Acredito que, em algum momento da minha vida, eu disse que
Portugal, embora tão pequeno em dimensões territoriais, se revela gigante e
significativo com as suas 14 regiões vitivinícolas que são extremamente
reconhecidas, não tão somente em seu território, mas em todo o planeta, algumas
mais conhecidas que outras, é bem verdade, mas sempre prestigiadas.
Prestigiadas principalmente pelo forte apelo regionalista,
graças à cultura de vinificação/produção, a cultura do seu povo que, claro,
influencia diretamente na cultura de vinificação, do clima, da terra e também
de suas autóctones castas, algumas delas ou a sua esmagadora maioria cultivada
apenas em Portugal ou ainda apenas em uma ou poucas regiões espalhadas por
aquele país.
E mesmo sendo um país geograficamente pequeno ainda há muito
a se explorar no que tange às suas regiões e microrregiões. Algumas que ainda
se colocam em uma posição de desconhecida pelo grande público enófilo, mas que
goza de muita importância e representatividade em Portugal. E hoje degustarei
um vinho de Trás-os-Montes.
Lembro-me que conheci essa região em um evento de degustação
de vinhos em minha cidade, Niterói, organizado por uma rede de supermercados da
cidade, o “Festival de Vinhos Supermercado Real 2017”, onde os rótulos expostos
para degustação eram os mesmos que estavam sendo ofertados em suas filiais.
Já para o final do evento, eu já estava praticamente me
preparando para deixar o local do evento e vi, ao longe, um estande, até pouco
procurado e com poucos rótulos disponíveis para degustação e vi um rótulo,
simples, mas que me chamou a atenção: era Trás-os-Montes. Comprei o Encostas do Trogão Reserva 2011! E que grande e especial vinho! O degustei com 8 anos de
vida e ainda reluzia vivacidade! 2011 tinha sido um ano espetacular para toda a
Portugal.
Mas teve espaço também para a degustação de um branco da
região do mesmo produtor, a Adega Cooperativa de Rabaçal, igualmente pouco
conhecida em nossas terras e que muito me chamou a atenção pela sua
simplicidade aliada a alguma personalidade.
O vinho que degustei e gostei veio de Trás-os-Montes e se
chama Encostas do Trogão e é composto pelas castas Côdega de Larinho,
Malvasia-Fina e Viosinho e a safra é 2019. Regiões “undergrounds”, castas
tipicamente da região, não se poderia esperar algo melhor. Mas antes de falar
do vinho, vamos as histórias da região e das castas.
Trás-os-Montes
Já durante a ocupação dos romanos se cultivava a vinha e se
produzia vinho na região de Trás-os-Montes. Situada no nordeste de Portugal, a
província de Trás-os-Montes e Alto Douro é um lugar onde a identidade
portuguesa, fruto de tradições culturais enraizadas, sobreviveu como em nenhuma
outra região do país lusitano. O seu conhecido isolamento, bem como o alto
índice de emigração e despovoamento, são características que acompanham a
região há muito tempo.
Situada a Norte de Portugal a Região de Trás-os-Montes
revela-se por entre montes e pronunciados vales numa grande área de extensão.
Esta é uma Região única com características especiais. Em toda a região o
cenário muda rapidamente, entre exuberantes vales verdejantes, ou colinas
antigas cobertas por uma colcha de retalhos de bosques, ou olivais verde-cinza,
extensas vinhas verdes brilhantes, ou amendoeiras floridas e outras árvores de
fruto.
Sua capital é a cidade de Vila Real, e, ao longo da história,
sofreu diversas modificações em seu território e nas atribuições
administrativas. Desde o século XV, passou de Comarca a Província, e suas
fronteiras territoriais, cujos limites foram se adequando com a aquisição ou
perda de regiões, já não são as mesmas da época de sua fundação. Atualmente, é
formada por três sub-regiões: Chaves, Valpaços e o Planalto Mirandês.
Na sub-região de Chaves a vinha é plantada nas encostas de
pequenos vales, onde correm os afluentes do rio Tâmega. A sub-região de
Valpaços é rica em recursos hídricos e situa-se numa zona de planalto. No
Planalto Mirandês é o rio Douro que influencia a viticultura.
O cultivo da vinha e a produção de vinho na Região de
Trás-os-Montes tem origem secular, estando esta intrinsecamente marcada nas
suas rochas, uma vez que por toda a região existem vários lagares cavados na
rocha de origem Romana e Pré-Romana. A existência de vinhas velhas com castas
centenárias marca também de uma forma muito peculiar a qualidade reconhecida
dos vinhos desta região.
As paisagens desta província apresentam uma beleza natural e
rural exuberante, sendo suas terras ricas em cerais, legumes e frutos como
amêndoas e cerejas, além das oliveiras que produzem azeites. Para completar,
ainda existe a cultura vitivinícola, que, com as inúmeras vinhas da região,
fazem de Trás-os-Montes e Alto Douro um destino turístico perfeito para os
amantes da gastronomia e do vinho de alta qualidade.
Montes é uma das regiões mais ricas em descobertas
arqueológicas. Destacam-se as estações do paleolítico da serra do Brunheiró e
Bóbeda, assim como dólmenes e povoados do período neo-eneolítico.
Trás-os-Montes é uma região montanhosa, caracterizada por sua
diversidade de relevo e de clima – altitude, temperatura, pluviosidade, solo,
etc, variam conforme cada cidade da província. As diferenças são bastante
acentuadas. De maneira geral, seu relevo é formado por uma série de elevadas
plataformas onduladas atravessadas por vales e bacias profundas, os solos se
apresentam como graníticos, mas com presença importante de xisto.
Trás-os-Montes tem clima com influência
mediterrânico-continental, com áreas de muito frio nas partes mais altas e
outras mais quentes na região do Douro. A natureza privilegiada é fonte de
riqueza para a região: os recursos hídricos, com rios importantes, por exemplo,
são utilizados para gerar energia elétrica e produzir água mineral.
Essas diferenças climáticas acentuadas permitiram definir
três sub-regiões para a produção de vinhos de qualidade com direito a DO
Trás-os-Montes. Os critérios tidos em conta foram essencialmente as altitudes,
exposição solar, clima e a constituição dos solos, tendo sido a Denominação de
Origem (DO Trás-os-Montes) reconhecida a partir de 9 de novembro de 2006
(Portaria n.º 1204/2006).
No que se refere aos vinhos com Identificação Geográfica
Transmontano, estes podem ser produzidos em toda a Região, sendo que a
Indicação Geográfica Transmontano (IG Transmontano), foi reconhecida a partir
de 9 de novembro de 2006 (Portaria n.º 1203/2006).
Outra possibilidade de riqueza retirada da natureza da região
são as vinhas dispostas nos vales que circundam o Douro e que originam vinhos
excelentes e apreciados no mundo todo. O principal deles: o famoso Vinho do
Porto. A vitivinicultura em Trás-os-Montes e Alto Douro tem história e
tradição.
Além de ter sido a primeira região regulamentada para
produção vinícola do mundo, em 1756, foi reconhecida pela UNESCO, em 2001, como
Património da Humanidade por causa da beleza de suas vinhas. Quanto à produção,
50% dos vinhos elaborados nas vinícolas da região são destinadas para o Vinho
do Porto, a outra metade se dedica à produção de vinhos que utilizam a denominação
de origem controlada (DOC) “Douro”, e que são tão diversos quanto os microclimas
e solos da província.
O controle e a defesa da Denominação de Origem e Indicação
Geográfica são da responsabilidade da entidade certificadora “Comissão
Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes” esta tem por objetivo, proteger e
garantir a qualidade e genuinidade dos vinhos de qualidade produzidos na região
de Trás-os-Montes.
Constituída em 1997 a CVRTM, viria ajudar a impulsionar o
desenvolvimento da região, e a levar mais alto, aquém e além-fronteiras, os
vinhos Transmontanos. Tendo iniciado a sua atividade com apenas um agente
económico, esta entidade conta já com 62 associados, que contribuíram para o
renascimento da região e para o incremento de qualidade dos seus vinhos, sendo
que a sua atividade resulta num volume anual de litros certificados de
aproximadamente 3 milhões.
Tradicionalmente, as vinhas são plantadas de maneiras
diferentes em Trás-os-Montes, aproveitando toda a diversidade da região. Essa
característica se reflete nos vinhos produzidos, que além do vinho do Porto,
pode resultar excelentes vinhos tintos e brancos. As castas brancas dominantes
são: Côdega do Larinho, Malvasia Fina, Fernão Pires, Gouveio, Rabigato, Síria e
Viosinho, e nas tintas Bastardo, Tinta Roriz, Marufo, Touriga Franca, Touriga
Nacional e Trincadeira. Os vinhos brancos são suaves e com aroma floral. Os
vinhos tintos são geralmente frutados e levemente adstringentes.
No que se refere à tipicidade dos vinhos da região de
Trás-os-Montes, para além da diversidade existente podem ser referidos alguns
traços comuns a todos os vinhos, os vinhos brancos apresentam equilíbrio
aromático com grande intensidade de aromas frutados e leves florais, na boca
revelam uma acidez correta não sendo excessivamente pronunciada.
No caso dos vinhos tintos, são vinhos com uma intensidade
corante muito consistente e elevada, aromaticamente muito frutados, na boca
relevam-se estruturados, e apesar dos teores alcoólicos normalmente elevados
verifica-se uma acidez fixa correta, tornando-se vinhos robustos, mas
agradáveis e muito equilibrados.
Côdega-de-Larinho
A Côdega do Larinho é uma casta branca da família da Vitis Vinífera, sendo uma das menos
conhecidas. É uma casta com uma produtividade média, sendo os cachos grandes e
compactos, com bagos arredondados e de tamanho médio, com cor amarelada, de
película medianamente espessa, com polpa suculenta e de sabor peculiar. Tem
maturação média, com um potencial alcoólico mediano e baixa acidez.
Principalmente encepada nas regiões do Douro e
Trás-os-Montes, durante muitos anos pensou-se que seria idêntica à Síria,
contudo testes de DNA mostraram que não existe relação entre as duas castas. É
citada pela primeira vez em 1880.
Esta uva garante elevados rendimentos, com cachos densos, mas
também suscetíveis ao ataque de míldio. As videiras são especialmente plantadas
em encostas íngremes, sendo resistentes aos solos secos. Representam perto de
600 hectares em área de plantação. Dado a faltar alguma frescura, muitas vezes
é combinada com Rabigato ou Gouveio. Apresenta ainda algum carácter tropical.
Malvasia-Fina
Não se sabe ao certo qual é origem da uva Malvasia Fina, mas
acredita-se que ela tenha surgido na Grécia ou em Roma. Uma casta muito antiga,
tendo registros qyue demonstram seu cultivo em Portugal durante o século XVI.
A Malvasia Fina é uma das principais uvas utilizadas na
produção do vinho do Porto branco, apesar de ocupar uma área de vinhedos
bastante reduzida, de apenas sete mil hectares. Hoje, além de Portugal, também
é possível encontrar a Malvasia Fina na Itália.
Com cachos de tamanho médio e bagos de coloração
verde-amarelada, a Malvasia Fina é uma uva de baixo rendimento, suscetível ao
ataque de doenças e pragas, como oídio, míldio e desavinho. Os vinhos Malvasia Fina
são frescos, equilibrados e elegantes. No nariz, revelam aromas frutados, notas
de especiarias, como noz-moscada, além de nuances defumadas.
Viosinho
A uva Viosinho é uma variedade de pele clara de alta
qualidade, nativa do nordeste de Portugal. O cultivo da Viosinho
estabeleceu-se, principalmente, nas regiões de Tras-os-Montes e no Douro desde
o século XIX.
Trata-se de uma variedade que não é normalmente utilizada na
produção de vinhos varietais, por ser plantada em maior frequência em fileiras
misturadas com outras uvas brancas. Além disso, a uva Viosinho é utilizada
comumente na produção de vinhos brancos do Porto e, cada vez mais, na
composição de vinhos de corte brancos tranquilos na região do Douro.
A Viosinho é responsável por adicionar maior estrutura, corpo
e acidez aos vinhos de corte, bem como acrescenta sabores frutados e florais,
como os de ameixa, pêssego e cereja. Os vinhos Viosinho são descritos
constantemente como detentores de sabores cítricos, no entanto, a natureza dos
vinhos de Portugal podem dificultar o isolamento destes sabores singulares.
Normalmente, estes vinhos apresentam um elevado nível de acidez e são capazes
de envelhecer muito bem em garrafa por muitos anos.
As videiras da Viosinho produzem baixos rendimentos e seus
frutos amadurecem cedo, dando origem a uvas com cachos pequenos que são
altamente suscetíveis a podridão. Esta característica torna a variedade difícil
de ser produzida e, por consequência, cultivada apenas em volumes ínfimos.
E agora finalmente o vinho!
Na taça um lindo e envolvente amarelo palha tendendo para o
dourado, muito brilhante, com pequena manifestação de lágrimas denotando a
personalidade deste vinho.
No nariz exibe, exuberantemente, aromas de frutas cítricas,
de frutas brancas, como abacaxi, pêssego maduro, pera, lima, com toques
minerais, de grama cortada e um delicioso herbáceo. Um bom frescor resiste
apesar dos seus cinco anos de garrafa.
Na boca é seco, saboroso, um bom volume de boca traz a sensação
de alguma untuosidade e personalidade, mas com muito frescor, com as notas
frutadas sendo reproduzidas fortemente, como no aspecto olfativo, além de
acidez correta, o toque mineral protagonizando e um final de média persistência.
Belíssimo branco de Trás-os-Montes! Um vinho, apesar de já
possuir seus quatro anos de garrafa, estava no auge, entregando acidez, muito
fruta tropical, de polpa branca e uma mineralidade que corroborou todo o seu
frescor. Que possamos ter sempre experiência enosensoriais como essa de uma
histórica região, embora pouco conhecida. Que possamos, cada vez mais, explorar
regiões emblemáticas como essa! Tem 12,5% de teor alcoólico.
Sobre a Adega Cooperativa de Rabaçal:
Com cerca de 400 associados, oriundos dos concelhos de
Vinhais, Valpaços, Mirandela e Macedo de Cavaleiros, a Adega Cooperativa de
Rabaçal, C.R.L.recebe 1,5 milhões de quilos de uvas de uma zona de transição
entre a Terra Quente e a Terra Fria, que garante um grau surpreendente em todos
os néctares que ali são vinificados.
A reconversão da vinha que está em curso e a aposta nas
castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Trincadeira e Tinta Roriz já está a
dar os seus frutos ao nível da qualidade do produto final. Ao nível da
promoção, a adega que labora em Rebordelo vive um período de evolução, bem
patente na criação de uma imagem institucional que simboliza o vinho e os
quatro concelhos produtores.
No que se refere à tipicidade dos vinhos da região de
Trás-os-Montes, para além da diversidade existente, a base dos mesmos assenta
nas especificidades únicas das nossas castas.
“Porque o mundo é um
mar de oportunidades e também de desafios, hoje globais; porque acreditamos
que, para além de nos inserirmos num país que se afirma cada vez mais enquanto
produtor de vinhos de excelência e também numa região privilegiada,
Trás-os-Montes, a Adega Cooperativa de Rabaçal, C.R.L. afirma-se com base nos
efetivos vitícolas da Adega, que a alimentam com as melhores castas autóctones,
mantidas por várias gerações, num percurso que se aprimorou cada vez mais a
nossa região, cultura e história, numa descoberta, aqui de novos «territórios
sensoriais», os seus vinhos”.
Filosofia do produtor
Mais informações acesse:
http://www.adegarabacal.com/www/default.asp
Referências:
“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/vinhos/regioes/tras-os-montes/doc-tras-os-montes/
“Wine Tourism Portugal”: https://www.winetourismportugal.com/pt/regioes/tras-os-montes/
“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/tras-os-montes-e-alto-douro-um-paraiso-vinicola-em-portugal/
“Dre.tretas”: https://dre.tretas.org/dre/203153/portaria-1204-2006-de-9-de-novembro
“Terras de Portugal”: http://www.terrasdeportugal.pt/tras-os-montes-e-alto-douro
“Vino Emporium”: http://www.vinoemporium.com.br/uvas/codega-do-larinho
“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/vinhos/castas-brancas-codega-de-larinho/
“Divinho”: https://www.divinho.com.br/blog/diferenca-malvasia-fina-e-malvasia-nera/
“Mistral”: https://www.mistral.com.br/tipo-de-uva/viosinho
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