Definitivamente a Itália é o país dos vinhos clássicos! Não
há nenhum outro centro vitivinícola que produz, em larga escala e com tanta
qualidade, vinhos do naipe de um Barolo, Brunello di Montalcino, Amarone,
Ripasso e tantos outros.
Vinhos longevos, vinhos de marcante personalidade, vinhos
potentes, poderosos e de plenitude jamais vista, jamais sentida em taça.
Incluiria entre esses nomes, porém fora da Itália, Bordeaux.
Vinhos que não precisam de demasiadas apresentações, tanto
que muitos deles carregam o nome de sua região, típico do Velho Mundo. Não há a
apresentação das suas clássicas castas, não há detalhes, não há quase nada,
apenas as regiões ostentando em letras garrafais o seu nome, a sua tradição.
Porém atualmente, atendendo aos anseios do mercado consumidor
mais jovem e que está se interessando por vinhos, alguns produtores dessas
regiões têm divulgado as castas e trazendo um contorno mais “moderno” no
primeiro contato que o enófilo tem pelo vinho: o visual.
Mas diante desse exército de clássicos que a Itália tem em
seu front há outro, igualmente importante, que até hoje não goza de tanta
reputação quanto os Brunellos e Barolos da vida. Falo do Chianti. O passado de
guerras, de incertezas de seus criadores, de seus desbravadores, contornou a
tortuosa, mas cativante história dos Chiantis.
O primeiro Chianti que tive o prazer de degustar foi o Castellani Chianti Riserva 2015 e logo depois o Poggio Al Casone Chianti Superiore 2019 também do tradicional produtor Castellani. Vinhos com excelente
custo X benefício que desmistifica o histórico de Chiantis com altos valores e
um tanto quanto inalcançável de se ter em adega. E não se enganem, são ótimos
vinhos!
Mas não decidi parar por aqui! Gostaria de buscar novas
experiências com os velhos Chiantis, conhecer novos rótulos e produtores e eis
que, de forma totalmente despretensiosa, navegando no site de um famoso site de
vendas de vinhos, observei, em destaque, um Chianti Riserva que estava na
incrível faixa dos R$ 45! Não acreditei de imediato e decidi rever e sim, um
Chianti Riserva por um ótimo preço.
Mesmo ainda com algum receio, afinal o preço estava muito
baixo, decidi compra-lo, afinal, caso não gostasse dele o gasto, o “impacto”
não seria tão alto no bolso já combalido de dinheiro. Mas decidi degusta-lo o
quanto antes, estava tomado por uma incomum curiosidade e até mesclada a uma
ansiedade.
Então sem mais delongas vamos às apresentações desse
surpreendente vinho! Uma gratíssima surpresa a um valor avassalador, que se
chama Rifugio del Vescovo, um Chianti Riserva, composto pelas castas Sangiovese
e Merlot, da safra 2018. Para não perder o costume, vamos de história, vamos de
Chianti.
Chianti, Toscana
Desde a queda de Roma até o Risorgimento, por volta de 1850,
o esfacelamento dos estados italianos em pequenas repúblicas e reinos ditou a
vida de sua população e também o tom de seus vinhos. Foi nesse longo período
conturbado que nasceu um dos vinhos mais famosos da Itália, o Chianti.
Geograficamente falando, Chianti é uma terra montanhosa que
se estende por cerca de 60 km a 70 km na sua extensão, cujo ponto mais alto é
Monte San Michele, a 893 metros. Existem 5 rios que cruzam e definem a área
com: os rios Pesa, Greve, Ombrone, Staggia e Arbia.
O começo da história remonta ao século XIII, quando os Médici
dominavam a cidade de Firenze (Florença), na Toscana, e lá criaram uma das
repúblicas mais influentes de seu tempo – basta lembrar que eles foram patronos
das artes que culminaram com o Renascimento. Em meados do século XIII, os
fiorentinos eram uma potência e viviam guerreando com vizinhos.
Para garantir uma boa defesa de suas terras, eles as
dividiram em ligas militares de cidades. Uma delas, criada em 1384, foi a Lega del Chianti, que compreendia as
vilas de Radda, Gaiole e Castellina (até hoje o centro da região que se
denomina Chianti Classico), e durou até 1774, atuando ativamente durante as
batalhas entre Firenze e Siena.
Aliás, a principal lenda em torno do vinho de Chianti vem
dessas longas disputas medievais entre fiorentinos e sieneses. Acredita-se que,
um dia, cansados de guerrear, os governantes das duas cidades decidiram por um
outro tipo de disputa para estipular sob qual bandeira ficaria a região.
Assim, concordaram que dois cavaleiros sairiam ao cantar do
primeiro galo da madrugada, um partindo de Firenze em direção à Siena e o outro
no sentido contrário. Onde eles se encontrassem, seria demarcado o limite dos
domínios.
Assim nasceu a lenda do Gallo
Nero, o galo negro que até hoje serve de emblema dos vinhos de Chianti
Classico. Diz-se que os sieneses escolheram um belo e forte galo branco para
dar o sinal ao seu cavaleiro. Já os fiorentinos teriam escolhido um galo negro
raquítico, que ficou confinado sem comida.
Por isso, o galo de Firenze teria acordado mais cedo, ainda
durante a noite, faminto, e começado a cantar, fazendo com que seu cavaleiro
tivesse grande vantagem sobre o rival de Siena, cujo galo só acordaria para
cantar já nos primeiros raios de sol da manhã.
Assim, dos pouco mais de 60 quilômetros que separam as duas
cidades, o cavaleiro sienês conseguiu percorrer somente cerca de 12 antes de
encontrar o oponente nas proximidades de Fonterutoli, pouco ao sul de
Castellina.
Em 1716, Cosimo III de Médici delimitou a região para a
produção dos vinhos de Chianti. Lendas à parte, a verdade é que a demarcação da
área de Chianti como pertencente à Firenze ocorreu em um tratado de 1203. Na
época, os fiorentinos eram leais ao Papa e Siena, ao Sacro-Império Romano.
Primeira Denominação de Origem
As primeiras documentações que tratam do vinho de Chianti
remontam a 1398 e o descrevem como um vinho branco vendido pelo comerciante
Francesco di Marco Datini. No entanto, o nome do vinho ficaria definitivamente
gravado na história a partir de 1716, quando Cosimo III de Médici, o penúltimo
de sua família a ser Grão-Duque da Toscana, apontou que as três cidades da Lega del Chianti, mais uma parte da Vila
de Greve, estavam aptas a produzir o vinho de nome Chianti.
Esta teria sido a primeira demarcação territorial, ou seja, a
primeira Denominação de Origem, conhecida no mundo (os portugueses, porém,
alegam que a primeira DO teria sido instituída pelo Marquês de Pombal em 1756,
quando estabeleceu os marcos pombalinos na região que produzia o Vinho do
Porto).
Apesar de o reinado de Cosimo III ter sido desastroso para a
região, que se viu diante de uma enorme crise econômica e social, a demarcação
durou até 1932, quando a área foi gradualmente expandida (a última expansão
seria em 1967).
No entanto, mesmo demarcado, sabe-se que o vinho de Chianti
obedecia a poucas regras. Historiadores apontam que, na época, uma das
principais uvas usadas na produção do vinho era a Canaiolo, a mais cultivada na
região, juntamente com a Sangiovese, Mammolo e Marzemino. Seria somente durante
o Risorgimento italiano no século
XIX, que o vinho tomaria uma forma, muito próxima do que tem hoje.
O grande nome por trás do estabelecimento de Chianti e também
um dos principais responsáveis pela unificação italiana em 1961 foi o barão
Bettino Ricasoli, cuja origem familiar remonta aos tempos de Carlos Magno. O
“Barão de Ferro” (alcunha conquistada por sua intransigência moral e econômica)
foi um dos grandes pilares da unificação de seu país com sua atuação política
no Ducado da Toscana. Não à toa, ele chegou a ser primeiro ministro italiano
quando o rei Vitório Emanuele assumiu o poder.
Além de ser a criadora do Chianti, a família Ricasoli produz
vinhos desde o ano 1141, quando adquiriu o legendário Castello de Brolio. Essa
longa história faz da Barone Ricasoli a vinícola mais antiga da Itália e a
segunda mais antiga do mundo. O Castello de Brolio estava em ruínas à época.
Determinado a dar novos rumos à produção local, o Barão de Ricasoli
viajou para a França e a Alemanha, onde aprendeu novas maneiras de cultivo,
além de importar variedades e experimentar maquinários. Assim, em 1872, ele
teria criado a “fórmula” do Chianti e assim escreveu:
“Os resultados obtidos
já nas primeiras experiências confirmam que o vinho recebe do Sangioveto a
principal dose de seu perfume (o que eu particularmente procuro) e um certo
vigor de sensação; do Canajuolo, a amabilidade que tempera a dureza do
primeiro, sem tolher em nada seu perfume; a Malvagia, a qual se pode colocar
menos nos vinhos destinados a envelhecer, tende a diluir o produto das duas
primeiras uvas, não acrescenta sabor, e o torna mais leve e mais prontamente
usável na mesa cotidiana”.
A “fórmula do Chianti” escrita na famosa carta endereçada ao
professor Cesare Studiati da Universidade de Pisa, na qual exaltava os aromas e
a estrutura da Sangiovese, a maciez da Canaiolo e a tendência da Malvasia a
diluir o vinho, fez com que o Barão sugerisse que esta última uva não fizesse
parte do corte dos vinhos de guarda da sua região. A receita do Barão era 70%
Sangiovese, 15% Canaiolo e 15% Malvasia Bianca. Em 1967, sua “fórmula” foi
ratificada pela regulamentação da DOC (com acréscimo da Trebbiano).
Renascimento
O Chianti então surgiu como uma versão do “clarete” francês –
sem variedades internacionais, contudo. Foi durante o Risorgimento que ele alcançou a glória, quando Firenze se tornou
capital da Itália e Ricasoli primeiro ministro.
No entanto, apesar dos esforços do barão, com o tempo, a fama
do vinho tornou-se ruim, muito devido às condições econômicas precárias da
região, especialmente depois das pragas que chegaram à viticultura em meados do
século XIX e também muito devido ao contrato de uso das terras entre
agricultores e os donos das propriedades.
A mezzadria
(sistema feudal em que os camponeses dividiam a sua colheita com os senhores de
terras) e a agricultura promiscua (diversas culturas em um mesmo terreno)
perdurou na Toscana até praticamente os anos 1970 e atrasou o desenvolvimento do
vinho na região – já que a colheita ia ser dividida, era melhor, para o
agricultor, plantar mais quantidade do que pensar em qualidade.
Clante
A origem do nome Chianti é incerta. Para alguns, ela vem de clangor, que nada mais é do que o som dos instrumentos metálicos, mais especificamente das trombetas. No entanto, também pode designar o atrito entre objetos de metal, como espadas.
Daí, acredita-se que o nome possa ter surgido devido a esse barulho das trombetas de caça ou então das batalhas. Outra possibilidade, muito mais aceita, é o termo ter vindo da palavra etrusca clante, que significaria água (abundante na região) ou então seria apenas um nome de família muito comum na área.
Os “Super Toscanos”
O movimento dos vinhos “Super Toscanos” fez com que Chianti
aprimorasse suas normas. Nos anos 1960, alguns produtores estavam desapontados
com os rumos que Chianti havia tomado.
Apesar de a DOC ter finalmente estabelecido uma regra para
seus vinhos em 1967 (e talvez por isso também), muitos passaram a experimentar
com novas variedades, especialmente as francesas, no intuito de produzir um
vinho melhor e mais caro (desde o fim da II Guerra Mundial, Chianti era
considerado um vinho simples e barato).
Assim, entre o final dos anos 1960 e começo dos 1970, duas
poderosas famílias decidiram fazer vinhos mesclando Sangiovese com variedades
francesas. Tanto o Marquês Mario Incisa della Rochetta quanto seu sobrinho,
Piero Antinori, lançaram respectivamente Sassicaia e Tignanello, os primeiros
Super Toscanos de que se tem notícia, vinhos que mudariam para sempre o cenário
na região.
Com esse fenômeno houve novas mudanças nas regras, com a introdução de variedades francesas no blend de Chianti. Dez anos depois, as variedades brancas foram proibidas em Chianti Classico, que já passava a aceitar Sangiovese “in pureza”, ou seja, 100%.
Hoje, além do Classico, Chianti possui outras sete
sub-regiões, cada uma com regras específicas. As mudanças de regras foram
constantes nos últimos 40 anos. As últimas modificações em Chianti Classico,
por exemplo, ocorreram em 2013, quando, entre outras coisas, criou-se uma nova
classificação, com um nível qualitativo acima dos Riserva: os Gran Selezione.
Os diferentes Chianti
O simples termo “Chianti” diz muito pouco sobre o vinho.
Muito resumidamente, indica que se trata de um tinto italiano, produzido na
região da Toscana, em uma área que se estende entre as cidades de Florença e
Siena, a partir de, principalmente, Sangiovese. Ainda que Chianti seja uma
Denominação de Origem Controlada e Garantida (DOCG) e, portanto, existam
regulamentações tratando de sua produção, a variedade é grande.
Além da “denominação genérica” Chianti DOCG, há outras denominações específicas que levam em consideração a proveniência geográfica das uvas: Chianti Classico (a mais antiga, famosa e tradicional), Chianti Colli Aretini, Chianti Colli Fiorentini, Chianti Colline Pisane, Chianti Colli Senesi, Chianti Montalbano, Chianti Montespertoli e Chianti Rufina. Também, os termos Chianti Superiore (não permitido para Chianti Classico) e Chianti Riserva servem para nomear vinhos que tenham atendido períodos de envelhecimento determinados, dentre outros fatores.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um rubi com intensidade, mas não é escuro,
traz reflexos granada com algum brilho. Tem poucas lágrimas que bem finas e
rápidas logo dissipam das paredes do copo.
No nariz é extremamente aromático, perfumado, que traz frescor, aos cinco anos o vinho ainda mostra toda plenitude, corroborado pelas notas frutadas, de frutas negras, com destaque para a amora, a ameixa. A madeira está igualmente presente, com toques vivos de carvalho, de baunilha, de leve tosta, os 15 meses em barricas faz o seu papel, porém bem integrado. Herbáceo, tabaco, couro, defumado, terra molhada faz jus a predominância da Sangiovese.
Na boca é seco, vivaz, com alguma intensa, complexidade, mas
é sedoso, fácil de degustar, garantido pelo percentual da Merlot. É volumoso,
cheio, entregando personalidade, que o torna também bem saboroso. As notas
frutadas se faz presente, protagoniza em sinergia com a madeira, como no
aspecto olfativo, com taninos gordos, presentes, mas domados, com uma
instigante e salivante acidez. Tem um final persistente e de retrogosto frutado.
Tradição, história, mesmo que ao custo de guerras, sangue, mortes, disputas pelo poder político e econômico. As redenções pavimentadas por todos esses eventos e intenções. O vinho foi e é um veículo de tais manifestações da sociedade, independente do contexto e cronologia. O que nos resta, no entanto, é permitir contemplar e entender esses momentos históricos com o olhar crítico, mas separando-os do prazer, do deleite em degustar um bom e velho vinho, porque é um elixir ao corpo e a alma, sobretudo daqueles que o ama. Vinhos de extremo caráter regional e de personalidade, aliado a maciez e facilidade de degustação, dada a sua elegância. O Rifugio del Vescovo Chianti Riserva traz a complexidade e rusticidade do “Sangue de Júpiter”, como é chamada a Sangiovese, com a maciez da Merlot, chancelando Chianti como um dos vinhos mais emblemáticos da história. Tem 13% de teor alcoólico.
Sobre a Vinícola Cooperativa Colli Fiorentini:
A Adega Cooperativa Colli Fiorentini tem associados cerca de
350 famílias de agricultores que contribuem para o seu crescimento, tida como a
maior produtora de vinhos Chianti do mundo.
A Adega Cooperativa Colli Fiorentini tem seu centro de
produção no vale banhado pelo Riacho Virginio, no município de Montespertoli,
na província de Florença. Todos os produtos da Cantina Sociale Colli Fiorentini
são comercializados nos pontos de venda VALVIRGINIO localizados em toda a
Toscana.
Foi a primeira vinícola cooperativa toscana a adotar desde
2011 medidas para proteger o contexto natural e o meio ambiente do qual é parte
integrante, instalando um gerador fotovoltaico com potência de 318 kW dividido
em duas seções.
Há quase 51 anos, desde 1972, conservam e protegem cerca de 1.500 hectares da paisagem toscana, mantendo viva as tradições desta importante região que distingue cada família toscana no seu território.
Após mais de 40 anos, mais de 850 empresas, localizadas nas
áreas de produção de Chianti Classico DOCG, Tuscan IGT e Tuscan IGP Oil,
entregam suas safras aos locais de produção da Cooperativa.
Mais informações acesse:
https://www.collifiorentini.it/index.html
Referências:
“Blog História com Gosto”: https://historiacomgosto.blogspot.com/2019/11/a-regiao-do-chianti-classico-toscana.html
“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/todos-os-chianti_10196.html
“Blog Sonoma”: https://blog.sonoma.com.br/chianti/#:~:text=Chianti%20%C3%A9%20um%20tipo%20de,Chianti%20Cl%C3%A1ssico%20a%20mais%20famosa
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