sábado, 3 de setembro de 2022

Terra do Vinho Merlot 2018

 

O rótulo é a identificação do vinho! Lembro-me de quando comecei a me aventurar no universo dos vinhos finos, dos produzidos com uvas vitis viníferas, que os especialistas disseminavam essa informação e, claro, é mais do válido e correto afirmar e incutir na mente dos enófilos tais afirmações, sobretudo para aqueles que está enveredando para o mundo do vinho e precisa de informações para construir, materializar as suas predileções de propostas de vinhos.

Mas a questão não é apenas aos iniciantes, mas também aos que tem o que chamamos de “litragem”, de experiência em degustações em vinhos, afinal precisamos conhecer todos os detalhes ou pelo menos os mais importantes quando temos acesso a um determinado vinho, a um determinado produtor e se o mesmo traz tudo o que você, minimamente, espera de um vinho no que tange às suas propostas.

E o rótulo não traz apenas detalhes técnicos de um vinho, como teor alcoólico, passagem por barricas de carvalho ou não, casta, mas também história, estímulo ao consumo da história daquele produtor, da região etc.

Para os aficionados por história, para aqueles que sentem uma urgente necessidade de saber a origem do nome do vinho, da casta, do produtor o rótulo é sim a entrada para ter acesso a tudo isso e mais. E penso que grande parte dessas informações também são preponderantes para a tomada de decisão de compra de um vinho e não somente os dados técnicos.

Estou falando tudo isso porque o vinho de hoje traz não apenas informações técnicas do mesmo, mas também algumas informações sobre as origens da variedade em questão, pelo menos foi a percepção que tive, a interpretação que tive ao observá-lo.

E aprecio por demais quando o produtor traz essas informações visando, estimular o interesse de quem irá degustar o vinho para procurar tais informações. Mas não são todos que tem tal interesse em buscar as minúcias da história do vinho, mas apenas degustar o vinho. Esses comportamentos definem, a meu ver, quem é quem no universo do vinho e os seus interesses acerca dele.

E o vinho vem de São Roque, região que definitivamente adentrou a minha vida enófila e que espero não saia tão cedo e a casta é a famosa Merlot. A Merlot que também está mais do que inserida na realidade do Brasil e digo, sem medo, de que os vinhos produzidos com tal variedade estão entre os mais admirados do mundo, apesar de estar engatinhando na cultura vitivinícola.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio, como disse, de São Roque, em São Paulo, e se chama Adega Terra do Vinho Merlot e a safra é 2018. O seu rótulo traz um pássaro sobrevoando as vinhas, um pássaro negro. E essa relação com a Merlot é íntima, diria que remonta as suas origens.

Esse será meu primeiro varietal Merlot de São Roque e já digo que está surpreendendo pela leveza, fruta trazendo algumas das mais marcantes características da cepa. Tenho tido bons retornos desse produtor, principalmente quando degustei o Genuíno Carménère 2018 e o Adega Terra do Vinho Cabernet Sauvignon 2017. E já que falei em história vamos trazer as origens da vitivinicultura de São Roque e um pouco das origens da Merlot corroborando o rótulo. 

São Roque: a terra do vinho!

A cidade de São Roque foi fundada no dia 16 de agosto de 1657, mas começou como uma grande fazenda do capitão paulista Pedro Vaz de Barros, que pertencia a uma família de bandeirantes e sertanistas. Vaz de Barros também participou de diversas Bandeiras. O fundador da cidade, também conhecido como Vaz Guaçú, contava com aproximadamente 1.200 índios que trabalhavam em suas terras, onde eram cultivados trigo e uva. Alguns anos após a morte de Vaz de Barros, seu irmão, Fernão Paes de Barros, se estabeleceu na mesma região, onde construiu uma casa e uma capela, que foram restauradas em 1945 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido do escritor Mário de Andrade, dono da propriedade.

Na região de São Roque, podem-se identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII. Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antônio, e pôr fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.

Portanto realmente não se podem esperar grandes referências desse período da história, afinal o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.

Outro fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro, principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos colonizadores.

Após um período difícil, o povoado originado por Pedro Vaz foi elevado à categoria de Freguesia no dia 15 de agosto de 1768, recebendo o nome de São Roque do Carambeí. No dia 10 de julho de 1832, a Freguesia foi elevada à categoria de vila, mas o progresso do local só começou em 1838, quando começaram as lavouras de milho, algodão, arroz, mandioca e farinha de mandioca, cana de açúcar e derivados, legumes e verduras. Em março de 1846, seis anos após instalar-se na vila o destacamento da Guarda Nacional, Dom Pedro II e uma pequena comitiva permaneceram um dia na cidade de São Roque. Com a passagem de Dom Pedro II, Antônio Joaquim começou a se destacar no cenário político e, graças ao morador ilustre, São Roque foi elevada à categoria de cidade no dia 22 de abril de 1864.

Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.

Doutor Eusébio Stevaux

Já em 1875 foi inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade de São Paulo a São Roque e Sorocaba. Após alguns anos, em 1884, começou a grande chegada de imigrantes à cidade, fazendo com que as vinícolas aparecessem novamente e ganhassem força nos anos seguintes. Em 1924, a cidade já contava com 17.300 habitantes e foram produzidos 10 mil litros de vinho a cada ano, tendo doze produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.

O que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão inicialmente a “Izabel”, a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e posteriormente a “Niágara Branca”, oriunda da região do Alabama, EUA.

Portanto, a divisão do período da cultura vinícola de São Roque, desde a fundação da cidade até a época atual em quatro fases distintas:

1ª fase: 1657 – 1880: importação de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial, ou seja, somente para consumo próprio.

2ª fase: 1880 – 1900: Retomada da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do cultivo da uva na região de São Roque);

3ª fase 1900 – até aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais modernas permitindo assim obter resultados e desempenho melhores.

Pode-se dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra num processo de decadência.

4ª fase década de 1960 – atual: esta fase engloba o processo de decadência da viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e até mesmo por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980). São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).

Há atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do cultivo da videira em São Roque.

Merlot

Por um longo período na história dos vinhos, a Merlot ficou conhecida pejorativamente como a “outra tinta de Bordeaux”, região de sua origem e cuja estrela principal era a Cabernet Sauvignon. Esse panorama começou a mudar no final do século XX – atualmente ela é uma das castas de maior sucesso no mundo, sendo cultivada em diversos países vitivinicultores.

Pesquisas revelam que a Merlot é resultado de um cruzamento genético entre a Cabernet Franc com a Magdeleine Noire des Charentes, sendo meia-irmã das não menos famosas Carmenère e da Cabernet Sauvignon. Apesar de seu prestígio ter se espalhado pelo mundo apenas na década de 1980, a Merlot tem cultivo documentado há século atrás. A primeira referência à uva que se tem notícia data de 1784, no seu país de origem: a França. A Merlot também é conhecida por outros nomes, são eles: Merlau, Sémillon Rouge, Plant Médoc,  Picard, Béguey, Alicante e Crabutet Noir.

Reza a lenda que Merlot deriva de Merle, nome dado a um pássaro na França que, assim como a uva, ostenta uma coloração escura e profunda. No século XIX foi muito cultivada na região de Médoc, que fica à margem esquerda do rio Gironde. Tem seu nome mencionado em diversas ocasiões na Itália e Suíça já na virada para o século XX, mas ganha notoriedade mesmo quando entra no Novo Mundo em 1990, tornando-se a uva mais popular nos Estados Unidos.

Melre (Melro)

A França continua sendo o maior cultivador desta casta, com aproximadamente dois terços da sua produção mundial. Bordeaux, com 56% de seus vinhedos cobertos de Merlot, é a principal produtora; sobretudo na sua margem direita, onde a uva domina as plantações das regiões de St. Émilion e Pomerol. Em 2004, na França, registrou-se o total de 115 mil hectares de vinhedos cultivados com a Merlot.

Outros países como Itália (onde a Merlot é a quinta casta mais plantada), Estados Unidos (na Califórnia, principalmente), Argentina, Chile, Austrália, Canadá, Brasil e África do Sul cultivam a Merlot de forma significativa. Denotando seu prestígio, popularidade e fácil adaptação em diversas partes do globo.

Por estar adaptada a diversos terroirs, a Merlot gera discussão especialmente no tocante ao seu cultivo, maturação e colheita. Alguns enólogos acham que esta variedade deve ser colhida o mais tarde possível, pois assim ela conservará os açucares e a maturação fenólica de forma mais concertada. Outros, ao contrário, dizem que a uva deve ser colhida jovem, ou melhor, no seu ponto ideal, para não prejudicar a sua acidez e nem deixar que seus aromas frutados sejam destacados ao ponto de tornar-se os vinhos desta casta pesados, sem frescor e elegância.

É uma casta que amadurece rapidamente. Adapta-se muito bem a climas mais frios e lugares com solos áridos, argilosos e até rochosos. As características gerais da Merlot são:

·         Cachos com tamanhos médios;

·         Coloração azul violácea profunda;

·         Pele bastante fina;

·         Baixo nível de tanino e acidez;

·         Grande concentração de açúcar e álcool;

·         Aromática e suave.

Quanto aos aromas, destacam-se os de frutas pretas como ameixa e jabuticaba; os de ervas como alecrim e orégano; e os de especiarias como canela e noz-moscada. Pode apresentar outros aromas, como caramelo, baunilha e café, quando seus vinhos estagiam em madeira.

Na boca, normalmente apresenta textura macia e bastante aveludada. Seus taninos também são macios. Acidez e álcool em níveis equilibrados. O uso de carvalho pode acrescentar sabor especial à uva, mas também pode diminuir sua elegância.

A Merlot resulta vinhos de acordo com o lugar onde foi cultivada e maneira como foi colhida. Quando colhida o mais tarde possível, a intensidade de cor e a concentração dos aromas frutados são muito maiores; os taninos maduros combinam com o bom corpo e com sua graduação alcoólica presente. O estágio em barricas de carvalho francês completa o processo, que é o mais comum no Novo Mundo.

Quando colhida no seu ponto ideal de maturação, que geralmente é mais cedo que outras uvas, a Merlot resulta vinhos com corpo médio e nível de álcool baixo; sua acidez, entretanto, aumenta, assim com como os aromas de frutas vermelhas maduras – assim são os vinhos franceses da Merlot.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi fechado, intenso, escuro, mas que, ao mesmo tempo, reluz, é brilhante, com lágrimas finas e em média intensidade.

No nariz predominam intensamente os aromas frutados, de frutas vermelhas maduras, tais como amoras, ameixas e cerejas, além de um agradável toque floral e terra molhada, notas terrosas.

Na boca é seco, leve, aveludado, equilibrado, com as notas frutadas protagonizando, como no aspecto olfativo, com taninos moderados, redondos e domados, com uma acidez média que proporciona frescor, sabor e leveza acentuados, além de toques herbáceos. Final de persistência média e retrogosto frutado.

A história, as origens do vinho também podem e devem ser “degustadas” e que quando se mergulha fundo torna a degustação de fato muito, muito melhor! Degustamos com prazer, com alegria, pois sabemos que nada é aleatório, tudo traz um forte e intenso motivo, razão de ser. O Adega Terra do Vinho Merlot é macio, redondo, os seus 4 anos de garrafa, bem como a sua proposta desenham a realidade do vinho. Um vinho aveludado e fácil de degustar, mas que, ao mesmo tempo traz personalidade. Um belo vinho são roquense! Tem 12% de teor alcoólico.

Sobre a Adega Terra do Vinho:

Em meados de 1966, a família Oliveira Santos decidiu dedicar-se a sua grande paixão: o Mundo do Vinho e abriu a Cantina Vieira Santos.

Empenho, dedicação e amor eram palavras de ordem dos irmãos, especialmente para o Moacyr. A Cantina cresceu, mudou e hoje se chama Adega Terra do Vinho. Como patriarca, certamente o Moacyr não imaginou que seu trabalho chegaria tão longe com o mesmo espírito e garra.

A paixão pelos vinhos fez nascer a pequena Adega do Moacyr com seus vinhos artesanais. Hoje a adega cresceu, mas continua trazendo, em cada garrafa, a mesma paixão.

Mais informações acesse:

https://www.adegaterradovinho.com.br/index.html

Referências:

“Assembleia Legislativa de São Paulo”: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=301135

“Blog do Lullão”: http://www.lullao.com/p/historia-do-vinho-em-sao-roque.html?m=1

“Sites Google”: https://sites.google.com/site/historiadovinhodesaoroque/home/historia-do-vinho-de-sao-roque

“Clube dos Vinhos”: https://www.clubedosvinhos.com.br/uva-merlot-quando-a-popularidade-encontrou-a-elegancia/

 

 

 








sábado, 27 de agosto de 2022

Vinha Longa Reserva 2016

 

Posso ser redundante, mas não sou omisso! Tenho um orgulho monumental em dizer que a minha porta de entrada para os vinhos lusitanos foi o bom e velho Alentejo! Para mim os rótulos alentejanos são os melhores até hoje, independentemente de suas propostas e nuances.

E já tem algum tempo, mas a chama nunca se apagou, muito pelo contrário, continua acessa e forte em meu coração e sempre inundando a minha taça de um magnífico prazer sensorial e, claro, de história.

Graças ao Alentejo pude explorar e venho explorando todas as regiões vinícolas de Portugal que, tão pequeno, geograficamente falando, mostra-se tão grande em seus terroirs tão particulares uns dos outros.

E falando em particularidade o Alentejo me cativou e cativa tanto pelo fato da personalidade de seus rótulos! Uma região quente, no clima, que entrega vinhos estruturados, volumosos, de caráter. Quer um vinho cheio de vida? Encorpado? Vá de Alentejo!

Lembro-me, com nostalgia, que um momento importante para mim foi ter participado de um evento, no Rio de Janeiro, dedicado aos vinhos Alentejanos, o “Vinhos do Alentejo”, em 2018, cuja resenha pode ser lida aqui. Foi um momento singular, ter degustado rótulos dos principais produtores, das principais microrregiões, com particulares muito peculiares, mostrando que a região ainda continua viva na produção de vinhos tradicionais, mas com arrojo contemporâneo.

E o contemporâneo, o tradicional, se mescla com o apelo regionalista que é respeitado sublimemente, mas que atinge, dado o seu caráter e tipicidade conquistado pelo regionalismo, um status global, exportando o nome de Portugal para o mundo.

E a garrafeira, como a adega é chamada em Portugal, com isso, está sempre bem representada pelo Alentejo e chegou a hora de degustar em especial que, intencionalmente deixei por algum tempo nela para degustar em seu ápice e provar também, para mim mesmo, da capacidade de longevidade que determinados rótulos dessa região pode alcançar e com qualidade. 

E o rótulo de hoje é de um produtor que, por aqui em terras brasileiras, não me parece ser conhecido chamado Ferreira Malaquias e que inclusive degustei uns rótulos, mas da região do Dão, chamado Cova do Frade da emblemática casta portuguesa Touriga Nacional, na versão básica e reserva. Ótimos e surpreendentes vinhos com uma ótima relação preço X qualidade.

O alentejano de hoje também tem uma ótima relação preço X qualidade e, quando foi finalmente desarrolhado mostrou-se vivo, pleno, elegante e de personalidade, como tem de ser quando é oriundo da região. O vinho que degustei e gostei chama-se Vinha Longa Reserva, composto pelo blend Aragonez (60%), Touriga Nacional (20%) e Touriga Franca (10%) da safra 2016. Seis anos de um vinho que tinha muito pela frente! Convém lembrar que, antes de reforçar a minha predileção pelo Alentejo, transcrevendo a sua história, já havia degustado a “versão” 2015 do Vinha Longa Reserva e, claro, a experiência foi ótima!


Alentejo

Situado na zona sul de Portugal, o Alentejo é uma região essencialmente plana, com alguns acidentes de relevo, não muito elevados, mas que o influenciam de forma marcante. Embora seja caracterizada por condições climáticas mediterrânicas, apresenta nessas elevações, microclimas que proporcionam condições ideais ao plantio da vinha e que conferem qualidade às massas vínicas. As temperaturas médias do ano variam de 15º a 17,5º, observando-se igualmente a existência de grandes amplitudes térmicas e a ocorrência de verões extremamente quentes e secos.

Alentejo

Mas, graças aos raios do sol, a maturação das uvas, principalmente nos meses que antecedem a vindima, sofre um acúmulo perfeito dos açúcares e materiais corantes na película dos bagos, resultando em vinhos equilibrados e com boa estrutura. Os solos caracterizam-se pela sua diversidade, variando entre os graníticos de "Portalegre", os derivados de calcários cristalinos de "Borba", os mediterrânicos pardos e vermelhos de "Évora", "Granja/Amarelega", "Moura", "Redondo", "Reguengos" e "Vidigueira". Todas estas constituem as 8 sub-regiões da DOC "Alentejo".

História (Passado, presente e futuro)

A história do vinho e da vinha no território que é hoje o Alentejo exige uma narrativa longa, com uma presença continuada no tempo e no espaço, uma gesta ininterrupta e profícua que poucos associam ao Alentejo. Uma história que decorreu imersa em enredos tumultuosos, dividida entre períodos de bonança e prosperidade, entrecortados por épocas de cataclismos e atribulações, numa flutuação permanente de vontades, com longos períodos de trevas seguidos por breves ciclos iluministas e vanguardistas.

É uma história faustosa e duradoura, como o comprovam os indícios arqueológicos presentes por todo o Alentejo, testemunhas silenciosas de um passado já distante, evidências materiais da presença ininterrupta da cultura do vinho e da vinha na paisagem tranquila alentejana. Infelizmente, por ora ainda não foi possível determinar com acuidade histórica quando e quem introduziu a cultura da videira no Alentejo.

Mas ainda assim pode-se afirmar que a história do Alentejo anda de mãos dadas com a história de Portugal e da Península Ibérica, ex-hispânicos, assim como, pertencentes a época de civilizações romana, árabe e cristãs. Em muitos lugares no Alentejo encontrar provas da civilização fenícia existente há 3.000 anos atrás.

Fenícios, celtas, romanos, todos eles deixaram um importante legado da era antes de Cristo, na região que é hoje o Alentejo. Uma terra onde a cultura e tradição caminham lado a lado. Os romanos deixaram nesta região o legado mais importante, escritos, mosaicos, cidades em ruínas, monumentos, tudo deixado pelos romanos, mas não devemos esquecer as civilizações mais antigas que passaram pela zona deixando legados como os monumentos megalíticos, como Antas.


Após os romanos e os visigodos, os árabes, chegaram a esta terra com o cheiro a jasmim, antes da reconquista, que chegaram com a construção de inúmeros castelos, alguns deles construídos sobre mesquitas muçulmanas e a construção de muralhas para proteger a cidade e as cidades que foram crescendo. Desde essa altura até hoje, o Alentejo tem continuado o seu crescimento, um crescimento baseado na agricultura, pecuária, pesca, indústria, como a cortiça e desde o último século até aos nossos dias, com o turismo com uma ampla oferta de turismo rural.


Os gregos, cuja presença é denunciada pelas centenas de ânforas catalogadas nos achados arqueológicos do sul de Portugal, sucederam aos fenícios no comércio e exploração dos vinhos do Alentejo. Por esta época, a cultura da vinha no Alentejo, apesar de incipiente, contava já com quase dois séculos de história. A persistência de uma cultura da vinha e do vinho, desde os tempos da antiguidade clássica, permite presumir, com elevado grau de convicção, que as primeiras variedades introduzidas no território nacional terão arribado a Portugal pelo Alentejo, a partir das variedades mediterrânicas.

É mesmo provável, se atendermos os registros históricos existentes, que a produção alentejana tenha proporcionado a primeira exportação de vinhos portugueses para Roma, a primeira aventura de internacionalização de vinhos portugueses! A influência romana foi tão peremptória para o desenvolvimento da viticultura alentejana que ainda hoje, dois mil anos após a anexação do território, as marcas da civilização romana continuam a estar patentes nas tarefas do dia-a-dia, visíveis através da utilização de ferramentas do quotidiano, como o Podão, instrumento utilizado intensivamente até há poucos anos. Mas foi no aproveitamento das talhas de barro, prática que os romanos divulgaram e vulgarizaram no Alentejo, que a influência romana deixou as suas marcas mais profundas e até hoje é difundida, dada a devida proporção, por alguns abnegados produtores, e claro, a sua população.

Com a emergência do cristianismo, credo disseminado quase instantaneamente por todo o império romano, e face à obrigatoriedade da presença do vinho na celebração eucarística da nova religião, abriram-se novos mercados e novas apetências para o vinho. A fé católica, ainda que indiretamente, afirmou-se como um fator de desenvolvimento e afirmação da vinha no Alentejo, estimulando o cultivo da videira na região.

Com tantas influências culturais o Alentejo sofreu com algumas crises e a primeira se deu exatamente entre os cristãos e muçulmanos. Embora os mulçumanos tenham se mostrando tolerante com os costumes dos povos conquistados, consentindo na manutenção da cultura da vinha e do vinho, sujeitando-a a duros impostos, mas autorizando a sua subsistência, logo nasceu uma intolerância crescente para com os cristãos e os seus hábitos, manifesta no cumprimento rigoroso e vigoroso das leis do Corão.

Inevitavelmente, a cultura do vinho foi sendo progressivamente negada e a vinha gradualmente abandonada, reprimida pelas autoridades zelosas das regiões ocupadas. Com a invasão muçulmana a vinha sofreu o primeiro revés sério no Alentejo. A longa reconquista cristã da península ibérica, riscada de Norte para Sul, geradora de incertezas e inseguranças, com escaramuças permanentes entre cristãos e muçulmanos, sem definição de fronteiras estáveis, maltratou ainda mais a cultura da vinha, uma espécie agrícola perene que, por forçar à fixação das populações, foi sendo progressivamente abandonada.

Foi só após a fundação do reino lusitano, concorrendo através do poder real e das novas ordens religiosas, que a cultura do vinho regressou com determinação ao Alentejo. Poucos séculos mais tarde, já em pleno século XVI, a vinha florescia como nunca no Alentejo, dando corpo aos ilustres e aclamados vinhos de Évora, aos vinhos de Peramanca, bem como aos brancos de Beja e aos palhetes do Alvito, Viana e Vila de Frades.

Em meados do século XVII, eram os vinhos do Alentejo, a par da Beira e da Estremadura, que gozavam de maior fama e prestígio em Portugal. Desventuradamente, foi sol de pouca dura! A crise provocada pela guerra da independência, logo secundada por nova crise despertada pela criação da Real Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Douro, instituída pelo Marquês de Pombal como justificação para a defesa dos vinhos do Douro em detrimento das restantes regiões, com arranques coercivos de vinhas em muitas regiões, deu matéria para a segunda grande crise do vinho alentejano, mergulhando as vinhas alentejanas no obscurantismo.

A crise foi prolongada. Foi preciso esperar até meados do século XIX para assistir à recuperação da vinha no Alentejo, com a campanha de desbravamento da charneca e a fixação à terra de novas gerações de agricultores. Nasceu então mais uma época dourada para os vinhos do Alentejo, período que infelizmente viria a revelar ser de curta duração. O entusiasmo despertou quando se soube que um vinho branco da Vidigueira, da Quinta das Relíquias, apresentado pelo Conde da Ribeira Brava, ganhou a grande medalha de honra na Exposição de Berlim de 1888, a maior distinção do certame, tendo sido igualmente apreciados e valorizados vinhos de Évora, Borba, Redondo e Reguengos.

Pouco anos mais tarde, decorria o ano de 1895, edificou-se a primeira Adega Social de Portugal, em Viana do Alentejo, pelas mãos avisadas de António Isidoro de Sousa, pioneiro do movimento associativo em Portugal. Desafortunadamente, este período de glória viria a terminar abruptamente. Duas décadas passadas, já na primeira metade do século XX, sobreveio um conjunto de acontecimentos políticos, sociais e econômicos que contribuíram decidida e decisivamente para a degradação da viticultura alentejana.

Antônio Isidoro de Sousa

Ao embate da filoxera, somou-se a primeira das duas grandes guerras mundiais, as crises econômicas sucessivas, e, sobretudo, a campanha cerealífera do estado novo que suspendeu e reprimiu a vinha no Alentejo, apadrinhando a cultura de trigo na região que viria a apelidar como "celeiro de Portugal". A vinha foi sendo sucessivamente desterrada para as bordaduras dos campos, para os terrenos marginais em redor de montes, aldeias e vilas, para as pequenas courelas em redor das povoações, reduzindo o vinho à condição de produção doméstica para autoconsumo. Em poucos anos o vinho no Alentejo, salvo raras exceções, desapareceu enquanto empreendimento empresarial.

Foi sob o patrocínio solene da Junta Nacional do Vinho, já no final da década de 1940, que a viticultura alentejana ganhou a primeira oportunidade de recobro, ainda que de forma titubeante.

O movimento associativo foi preponderante para o ressurgimento da atividade vitícola no Alentejo. Em 1970, sob os auspícios da Comissão de Planeamento da Região Sul, foi anunciado o estudo "Potencialidades das sub-regiões alentejanas", coadjuvado dois anos mais tarde pelo estudo "Caracterização dos vinhos das cooperativas do Alentejo. Contribuição para o seu estudo", do professor Francisco Colaço do Rosário, ensaios acadêmicos determinantes para o reconhecimento regional e nacional do potencial do Alentejo. Associando várias instituições ligadas ao setor e tirando proveito das sinergias criadas, o Alentejo conseguiu estabelecer um espírito de cooperação e entreajuda entre os diversos agentes.

Com a criação do PROVA (Projeto de Viticultura do Alentejo), em 1977, foram criadas as condições técnicas para a implementação de um estatuto de qualidade no Alentejo, enquanto a ATEVA (Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo), fundada em 1983, foi arquitetada para promover a cultura da vinha nos diferentes terroirs do Alentejo.

Em 1988 regulamentaram-se as primeiras denominações de origem alentejanas, fundamento para o estabelecimento, em 1989, da CVRA (Comissão Vitivinícola Regional Alentejana), garante da certificação e regulamentação dos vinhos do Alentejo.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, escuro, quase profundo, exibindo discretos tons violáceos, sendo caudaloso, manchando as bordas do copo e com lágrimas finas, lentas e abundantes.

No nariz se mostra intenso para as frutas vermelhas bem maduras, como ameixas, cerejas, com as notas amadeiradas também predominando, graças aos 12 meses em barricas de carvalho, impondo um tostado médio, com nuances especiadas, além de tabaco, couro, estrebaria, terra molhada e baunilha.

Na boca é seco, estruturado, com alguma robustez mesmo com seus 6 anos de safra, volumoso, cheio, untuoso, alcoólico, mas saboroso, elegante e equilibrado, pois entrega uma sinergia maravilhosa entre as frutas vermelhas maduras e a madeira, conferindo este último toques de caramelo, defumado, chocolate. Taninos marcados e presentes, com acidez correta e um final persistente e frutado.

Tão complexa e envolvente como a história do Alentejo, que se confunde com a história rica do Portugal vitivinícola, é igualmente complexo e especial o Vinha Longa Reserva! Um vinho que expressa, em seu caráter e tipicidade, a história do Alentejo. Vivo e pleno entrega frutas vermelhas maduras e o aporte da madeira traz a tal complexidade de que esperamos de um alentejano com notas defumadas, de tosta média, caramelo, chocolate e aquele toque terroso extremamente envolvente. Que venham mais e mais rótulos do Alentejo para que se mantenha viva em nossas taças. Tem 14,5% de teor alcoólico.

Ah e aqui cabe um pouquinho de curiosidade sobre o nome do vinho, “Vinha Longa”: O nome da gama de vinhos da Ferreira Malaquias, Vinha Longa, é inspirado nas grandes expansões típicas do Alentejo. Carrega Alentejo até no nome!

Sobre a Vinícola Ferreira Malaquias:

A Ferreira Malaquias, foi fundada em 1896, é uma empresa familiar, e está presente no negócio do vinho a quatro gerações, e sempre soube ao longo da sua história renovar o seu compromisso e dedicação, através de uma visão de longo prazo.

Fundada por José Ferreira Malaquias em 1896, já no final do século XIX se afirmava como um comerciante e exportador de vinhos de sucesso, com a sua atividade de comercialização de vinhos de lote da região do Dão.

Num passado recente a Ferreira Malaquias, cumpriu um vasto plano de investimento, com a visão de apresentar ao mercado, nacional e exportação, vinhos de qualidade e caráter, com diferentes estilos e absoluto respeito pelo “terroir” de origem.

Hoje têm no seu portfólio, as mais reconhecidas regiões vitivinícolas de Portugal - Vinhos Verdes (Minho), Douro, Alentejo e Tejo, e continuando a sua histórica ligação, que vem desde a sua fundação, aos vinhos da região do Dão.

O ano de 2013, fica marcado pelo reforço de investimento na enologia, com a entrada de um prestigiado grupo de enólogos, que veio revolucionar com conhecimento, detalhe e tecnologia, todos os vinhos da Ferreira Malaquias, expressão maior de toda a arte de construir os melhores blends e revelar a personalidade de cada região.

Acrescentar diferencial na qualidade em todas as suas marcas, tem sido confirmado, de forma sistemática, pelo reconhecimento do mercado interno e exportação, e atribuição de múltiplos prémios a nível internacional.

Mais informações acesse:

https://ferreiramalaquias.pt/

Referências:

“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/turismo/roteiros/vinhos-da-sub-regiao-da-vidigueira-denominacao-de-origem-alentejo/

“Rota dos Vinhos de Portugal”: http://rotadosvinhosdeportugal.pt/enoturismo/alentejo-2/borba/

“Vinhos do Alentejo”: https://www.vinhosdoalentejo.pt/pt/vinhos/historia-dos-vinhos/

“Visita Alentejo”: https://www.visitalentejo.pt/pt/o-alentejo/cultura/historia/

 







 












quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Encosta do Forte Special Selection 2019

 

Com o vinho nos permitimos viajar para quaisquer lugares sem se quer sair do lugar! Embora seja uma frase meio clichê, piegas mesmo, a realidade se materializa quando nos colocamos a pesquisar o vinho que degustamos! Detalhes vão surgindo, que se complementam e a cada passo que damos uma teia de temas explodem diante dos seus olhos.

E já que estou falando de frases clichês, preciso completar com outra frase que, a cada resenha que construo, também está se adequando a pieguice: O universo do vinho é vasto e inexplorado. A cada rótulo degustado essa sensação se torna evidente!

E já que estou falando em viagens eu não posso negligenciar Portugal e suas regiões tão particulares e singulares apesar de tão pequeno, geograficamente falando e uma região, em especial, vem me acalentando a cada dia ou melhor, a cada rótulo degustado: Lisboa.

A capital do país também abriga uma gama de modernidade, não só sob o aspecto cosmopolita, mas também na concepção de seus vinhos. Arrojados, contemporâneos, mas que respeita o seu terroir, a identidade cultural de um povo e as mais íntimas características da sua terra. Poucos fazem isso como Portugal: aliar tradição e modernidade com equilíbrio.

E Lisboa sintetiza isso! Traz a história do terroir, mas absorve o novo e o novo vem da terra. O que quero dizer com isso? No vinho que degustarei hoje trará, em seu blend, castas francesas em sua profusão, a predominância é da Syrah, variedade que encontrou o seu lugar em Lisboa e a rainha das uvas tintas: a Cabernet Sauvignon, além da casta “exportação” de Portugal: a Touriga Nacional.

Não precisa dizer o quão animado estou para degustar esse vinho! E como, no início desse texto, eu mencionei a importância de se conhecer a região do vinho que estamos degustando esse rótulo traz uma novidade: O vinho é oriundo de uma região chamada Arruda dos Vinhos ou Vale Encantado. Tem sido espetacular ter a noção da sub-região arraigada no vinho que degustamos, pois, além de fomentar a busca pelo saber da região em si, traz aquele apelo regionalista.

Claro que vamos tecer, com requinte de detalhes, a história da região, de Lisboa e tudo o mais, mas antes preciso apresentar o vinho que degustei e gostei. Veio claro, de Lisboa e se chama Encosta do Forte Special Selection composto pelo blend Syrah (42%), Touriga Nacional (35%) e Cabernet Sauvignon (23%) da safra 2019. O Quinta São Sebastião, produtor do vinho, é uma novidade para mim, o primeiro que degustei, o Janela Branca Special Selection 2020, também surpreendeu pela qualidade e pelo conteúdo histórico.

Lisboa

A costa de Portugal é muito privilegiada para a produção vitivinícola graças à sua posição em relação ao Oceano Atlântico, à incidência de ventos, ao solo e ao relevo que constituem o local. Entre as principais áreas produtoras podemos citar a região dos vinhos de Lisboa, antigamente conhecida como Estremadura, famosa tanto por tintos encorpados como por brancos leves e aromáticos.

Tem mais de 30 hectares de cultivo com mais de 9 mil aptas à produção de Vinho Regional de Lisboa e Vinho com Denominação de Origem Controlada. O nome passou em 2009 para Lisboa de forma a diferenciar da região de mesmo nome na Espanha, também produtora de vinhos.

O litoral da IGP Lisboa corre para o sul de Beiras a partir da capital de Portugal, onde o rio Tejo encontra o Oceano Atlântico. Suas características geográficas proporcionam certa complexidade à região, pois está situada climaticamente em zona de transição dos ventos úmidos e estios, com solo de idades variadas, secos, encostas e maciços montanhosos se contrapõem a várzeas e terras de aluvião.

Ainda sofre influência direta da capital do país localizada em um extremo da região. Uma de suas características determinantes é a grande variedade de solos, como terras de aluvião (sedimentar), calcário secundário, várzeas e maciços montanhosos, muitas vezes misturados. Cada um desses terrenos pode proporcionar às uvas características completamente diferentes.

Lisboa

Esta região possui boas condições para produzir vinhos de qualidade, todavia há cerca de quinze anos atrás a região de Lisboa era essencialmente conhecida por produzir vinho em elevada quantidade e de pouca qualidade. Assim, iniciou-se um processo de reestruturação nas vinhas e adegas. Provavelmente a reestruturação mais importante realizou-se nas vinhas, uma vez que as novas castas plantadas foram escolhidas em função da sua produção em qualidade e não em quantidade. Hoje, os vinhos da Região de Lisboa são conhecidos pela sua boa relação qualidade/preço.

A região concentrou-se na plantação das mais nobres castas portuguesas e estrangeiras e em 1993 foi criada a categoria “Vinho Regional da Estremadura”, hoje "Vinho Regional Lisboa". A nova categoria incentivou os produtores a estudar as potencialidades de diferentes castas e, neste momento, a maior parte dos vinhos produzidos na região de Lisboa são regionais (a lei de vinhos DOC é muito restritiva na utilização de castas).

Entre as principais uvas cultivadas podemos citar as brancas Arinto, Fernão Pires (ambos naturais de Portugal) e Malvasia, e as tintas, Alicante Bouschet, Castelão, Touriga Nacional e Aragonez (como é chamada a Tempranillo na região).

Acredita-se que a elaboração de vinhos seja uma atividade desde o século 12, quando os monges da Ordem de Cister se estabeleceram na região. Uma de suas principais funções era justamente a produção da bebida para a celebração de missas.

A Região de Lisboa é constituída por nove Denominações de Origem: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa), Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras).

A Região de Lisboa é constituída por nove Denominações de Origem: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa), Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras).

As regiões de Colares, Carcavelos e Bucelas outrora muito importantes, hoje têm praticamente um interesse histórico. A proximidade da capital e a necessidade de urbanizar terrenos quase levou à extinção das vinhas nestas Denominações de Origem.

A Denominação de Origem de Bucelas apenas produz vinhos brancos e foi demarcada em 1911. Os seus vinhos, essencialmente elaborados a partir da casta Arinto, foram muito apreciados no estrangeiro, especialmente pela corte inglesa. Os vinhos brancos de Bucelas apresentam acidez equilibrada, aromas florais e são capazes de conservar as suas qualidades durante anos.

Colares é uma Denominação de Origem que se situa na zona sul da região de Lisboa. É muito próxima do mar e as suas vinhas são instaladas em solos calcários ou assentes em areia. Os vinhos são essencialmente elaborados a partir da casta Ramisco, todavia a produção desta região raramente atinge as 10 mil garrafas.

A zona central da região de Lisboa (Óbidos, Arruda, Torres Vedras e Alenquer) recebeu a maioria dos investimentos na região: procedeu-se à modernização das vinhas e apostou-se na plantação de novas castas. Hoje em dia, os melhores vinhos DOC desta zona provêm de castas tintas como por exemplo, a casta Castelão, a Aragonez (Tinta Roriz), a Touriga Nacional, a Tinta Miúda e a Trincadeira que por vezes são lotadas com a Alicante Bouschet, a Touriga Franca, a Cabernet Sauvignon e a Syrah, entre outras. Os vinhos brancos são normalmente elaborados com as castas Arinto, Fernão Pires, Seara-Nova e Vital, apesar da Chardonnay também ser cultivada em algumas zonas.

A região de Alenquer produz alguns dos mais prestigiados vinhos DOC da região de Lisboa (tintos e brancos). Nesta zona as vinhas são protegidas dos ventos atlânticos, favorecendo a maturação das uvas e a produção de vinhos mais concentrados. Noutras zonas da região de Lisboa, os vinhos tintos são aromáticos, elegantes, ricos em taninos e capazes de envelhecer alguns anos em garrafa. Os vinhos brancos caracterizam-se pela sua frescura e carácter citrino.

A maior Denominação de Origem da região, Encostas d’Aire, foi a última a sofrer as consequências da modernização. Apostou-se na plantação de novas castas como a Baga ou Castelão e castas brancas como Arinto, Malvasia, Fernão Pires, que partilham as terras com outras castas portuguesas e internacionais, como por exemplo, a Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Aragonez, Touriga Nacional ou Trincadeira. O perfil dos vinhos começou a alterar-se: ganharam mais cor, corpo e intensidade.

Arruda dos Vinhos: Vale Encantado

Vila e sede de concelho, Arruda dos Vinhos é centro de uma importante região vinícola do Oeste português, a uma curta distância de 36 quilómetros da cidade de Lisboa. Não sendo certa a origem da povoação, tem-se registo de eventos por lá ocorridos à data da fundação de Portugal, por conquista aos mouros, tendo, no rescaldo, sido alicerçada uma extensão da Ordem de Santiago.

Arruda dos Vinhos

Em Arruda, encontra-se uma harmonia perfeita entre o passado e o presente, num equilíbrio urbano e rural, com monumentos centenários, como o portal manuelino da Igreja Matriz, o Chafariz Pombalino, datado de 1789, ou parte das obras militares que integram as Linhas Defensivas de Torres, de mãos dadas com uma malha urbana moderna, profundamente alargada desde a década de 1980 até ao presente, de zonas industriais não poluentes e de última geração, como centros de investigação na área farmacêutica ou vitivinícola.

Uma vila historicamente rica, com um elevado espírito de comunidade e de pertença, onde mais de 15.000 habitantes chamam casa, Arruda dos Vinhos, também conhecido como o “vale encantado” continua a explorar o seu potencial nas mais variadas vertentes agrícolas, industriais, educativas e culturais.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi de tonalidade escura, quase profunda, com algum brilho e lágrimas densas, grossas, lentas e em profusão denunciando a sua graduação alcoólica alta.

No nariz não é tão intenso, aromaticamente falando, mas notam-se as frutas vermelhas maduras, mas com algum frescor, com toques de especiarias, algo de couro e tabaco e um fundo herbáceo.

Na boca é extremamente saboroso, de leve para média estrutura, graças também ao seu bom volume de boca, um vinho cheio, por ser alcoólico, mas sem agredir, com as notas frutadas em evidência com chocolate e baunilha bem discreto, provavelmente pelo pequeno parcial do vinho ter passado por 12 meses em barricas de carvalho, com taninos envolventes, presentes, porém equilibrados, acidez média e um final persistente.

História, tradição, contemporaneidade, uma mistura, uma mescla que harmoniza bem em um vinho lisboeta, com pequenos pedaços de chão que expressam o terroir dessa região, a tipicidade em estado de graça. As castas que dão origem a este vinho vêm precisamente da encosta onde também se situa o Forte de São Sebastião ou Forte do Cego, daí a origem do nome do vinho. E falando do nome do vinho, no rótulo aparece a foto de um cão. Tentei buscar, em minhas pesquisas, referências sobre essa ligação, da região com o animal e infelizmente quase nada encontrei, mas o pouco localizado dá conta de que a região tem muito cachorro, tornando-se, além, claro, da vitivinicultura, um símbolo de Arruda dos Vinhos. Tem 13,5% de teor alcoólico.

Sobre a Quinta de São Sebastião:

O símbolo heráldico que inspira o cunho da Quinta de S. Sebastião, conta a história de um mártir e Santo Cristão, que acreditou em poder demover o Império Romano da perseguição aos cristãos.

Nascido em Roma e valente guerreiro, Sebastião ingressa no exército romano e chega ao comando da guarda pessoal do imperador – a Guarda Pretoriana. A sua conduta branda para com os prisioneiros cristãos, levou o imperador a julga-lo como traidor. Depois de executado por meio de flechas foi abandonado pelos soldados, para que sangrasse até a morte amarrado a uma árvore. 

À noite uma crente cristã, retirou o corpo de Sebastião para dar-lhe sepultura, ao perceber que este ainda estava vivo, deu-lhe abrigo e cuidados até estar restabelecido. Já recuperado, Sebastião quis continuar seu processo de evangelização e com valentia apresentou-se de novo ao imperador, censurando-o e pedindo-lhe que parasse com as injustiças cometidas contra os cristãos.

Diocleciano ordenou que fosse espancado até a morte e lançado no esgoto público impedindo que o corpo fosse venerado. Mas o corpo Sebastião acabou por ser resgatado e sepultado secretamente por crentes cristãos.

Anos mais tarde, os seus restos mortais foram solenemente transportados para a basílica onde se encontra até hoje. Nessa altura, a terrível peste que assolava Roma simplesmente desapareceu no momento da transladação. S. Sebastião passou a ser venerado como o padroeiro contra a peste, fome e guerra.

Esta crença alimentava a fé das gentes desta terra, que a acreditavam abençoada e protegida. As romarias, agradecendo a fertilidade da terra e o milagre de ter sido poupada das Pestes que assolaram o País, são testemunho deste fato. A história de S. Sebastião inspirou o espírito lutador e convicto das gentes desta terra, que do vinho faziam e fazem vida. É esta a herança da Quinta de S. Sebastião, a crença e a paixão que os tempos alimentaram de saber e rigor para contar uma nova história.

Hoje, a vida na quinta ainda reserva as tradições, os ritmos e as rotinas que as vinhas ditam. E acreditar na produção de vinhos de excelência não é só uma crença é uma vontade firmada de capacidade, conhecimento e ambição de vida.

A conjugação dos fatores climáticos amenos, dos declives soalheiros, da localização geográfica, da proximidade do mar, da proteção da montanha, e claro das pessoas que todos os dias vivem e cuidam das terras e vinhas da Quinta de São Sebastião, dão corpo ao renascer de vinhos com uma frescura característica e uma identidade muito própria

Os Vales de diferentes exposições solares e distintos declives de terras férteis, a influência do ar marítimo apaziguado pelas montanhas e a presença de cursos de água, criam um microclima equilibrado, perfeito para a produção do que de melhor se faz em Portugal. Formados por calcários, margas, argolas e arenitos, os solos podem considerar-se produtivos, em quase toda a área do conselho Arruda dos Vinhos.

A Quinta de São Sebastião apresenta um terroir ideal que garante a qualidade das mais variadas castas e se, aos fatores naturais, juntando o carinho e o respeito no cuidado que é dado, obtendo os frutos perfeitos que abrem as portas à criação de vinhos exclusivos, servindo os mais exigentes e rigorosos critérios de seleção.

Por isso, para os tintos, as escolhas da fruta recaíram sobre um conjunto de castas nacionais e estrangeiras, as tintas francesas Syrah e Merlot e as portuguesas Touriga Nacional e Tinta Roriz (Aragonês). Nas brancas a opção foi para as variedades nacionais Arinto e Cercial. Embora em 2007 a primeira vindima não tenha respondido às exigências, já em 2008 o resultado foi o renascer de vinhos com uma forte identidade.

Mais informações acesse:

https://quintassebastiao.com/

Referências:

“Blog Divvino”: https://www.divvino.com.br/blog/vinho-lisboa/

“Olhar Turístico”: https://www.olharturistico.com.br/regiao-dos-vinhos-de-lisboa/

“Belle Cave”: https://www.bellecave.com.br/vinhos-de-lisboa-saiba-mais-sobre-essa-regiao-produtora

“Infovini”: http://www.infovini.com/pagina.php?codNode=3901

“Freguesia de Arruda dos Vinhos”: https://www.jf-arruda.pt/freguesia/historia#:~:text=Uma%20vila%20historicamente%20rica%2C%20com,%2C%20industriais%2C%20educativas%20e%20culturais.