Definitivamente o vinho está ligado a história de seu povo, a
história e cultura da região a qual foi concebido. É inacreditável, pelo menos
é o que me parece, dissociar isso e também o enófilo dissociar isso de sua
realidade e limitar-se a degustação.
Evidente que a degustação é o primordial e o ápice de quem
aprecia a poesia líquida, mas nada melhor que trazer o “tempero” da história às
degustações. E não se pode enganar que até as castas, os blends, tudo está
ligado ao terroir, está ligado com a sua região.
O vinho de hoje, a degustação de hoje “harmoniza”
perfeitamente com essa convergência entre o vinho e a sua degustação com a
cultura e a história de seu povo e de sua forma de conceber os rótulos.
A começar pelo blend: Fernão Pires e Arinto. Não há como
negar que esse corte de cepas típicas de todas as regiões lusitanas impera,
claro, em todas as regiões e é um corte maravilhoso. Entrega e enaltece o que
há de melhor nas características das duas uvas: frescor, leveza, boa acidez,
entre outros.
Degustei do Tejo, degustei de Setúbal e definitivamente me
arrebatou e agora vem de Lisboa o próximo rótulo. E esse é um tanto quanto
famoso em nossas terras, talvez um dos mais vendidos lisboetas no Brasil e não
preciso dizer que Lisboa entrou em minha enófila vida e com aquela intensidade.
Mas nesse rótulo não é só Lisboa, mas a história que cerca o
povo dessa cidade, por isso que comecei esse texto com a questão da
“harmonização” da história, cultura e vinho, bem como as suas manifestações
comportamentais.
E sem mais delongas vamos às apresentações do vinho: O vinho
que degustei e gostei veio, claro, de Lisboa e se chama Alfacinha, um branco
composto por Fernão Pires (50%) e Arinto (50%) da safra 2021.
E por que o vinho se chama “Alfacinha”? Em Portugal, quem nasce
na capital Lisboa é conhecido por “alfacinha”. Segundo alguns dos habitantes
dessa cidade, o apelido se deve ao fato de eles serem pacíficos e
pequenos. Outros falam que suas sacadas estão cheias da hortaliça.
Para ajudar na solução deste mistério, o Gabinete de Estudos
Olisiponenses (olisiponense = de Lisboa) enviou um grupo de documentos de sua
vasta biblioteca. Deles, podem-se tirar as seguintes explicações:
Os lisboetas comiam muita alface
Em 1943, Fernanda Reis publicou um artigo no Boletim do “Grupo
Amigos de Lisboa” um artigo com o título “Alfacinhas”, em que saiu pela capital
portuguesa perguntando sobre a razão do nome. “Explicaram-me que tal soubriquet
(apelido) viera aos da capital por serem muito amigos de alfaces e pôr as
comerem exageradamente”, escreveu ela.
As mulheres de Lisboa não se moviam muito, assim como
a hortaliça
Diz Fernanda Reis, no mesmo texto: “Talvez se possa avaliar
qualquer coisa de suas antepassadas que viviam como aves de estimação fechadas
em casas-gaiola e só usavam de uma liberdade muito reduzida para ir à Igreja,
para cumprir o dever de uma visita ou ainda para figurar na romaria devota de
uma procissão”.
Os lisboetas gostavam de visitar o campo
Segundo a revista LX Metrópole, de maio de 2002, os
portugueses gostavam de “ir às hortas (…) em busca de frescura, da sombra
das árvores e do folguedo”.
A alface era abundante
Em um jornal de 1984, na coluna O Poço da Cidade, aparecem
ainda outras explicações. “Há quem explique que nas colinas de Lisboa primitiva
verdejavam já as plantas hortenses utilizadas na culinária, na perfumaria e na
medicina, que dão pelo nome de alfaces. ‘Alface’ vem do árabe, o que poderá
indicar que o cultivo da planta começou quando da ocupação da península pelos pelos
fiéis de Alá”.
Os lisboetas já tiveram de viver só da hortaliça
Continua a coluna O Poço da Cidade: “Há também quem
sustente que, num dos cercos que a cidade foi alvo, os habitantes da capital
portuguesa tinham como alimento quase exclusivo as alfaces de suas hortas”.
Por sorte, as explicações acima não são conflitantes e
pode-se concluir facilmente que os nascidos em Lisboa são chegados nessa
folhinha verde.
Lisboa
A costa de Portugal é muito privilegiada para a produção
vitivinícola graças à sua posição em relação ao Oceano Atlântico, à incidência
de ventos, ao solo e ao relevo que constituem o local.
Entre as principais áreas produtoras podemos citar a região
dos vinhos de Lisboa, antigamente conhecida como Estremadura, famosa tanto por
tintos encorpados como por brancos leves e aromáticos.
Tem mais de 30 hectares de cultivo com mais de 9 mil aptas à
produção de Vinho Regional de Lisboa e Vinho com Denominação de Origem
Controlada. O nome passou em 2009 para Lisboa de forma a diferenciar da região
de mesmo nome na Espanha, também produtora de vinhos.
O litoral da IGP Lisboa corre para o sul de Beiras a partir
da capital de Portugal, onde o rio Tejo encontra o Oceano Atlântico. Suas
características geográficas proporcionam certa complexidade à região, pois está
situada climaticamente em zona de transição dos ventos úmidos e estios, com
solo de idades variadas, secos, encostas e maciços montanhosos se contrapõem a
várzeas e terras de aluvião.
Ainda sofre influência direta da capital do país localizada
em um extremo da região. Uma de suas características determinantes é a grande
variedade de solos, como terras de aluvião (sedimentar), calcário secundário,
várzeas e maciços montanhosos, muitas vezes misturados. Cada um desses terrenos
pode proporcionar às uvas características completamente diferentes.
Esta região possui boas condições para produzir vinhos de
qualidade, todavia há cerca de quinze anos atrás a região de Lisboa era
essencialmente conhecida por produzir vinho em elevada quantidade e de pouca
qualidade. Assim, iniciou-se um processo de reestruturação nas vinhas e adegas.
Provavelmente a reestruturação mais importante realizou-se
nas vinhas, uma vez que as novas castas plantadas foram escolhidas em função da
sua produção em qualidade e não em quantidade. Hoje, os vinhos da Região de
Lisboa são conhecidos pela sua boa relação qualidade/preço.
A região concentrou-se na plantação das mais nobres castas
portuguesas e estrangeiras e em 1993 foi criada a categoria “Vinho Regional da
Estremadura”, hoje "Vinho Regional Lisboa". A nova categoria
incentivou os produtores a estudar as potencialidades de diferentes castas e,
neste momento, a maior parte dos vinhos produzidos na região de Lisboa são
regionais (a lei de vinhos DOC é muito restritiva na utilização de castas).
Entre as principais uvas cultivadas podemos citar as brancas
Arinto, Fernão Pires (ambas naturais de Portugal) e Malvasia, e as tintas,
Alicante Bouschet, Castelão, Touriga Nacional e Aragonez (como é chamada a
Tempranillo na região).
Acredita-se que a elaboração de vinhos seja uma atividade
desde o século 12, quando os monges da Ordem de Cister se estabeleceram na
região. Uma de suas principais funções era justamente a produção da bebida para
a celebração de missas.
A Região de Lisboa é constituída por nove Denominações de
Origem: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa),
Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e
Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras).
A Região de Lisboa é constituída por nove Denominações de
Origem: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa),
Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e
Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras).
As regiões de Colares, Carcavelos e Bucelas outrora muito
importantes, hoje têm praticamente um interesse histórico. A proximidade da
capital e a necessidade de urbanizar terrenos quase levaram à extinção das
vinhas nestas Denominações de Origem.
A Denominação de Origem de Bucelas apenas produz vinhos
brancos e foi demarcada em 1911. Os seus vinhos, essencialmente elaborados a
partir da casta Arinto, foram muito apreciados no estrangeiro, especialmente
pela corte inglesa. Os vinhos brancos de Bucelas apresentam acidez equilibrada,
aromas florais e são capazes de conservar as suas qualidades durante anos.
Colares é uma Denominação de Origem que se situa na zona sul
da região de Lisboa. É muito próxima do mar e as suas vinhas são instaladas em
solos calcários ou assentes em areia. Os vinhos são essencialmente elaborados a
partir da casta Ramisco, todavia a produção desta região raramente atinge as 10
mil garrafas.
A zona central da região de Lisboa (Óbidos, Arruda, Torres
Vedras e Alenquer) recebeu a maioria dos investimentos na região: procedeu-se à
modernização das vinhas e apostou-se na plantação de novas castas.
Hoje em dia, os melhores vinhos DOC desta zona provêm de
castas tintas como, por exemplo, a casta Castelão, a Aragonez (Tinta Roriz), a
Touriga Nacional, a Tinta Miúda e a Trincadeira que por vezes são lotadas com a
Alicante Bouschet, a Touriga Franca, a Cabernet Sauvignon e a Syrah, entre
outras. Os vinhos brancos são normalmente elaborados com as castas Arinto,
Fernão Pires, Seara-Nova e Vital, apesar da Chardonnay também ser cultivada em
algumas zonas.
A região de Alenquer produz alguns dos mais prestigiados
vinhos DOC da região de Lisboa (tintos e brancos). Nesta zona as vinhas são
protegidas dos ventos atlânticos, favorecendo a maturação das uvas e a produção
de vinhos mais concentrados. Noutras zonas da região de Lisboa, os vinhos
tintos são aromáticos, elegantes, ricos em taninos e capazes de envelhecer
alguns anos em garrafa. Os vinhos brancos caracterizam-se pela sua frescura e
carácter citrino.
A maior Denominação de Origem da região, Encostas d’Aire, foi
a última a sofrer as consequências da modernização. Apostou-se na plantação de
novas castas como a Baga ou Castelão e castas brancas como Arinto, Malvasia,
Fernão Pires, que partilham as terras com outras castas portuguesas e
internacionais, como por exemplo, a Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Aragonez,
Touriga Nacional ou Trincadeira. O perfil dos vinhos começou a alterar-se:
ganharam mais cor, corpo e intensidade.
E agora finalmente o vinho!
Na taça traz um amarelo palha, bem brilhante, diria intenso e
citrinos com reflexos esverdeados. Tem discretas e rápidas lágrimas finas.
No nariz é bem aromático, com a predominância das notas
frutadas, frutas cítricas e tropicais, de polpa branca, como pera, maçã-verde,
limão, com ênfase no abacaxi e diria pêssego, com toques florais agradáveis que
denota frescor e uma mineralidade igualmente agradável.
Na boca protagoniza as frutas tropicais e cítricas, como no
aspecto olfativo, trazendo o frescor e leveza igualmente percebida no olfato. O
álcool é um tanto quanto perceptível, o que confirma o aparecimento das
lágrimas no aspecto visual, mas que não compromete em nada o conjunto do vinho,
tendo uma acidez correta, equilibrada e um final de média a alta persistência.
Cultura, história, sociedade, comportamento, tudo harmoniza
maravilhosamente com o vinho e o faz ainda melhor! As características não são
apenas do terroir, das suas cepas, mas também do seu povo, da sua história, da
sua gente e Portugal faz dessa convergência a realidade de seus vinhos, o apelo
regional é pleno, vívido e transborda, de forma latente, em nossas taças. Tem
12% de teor alcoólico.
Sobre a Quinta do Gradil (Parras Wines):
A Parras Vinhos de Luís Vieira nasce no ano de 2010,
atualmente com sede em Alcobaça, onde também está instalada a unidade de
engarrafamento do grupo. Cinco anos depois, com a empresa consolidada e voltada
para o mercado internacional, surge a necessidade de se fazer um
reposicionamento de marca e “vesti-la” de outra forma, mais atual.
É assim que no início de 2016 aparece a Parras Wines, mais
jovem, mais flexível, e numa linguagem universal para que possa ser facilmente
compreendida por todos, mesmo os que estão além-fronteiras.
Descendente de um pai e de um avô que sempre trabalharam com vinho, Luís Vieira é o único dono deste projeto. Aos cinco anos caiu num depósito de vinho e quase morreu afogado, não fosse um colaborador do avô na altura, que atualmente é seu, tê-lo salvo. Hoje, recorda com graça esse episódio e diz mesmo que simboliza o seu “batismo nestas andanças do vinho”.
A empresa começa então a formar-se com terra própria na
Região Vitivinícola de Lisboa, mais exatamente na freguesia do Vilar, Cadaval,
com duzentos hectares de propriedade em extensão, sendo que 120 são hoje de
vinha plantada.
Na mesma região do país, um bocadinho mais acima, na zona de
Óbidos, a Parras Wines é também responsável pela exploração de 20 hectares de
vinha que dão origem aos vinhos Casa das Gaeiras. Com sede em Alcobaça, nas
antigas instalações de uma fábrica de faianças, deu-se início a uma nova área
de negócio – uma Unidade de Engarrafamento de Bebidas, que hoje serve também de
sede à Parras Wines e que se chama Goanvi.
Cinco anos mais tarde, em 2010, constitui-se então a Parras
Vinhos, hoje Parras Wines. Para além de terra na Região de Lisboa, o grupo
começou paralelamente a produzir vinhos de outras regiões do país. Através de
parcerias com produtores locais, a empresa consegue assim dar resposta às
necessidades globais que iam surgindo do mercado, produzindo vinhos do Douro,
Vinhos Verdes, Dão, Lisboa, Tejo, Península de Setúbal e Alentejo.
Mais informações acesse:
Referências:
“Blog Divvino”: https://www.divvino.com.br/blog/vinho-lisboa/
“Olhar Turístico”: https://www.olharturistico.com.br/regiao-dos-vinhos-de-lisboa/
“Belle Cave”:
https://www.bellecave.com.br/vinhos-de-lisboa-saiba-mais-sobre-essa-regiao-produtora
“Infovini”: http://www.infovini.com/pagina.php?codNode=3901