessa época, por influência dos europeus, havia o
cultivo de uvas na região, demonstrando que a história da vitivinicultura no
Uruguai se confunde com a própria história do país. As primeiras uvas viníferas
foram cultivadas em território uruguaio há mais de 250 anos. A produção de
vinhos, entretanto, só começou a ser realizada comercialmente na segunda metade
do século XIX. Em 1870, Dom Pascal Harriague introduziu ao Uruguai várias
castas de uva em busca de uma que se adaptasse bem ao solo e clima da região. A
tannat foi a que se saiu melhor na experiência e desde então, por causa do seu
sucesso imediato e duradouro no país, ela dá vida ao autêntico vinho uruguaio.
Na década de 1970, houve uma renovação na vitivinicultura do
Uruguai; novas técnicas de plantio e cultivo, bem como a introdução de novas
variedade de uvas, possibilitaram um desenvolvimento substancial à sua
indústria de vinhos. Aliado a tudo isso, a evolução dos vinhos uruguaios
aconteceu por causa da paixão dos produtores e apreciadores de lá pela bebida.
A maneira artesanal e a relação respeitosa que eles têm com as uvas que
cultivam tornaram seus vinhos premiados e bastante reconhecidos no mercado
internacional. Hoje em dia, além da qualidade de seus terroirs com clima
mediterrâneo e solo fértil, há uma gama de variedades plantadas que elevaram o
padrão do vinho produzido no país. O pequeno território do Uruguai abriga
vinhedos em toda a sua extensão – 16 dos 19 estados uruguaios possuem
plantações de uvas viníferas, a maior parte de uvas tintas, que representam
mais de 80% das castas cultivadas. A Tannat representa 44% das plantações no
Uruguai, mas outras castas como a Cabernet Sauvignon, Pinot Noir e Sauvignon Blanc,
entre outras, podem ser destacadas na produção do país. A região sul do país é
a que mais concentra vinícolas. As regiões de Montevidéu e Canelones tem a
maior parte da produção de vinhos do país, San José e Colônia del Sacramento
são outros centros vinicultores importantes.
O Uruguai possui uma rota de vinho especial e aconchegante,
coordenada pela Associação de Turismo Enológico do Uruguai, que reúne muitas
bodegas familiares, com estrutura e história que fascinam seus visitantes. A
rota, batizada de “Os caminhos do vinho” passa por regiões de Montevidéu,
Canelones, Maldonado, Colônia e Rivera, cujas paisagens belas e exuberantes são
atrativos que complementam sua ótima gastronomia e seus vinhos finos.
E agora finalmente o vinho!
Na taça traz um vermelho rubi intenso, brilhante e com
reflexos violáceos, com abundantes lágrimas finas e consistentes que insistem
em desenhar as bordas do copo.
No nariz entrega um bouquet de frutas vermelhas como groselha
e morango e frutas negras como amora e ameixa, com notas amadeiradas e um toque
agradável de baunilha, graças a passagem, de 10 a 12 meses, por barricas de
carvalho.
Na boca é intenso, mas elegante, é estruturado, mas macio e
aveludado. Um vinho harmonioso e equilibrado, com taninos gordos e presentes,
com uma acidez correta, além das notas amadeiradas, com o toque de chocolate e
de baunilha. Tem um final persistente e frutado.
Um vinho excepcional! A expressão máxima do terroir uruguaio
com a sua casta vitrine, a Tannat, com a sua personalidade, estrutura e
complexidade, aliada a maciez, o toque frutado da casta Merlot. Um
casamento que, para muitos poderia parecer improvável ou para ser mais singelo,
inusitado, trouxe toda a versatilidade de que o vinho merece ter para enamorar
a todos os enófilos que gostam de vinhos frutados e básicos a vinhos mais
estruturados e complexos. E eu tive o prazer de degustar o ápice desse vinho, com
essa proposta. Eu acreditei tanto neste vinho que, mesmo que evoluindo na
adega, eu decidi comprar outro vinho desse produtor, uma estréia também, um
branco da icônica casta Chardonnay, que eu também não havia degustado, um
Chardonnay uruguaio e também foi maravilhoso: o Traversa Chardonnay da safra 2018. O Traversa Tannat e Merlot 2016 Roble, como disse, é muito versátil e
harmoniza com pratos mais simples até massas e carnes condimentadas, bem como
queijos mais fortes, de aromas mais intensos. Teor alcoólico de 12,5%.
Sobre a Família Traversa:
Esta empresa com as suas vastas vinhas e fábricas de
processamento de vinho, conta com a presença constante da Família Traversa.
Sessenta anos de muito trabalho e três gerações que sustentam a qualidade dos
seus vinhos. Cada novo plantio e manutenção, processamento, embalagem e
distribuição de vinho, marketing e atendimento ao cliente são sempre
supervisionados por um membro da família. Assim somos e ambicionamos qualidade,
e este é o resultado do nosso trabalho. A história desta família é o legado de
bondade e esperança que, como no nosso caso, estamos unidos nas vinhas e há
três gerações.
Em 1904, Carlos Domingo Traversa veio para o Uruguai com seus
pais. Filho de imigrantes italianos, foi em sua juventude peão rural em
fazendas de vinhedos, e em 1937 com sua esposa, Maria Josefa Salort, conseguiu
comprar 5 hectares de terras em Montevidéu. Suas primeiras plantações de uvas
de morango e moscatel foram em pequena escala. Em 1956 fundou a adega com os
seus filhos, Dante, Luis e Armando, que hoje com os seus netos têm muito orgulho
de continuar o seu sonho.
A atitude constante de crescimento contínuo, com dedicação e
desenvolvimento levou e ainda leva a vinícola a ser um exemplo em todo o Uruguai.
Em mais de 240 hectares próprios, além de vinhedos de produtores cujas safras
são controladas diretamente pela empresa, obtendo assim uma grande harmonia com
os vinhos e as próprias uvas. As variedades plantadas são: Tannat, Cabernet
Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc. As uvas são
processadas com maquinários e instalações da mais alta tecnologia. Inicia-se
com um rígido controle de produção, colheita no momento ideal, plantio de
leveduras selecionadas, controle de fermentação, aplicação a frio no processo
de elaboração, clarificações e degustação dos vinhos para definir diferentes
categorias de qualidade. Daí passa-se a armazenar em grandes recipientes de
grande tecnologia, como inox, tanques térmicos, ou em barricas de carvalho
americano e francês.
Mais informações acesse:
http://grupotraversa.com.uy/en/
Fontes para pesquisa:
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/uruguai-um-pequeno-pais-de-grandes-vinhos/
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