sábado, 21 de janeiro de 2023

Matiz Cabernet Sauvignon 2013

 

Sempre ouvi e li comentários de que os vinhos brasileiros não são dotados de longevidade, incapazes de proporcionar boa evolução em garrafas por anos e anos. Não sei se nutrimos, em outros aspectos da sociedade, o famoso “complexo de vira-latas”, que não permite que valorizemos os nossos produtos, ufanismos à parte.

Claro que não tenho absolutamente nada contra os vira-latas, os acho adoráveis e carinhosos, não tem motivo para associá-los a baixa autoestima, com o devido respeito a frase cunhada pelo grande Nelson Rodrigues. O que me preocupa verdadeiramente é de fato a baixa autoestima dos brasileiros e a capacidade apenas de valorizar o que não é nosso.

Evidente que a vitivinicultura brasileira, em comparação com as demais do Velho Mundo, por exemplo, ainda está engatinhando, é muito jovem e ainda tem um longo caminho a percorrer para chegar ao status de excelência, mas sim, temos vinhos para todos os gostos e exigências, inclusive os vinhos de guarda.

E nada melhor que constatar isso conhecendo novos produtores que vem despontando no cenário do vinho brasileiro e em regiões em igual condição, ou seja, novas regiões que estão sendo desbravadas por abnegados produtores e homens do vinho.

É o caso da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul e a Vinícola Hermann! A “joia bruta”, como alguns especialistas chama a região, vem produzindo vinhos de tipicidade e de grande personalidade e também os longevos rótulos!

Os vinhos da Hermann, vinícola sediada em Santa Catarina, mas que cultivam seus vinhos na Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul, eu tive o prazer de conhecer em um evento que uma casa de vendas de vinhos em minha cidade, Niterói, estava promovendo, no ano de 2022 e que pode ser lido aqui os detalhes do evento.

Fui ao evento, confesso, sem muita expectativa, pois não conhecia a vinícola e também porque desde 2020 eu não participava de eventos de degustação em virtude do caos pandêmico a qual fomos acometidos nesses últimos dois anos. Então lá fui!

Degustei cerca de seis rótulos e gostei muito e comprei cerca de três rótulos distintos, inclusive um tinha nove anos quando o degustei, o Matiz Plural 2013, degustado em 2022, além do excelente Lírica Crua, um espumante natural com as leveduras que foi simplesmente arrebatador.

E degustei outro que decidi esperar o seu décimo ano de garrafa (um período “redondo”, sem mais) para degusta-lo e esse, também da linha “matiz”, deixou uma excelente impressão no referido evento e, dessa vez, eu teria uma garrafa todinha para mim.

Então sem mais delongas vamos às apresentações do vinho! O vinho que degustei e gostei veio da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul, e de chama Matiz Cabernet Sauvignon da safra 2013. E para não perder o costume, vamos de histórias, vamos de Serra do Sudeste!

Serra do Sudeste

Nossa mais famosa região vinícola é, sem dúvida alguma, a Serra Gaúcha, da qual faz parte a primeira área de Indicação de Procedência brasileira, o Vale dos Vinhedos. De dentro para fora, sabemos que o Vale está chegando ao seu limite de plantio.

Como área de procedência certificada, as regras que controlam sua existência são rígidas e hoje sobram poucas terras de qualidade às vinícolas para que plantem suas uvas. Ele não deixa de ser, no entanto, o polo para onde convergem as atrações turísticas e as grandes instalações produtoras das vinícolas, incluindo suas adegas.

Os outros municípios que compõem a região da Serra Gaúcha vêm se desenvolvendo com constância como Garibaldi, Flores da Cunha e Farroupilha. Mas algumas novidades interessantes estão aparecendo em cidades a noroeste de Bento Gonçalves, como Guaporé, na linha Pinheiro Machado e Casca, na direção de Passo Fundo.

Mas tem uma região que, apesar de ter sido descoberta na década de 1970, pode-se considerar que se trata de uma região nova, pois somente a partir dos anos 2000, com investimentos feitos pelas vinícolas da Serra Gaúcha, que o potencial dela foi, de fato, explorado. Essa região é a Serra do Sudeste.

Ela forma uma espécie de ferradura virada para o mar, ligando os municípios de Encruzilhada do Sul e Pinheiro Machado, separados ao meio pelo rio Camaquã, que deságua na Lagoa dos Patos. Essa região faz divisa com outra importante área vinícola brasileira, a Campanha Gaúcha, dividida entre Campanha Meridional (que começa na cidade de Candiota) e Campanha Oriental, que segue a linha da fronteira com o Uruguai.


Serra do Sudeste

A Serra do Sudeste tem colinas suaves, que facilitam o plantio e a mecanização, tornando-a um terroir mais simples de trabalhar. Aliadas a isso, estão as condições climáticas mais favoráveis do que no Vale dos Vinhedos.

Essa região tem o menor índice de chuvas do Estado do Rio Grande do Sul, além de noites frias mesmo no verão, justamente a época da maturação das uvas. Essas condições naturais, além de um solo mais pobre e de origem granítica, ajudam a ter maior concentração de cor, estrutura e potencial de envelhecimento dos vinhos.

O Instituto de Pesquisa Agrícola do Rio Grande do Sul mapeou pela primeira vez esta área nos anos 1970, mas é no começo da década de 2000 que as primeiras vinícolas de certa importância começam a plantar vinhedos por aqui, entre os municípios de Encruzilhada do Sul, o principal, Pinheiro Machado e Candiota (mesmo próxima de Bagé Candiota é considerada pelo IBGE como pertencente à Serra do Sudeste e não à Campanha, embora haja controvérsias).

Em grande parte, se trata de uma região vitícola, geralmente as uvas aqui colhidas são conduzidas nas instalações das vinícolas na Serra Gaúcha e lá transformadas em vinho, esta região ainda não possui, e nem pleiteia em curto prazo, o reconhecimento a Denominação de Origem Controlada, quando, e se, isso ocorrer o vinho deverá ser produzido por aqui, já que este é um fator crucial na lei das denominações de origem.

As castas internacionais dominam a viticultura na Serra do Sudeste, tintas e brancas que na Serra Gaúcha podem representar um desafio pelo clima úmido, aqui prosperam com mais facilidade, o índice pluviométrico é alinhado com o estado do Rio Grande do Sul, chove um pouco menos que no Vale dos Vinhedos, mas o que mais importa é que as chuvas são mais bem distribuídas ao longo do ano, raramente coincidindo com o período da colheita das variedades tardias.

A característica dos vinhos daqui é o bom nível de aromas, a acidez pronunciada por conta da presença do calcário e o perfil gastronômico, boa acidez, taninos enxutos nos tintos e presença mineral nos brancos. Uvas mais cultivadas na região são: Malbec, Cabernet Franc, Merlot, Gewurztraminer, Sauvignon Blanc e Malvasia.

Se é verdade que a Serra do Sudeste não possui o panorama encantador da Serra Gaúcha, é também verdade que seus vinhos representam um patrimônio da vitivinicultura brasileira que merece ser descoberto, e sem demora.

E agora finalmente o vinho!

Na taça apresenta um vermelho rubi intenso, mas com reflexos violáceos bem brilhantes, o que surpreende em se tratar de um vinho de 10 anos de garrafa, ou seja, sem nenhum traço de evolução sob o aspecto visual.

No nariz traz um incrível e agradável frescor capitaneado pelas notas frutadas, de frutas vermelhas e pretas maduras, com destaque para framboesas, amoras, cerejas com a presença do carvalho, pelos longos 24 meses em barricas, em uma bela sinergia, muito bem integrado ao vinho, além de toques herbáceos, de especiarias, como pimenta preta e pimentão, típico da casta, couro e algo de mineral e floral.

Na boca é saboroso, envolvente, com boa presença e volume, bem untuoso, algo bem convidativo e instigante, diria, mas macio, elegante, conquistados por uma década de garrafa. Essa complexidade e personalidade marcante são garantidas também pela madeira, que, de forma discreta, se revela, com arrojados toques de baunilha e leve toque de torrefação e tosta. Tem taninos redondos, amáveis, com excelente acidez com final frutado.

O projeto da Hermann trouxe um dos caras mais importantes atualmente da enologia lusitana, o Anselmo Mendes, considerado como o “pai da Alvarinho”, que trouxe um pouco da identidade do seu país para agregar ao terroir da Serra do Sudeste. É evidente que essa parceria traz peso e qualidade aos rótulos e que pude comprovar em degustar esse maravilhoso rótulo que aos dez anos mostrou-se vivo, pleno e com aptidão para evoluir por mais alguns anos em garrafa. Sim os vinhos brasileiros têm potencial de guarda, têm complexidade, têm relevância e têm a cara do vinho brasileiro, sem cópias e comparações com o Velho Mundo. O Matiz Cabernet Sauvignon representa a elegância, a complexidade, o arrojo que todo vinho com a sua proposta pode entregar. Tanto que comprei outro rótulo que decidi deixar por pelo menos mais cinco anos na adega. Como o encontrarei? Isso já é outra história. Tem 13,4%¨de teor alcoólico.

Sobre a Vinícola Hermann:

A família Hermann trouxe todo o seu know-how de profundos conhecedores de diversas regiões vinícolas do mundo para a esfera da produção de vinhos, apostando no potencial dos melhores terroirs da região sul do Brasil.

Proprietários de uma das maiores importadoras de vinhos de alta qualidade do país, a Decanter, compraram em 2009 um vinhedo de grande vocação em Pinheiro Machado, na Serra do Sudeste no Rio Grande do Sul, plantado com mudas de alta qualidade por um dos viveiros líderes de Portugal.

A assessoria enológica de um dos mais brilhantes enólogos de Portugal, o renomado “rei do Alvarinho” Anselmo Mendes - “Enólogo do Ano” pela Revista de Vinhos de Portugal em 1997 - ao lado do talentoso enólogo Átila Zavarizze, garante a excelência na transformação das uvas promissoras em grandes vinhos brasileiros, com caráter e tipicidade.

Mais informações acesse:

http://www.vinicolahermann.com.br/

Referências:

“Marco Ferrari Sommelier”: https://www.marcoferrarisommelier.com.br/blog.php?BlogId=33

“Cave BR”: https://www.cavebr.com.br/serra-do-sudeste-1

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-nova-fronteira-sul_8619.html

“intelivino”: https://intelivino.com.br/serra-do-sudeste







sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

San Antolin Reserva 2012

 

Já li e ouvi muitas discussões, questionamentos e problemáticas com relação a qualidade dos vinhos que ostentam, em seus rótulos, as nomenclaturas “Reserva” e “Gran Reserva”.

E os questionamentos e discussões pairam em torno de uma questão de suma importância para nós enófilos, mas que, para os “aristocratas do vinho” pode se tornar um fato de segregação, que são os valores dos vinhos, sobretudo aqueles valores baixos.

Gera-se uma discussão acerca dos valores baixos dos vinhos reservas e gran reservas, principalmente os espanhóis, e sumariamente os rejeita com um argumento que, penso, ser pouco contundente, de que não se pode degustar tais vinhos com valores abaixo de R$50.

Eu confesso que fomentar essa “polêmica” é totalmente desnecessário, haja vista que qualidade não se mensura, penso eu, pelo preço do vinho, até porque o que precisamos levar em consideração é a proposta do vinho, o que ele pode te entregar e principalmente o que você espera de um vinho para o momento em que você deseja degustar um rótulo.

Me parece se tratar de um argumento totalmente segregador, de que vinho bom é vinho caro, buscando nesse conceito ou pré-conceito, no vinho como artigo de etiqueta social, excluindo aqueles da base da pirâmide social desse nicho seletíssimo do vinho.

Mas não, não podemos pensar dessa maneira! Vinho é para todos e para todos também tem de ser as diversas propostas, é o que o vinho nos proporciona: propostas para as mais diversas situações e momentos. Não há um vinho pior que outro.

Então pensando nisso decidi desbravar algumas regiões da já mencionada por aqui, a Espanha. Sair um pouco ou simplesmente mudar o foco de regiões tradicionais, emblemáticas e famosas como Rioja e Ribera del Duero, por exemplo.

E há cerca de um ano atrás, aproximadamente, descobri um rótulo em um famoso e-commerce de vinhos aqui no Brasil por um valor espetacularmente baixo (R$39,90) de uma região chamada Navarra, um Gran Reserva. Sim! Um Gran Reserva! Como degustar e comprar um Gran Reserva a esse valor? Mesmo baixo decidi ousar e comprar.

Eu o comprei dois anos antes, 2019 e decidi degusta-lo em 2021, pois a safra era de 2011. Optei por desarrolhá-lo aos 10 anos de vida. Era o Gran Villa Gran Reserva 2011. E a experiência foi arrebatadora, especial! Decidi investir em novos rótulos dessa região. 

Mas revisitando os meus “arquivos de degustação” encontrei um que havia esquecido e que achei da forma mais despretensiosa do mundo em um supermercado, praticamente jogado, esquecido e empoeirado no rodapé das gôndolas: um branco da famosa casta Viúra ou Macabeo chamado El Lagar de la Aldea 2017, há um valor, pasmem, de R$19,90! E que vinho delicioso!

E em minhas incursões pela grande rede, pela internet, encontrei outro de Navarra que, por uma grata coincidência, é do mesmo produtor do Gran Villa Gran Reserva, desta vez um Reserva, da Bodegas Bornos.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio de Navarra, um espanhol chamado San Antolin Reserva composto pelas castas Cabernet Sauvignon (60%), Graciano (35%) e Garnacha (5%) da safra 2012.

Ah e mais um com mais de dez anos de garrafa, 11 anos para ser mais preciso! Essa aventura dos vinhos velhos, sobretudo os espanhóis, tem me levado a experiências sensoriais incríveis e esse, para não perder o costume, surpreendeu positivamente! E para não perder o costume também falemos dessa bela região que, a cada dia, venho me aventurando: Navarra!

DO (Denominação de Origem) Navarra

A região de Navarra (DO Navarra) fica ao norte da região de Rioja, entre a parte baixa dos Pirenéus, até o rio Ebro, apresentando cerca de 11.500 hectares ocupados por vinhedos, graças ao seu solo extremamente fértil e propício para o cultivo de inúmeras castas.

A viticultura começou já no século II a. C quando os romanos criaram as primeiras adegas. Por muitos anos, o vinho foi produzido pelos monges dos inúmeros monastérios desta antiga área vitivinícola.

Na idade Média, Navarra era um reino poderoso, aliado à França, o que ajudou o desenvolvimento da viticultura. O fato que fica no Caminho de Santiago aumentou a demanda, os vinhos de Navarra sendo recomendados aos romeiros.

Navarra

As videiras foram devastadas pela praga filoxera em 1892, eliminando quase 98% das vinhas na época. No início do século XX, foram replantadas vinhas com raízes do Novo Mundo. Produtores formaram cooperativas e produziram vinho em grande quantidade, exportado a granel. Somente nos anos 1980, vinícolas privadas começaram a fazer vinhos de qualidade. A Denominación de Origen, originalmente aprovada em 1933, foi modificada para refletir a transição de vinhos de massa para vinhos de qualidade.

A região produz cerca de 89 milhões de litros de vinho por ano, dos quais 30% são exportados. Apesar dos vinhos brancos da região fazerem bastante sucesso e agradarem aos exigentes paladares da crítica especializada, é a produção de vinhos tintos que se destaca em Navarra. Em decorrência disso, 70% da produção da área espanhola é constituída de vinhos tintos, sendo os outros 25%, destinados a produção de vinhos brancos e rosés.

Diversas variedades de uva são cultivadas na região, como as da casta Moscatel, Chardonnay, Mazuelo, Graciano, Merlot, Cabernet Sauvignon e Viura. Entretanto, as uvas de maior sucesso da região de Navarra são a Garnacha e a Tempranillo. Por muitos anos, a Garnacha foi de longe a variedade de uva mais plantada nas vinhas, intercaladas com as fazendas de frutas e vegetais pelas quais Navarra é tão famosa. Até pouco tempo atrás, as vinhas velhas de Garnacha, dominavam o território.

Tempranillo ultrapassou Garnacha como a variedade mais plantada, com Cabernet Sauvignon chegando em terceiro lugar. Os resultados são muito respeitáveis, se muito raramente são excepcionais. As bodegas de Navarra foram capazes de investir em carvalho francês para suas uvas francesas.

Consideravelmente auxiliados por um programa de pesquisa do governo local, eles fizeram uma avaliação cuidadosa de variedades de uvas: Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e, especialmente, Tempranillo - que agora produz alguns vinhos finos e concentrados, tipicamente envelhecidos em carvalho americano.

Navarra tem clima continental, com verão seco e quente, e invernos bem frios. Tem uma influência marítima vendo do mar Atlântico, moderando as temperaturas durante a maduração das uvas, e a noite, as temperaturas caiem no fim de agosto. A grande diversidade dos vinhos de Navarra reflita a influência da confluência dos climas das 2 principais zonas de produção da região, situação excepcional na península ibérica: atlântico na Tierra Estella e na Baja Montaña; mediterrâneo na Ribera Alta e na Ribeja Baja.

Na década de 1980 a região começou a passar por grandes mudanças, com a renovação de mentalidade trazida por produtores jovens e inquietos, que culminou com a redescoberta e valorização das castas mais tradicionais e de seus vinhedos de vinhas velhas. Como os preços médios ainda permanecem mais baixos que os da Rioja, os vinhos de Navarra tornaram-se opções muito interessantes.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um lindo e instigante vermelho rubi intenso, escuro com halos evoluídos, de cor atijolada denotando seus 11 anos. Tem lágrimas em profusão, grossas, lentas e que mancham o bojo.

No nariz traz um bouquet exalando frutas pretas maduras, onde se destacam amoras e cereja preta, com notas amadeiradas, graças aos seus 24 meses em barricas de carvalho francês, bem integradas ao conjunto do vinho, além de baunilha, couro, tabaco, estrebaria, chocolate e baunilha, conferindo-lhe complexidade.

Na boca é seco, de estrutura mediana, cheio, untuoso e alcoólico, mas com muita elegância graças aos seus 11 anos de garrafa. Replicam-se as percepções amadeiradas, trazendo a torrefação, tosta e algo de caramelo e mentolado e frutadas como no aspecto olfativo, com taninos persistentes, porém redondos e marcantes, com baixa acidez e um final de média persistência e retrogosto frutado.

Um misto de sentimentos me tomou de assalto quando degustei o San Antolin Reserva: o prazer de degustar um vinho com 11 anos de vida, o que, convenhamos não é cotidiano, e pelo fato de carregar, de ostentar o título de “Reserva”, um reserva espanhol que traz todo o rigor da famosa “Lei 24/2003, de 10 de julho, sobre vinha e vinho”. 

Sobre a Bodega Señorio de Sarría:

Embora a adega tenha sido fundada em 1953, muitos séculos de história contemplam estas terras como zona de cultivo de vinha. Diz a história que o Senhor de Sarría desde a Idade Média, por intermédio de crônicas da época, acompanhou o rei Sancho El Fuerte na batalha de Las Navas de Tolosa em 1212.

Séculos depois, no século XVI, a história do Señorío e Navarra se confunde ainda mais, já que o então senhor de Sarría (Juan de Azpilicueta), irmão de San Francisco Javier (atual patrono de Navarra), pagou seus estudos em Paris, com os rendimentos obtidos na pecuária e exploração agrícola desta fazenda. O manuscrito no qual San Francisco Javier agradece a seu irmão por esta ajuda ainda é preservado hoje.

E foi muitos anos depois, em 1953, quando o renomado empresário navarro Don Félix Huarte comprou o Señorío, realizou as novas plantações de vinhedos e construiu a vinícola, passando a produzir e comercializar vinhos com a marca Señorío de Sarría.

Posteriormente, em 1981, a adega separou-se da família Huarte e iniciou uma nova etapa, que teve um importante renascimento em 2001, dando início a um novo e ambicioso projeto de renovação de instalações e vinhas, de forma a estar na vanguarda do panorama nacional e internacional mercado.

Situado em Puente La Reina, no coração do Caminho de Santiago, o Señorío de Sarría está localizado em uma área que oferece condições de clima e solo imbatíveis, o que permite a produção de uma gama de vinhos da mais alta qualidade.

100 hectares de vinhas de múltiplas variedades estão espalhados pelas encostas e espreguiçadeiras de Puente La Reina, Olite e Corella. Cada planta, cada vinha, cada parcela, recebe um cuidado primoroso e um acompanhamento particular para produzir vinhos magníficos desde a sua origem. Cada casta foi cuidadosamente selecionada e cultivada no local mais adequado, tendo em conta as condições de luz, humidade e temperatura exigidas em cada caso.

Mais informações acesse:

https://www.bodegadesarria.com/

http://www.bornosbodegas.com/

Referências:

“Premium Wines”: https://www.premiumwines.com.br/_regiao_olha.php?reg=72

“Vindame”: https://www.vindame.com.br/navarra

“Bella Cave”: https://www.bellecave.com.br/vinhos-de-navarra-na-espanha

“Mistral”: https://www.mistral.com.br/regiao/navarra




sábado, 14 de janeiro de 2023

Vitis Barbera 2018

 

Estamos, creio, testemunhando uma volta ao passado na vitivinicultura do Brasil ou a recuperação de um passado, não sei dizer exatamente. Estamos presenciando um “boom” de castas autóctones italianas em nossos terroirs.

Cepas como Sangiovese, Teroldego, Barbera e por aí o vai são alguns dos exemplos de algumas clássicas uvas, tendo outras, não muito conhecidas, despontando em nossas terras, sobretudo no sul do Brasil, mais precisamente em Santa Catarina.

Alguns produtores por lá cultivam apenas castas oriundas da Itália! E o que estou tentando dizer com uma volta ao passado? Nos primórdios de nossa jovem vitivinicultura, foram os italianos, os imigrantes, que desbravaram as nossas selvagens, intocáveis terras e cultivaram algumas cepas americanas, haja vista que o clima não “harmonizou” com as castas vitis viníferas que os italianos trouxeram consigo.

Hoje com toda a tecnologia e a expertise dos seus descendentes, com uma retaguarda de capital de algumas verdadeiras indústrias do vinho, estão revistando o passado de seus desbravadores cultivando castas do país da bota.

A Itália e suas castas estão sendo revisitadas em terras brasilianas trazendo o passado para o presente, mas enaltecendo a tipicidade do local, das terras brasileiras. E não se enganem que seja apenas no sul do Brasil, no Rio Grande do Sul ou em Santa Catarina, mas há informações de que no Centro Oeste brasileiro algumas vinícolas estão produzindo a Barbera! Sensacional!

E por falar em Barbera a minha degustação de hoje trará uma vinícola de peso, de tradição que tem, em seu portfólio, um clássico feito de outro clássico piemontês, a Barbera.

Uma junção de clássicos que entrega uma casta tradicional, com um rótulo tipicamente da Serra Gaúcha, talvez a mais emblemática e icônica região produtora de vinhos, não só do Brasil, mas da América Latina.

Então sem mais delongas vamos às apresentações! O vinho que degustei e gostei veio do Vale Trentino, entre Caxias do Sul e Farroupilha, na Serra Gaúcha, um brasileiro chamado Vitis da clássica italiana Barbera da safra 2018.

Um pouco sobre a linha “vitis”: os varietais dessa linha de rótulos, a Barbera e também a Marselan, fazem parte de uma categoria de uvas raras no Brasil e representam os resultados surpreendentes que o terroir do Vale Trentino oferece para estas castas europeias sem passagem por barrica. A linha foi lançada após mais de 10 anos do plantio das videiras, momento no qual se percebeu que as mesmas haviam revelado sua tipicidade na região.

Serra Gaúcha

Situada a nordeste do Rio Grande do Sul, a região da Serra Gaúcha é a grande estrela da vitivinicultura brasileira, destacando-se pelo volume e pela qualidade dos vinhos que produz. Para qualquer enófilo indo ao Rio Grande do Sul, é obrigatório visitar a Serra Gaúcha, especialmente Bento Gonçalves.

Serra Gaúcha

A região da Serra Gaúcha está situada em latitude próxima das condições geoclimáticas ideais para o melhor desenvolvimento de vinhedos, mas as chuvas costumam ser excessivas exatamente na época que antecede a colheita, período crucial à maturação das uvas. Quando as chuvas são reduzidas, surgem ótimas safras, como nos anos 1999, 2002, 2004, 2005 e 2006.

A partir de 2007, com o aquecimento global, o clima da Serra Gaúcha se transformou, surgindo verões mais quentes e secos, com resultados ótimos para a vinicultura, mas terríveis para a agricultura.

Desde 2005 o nível de qualidade dos vinhos tintos vem subindo continuamente, graças a esta mudança e também do salto de tecnologia de vinhedos implantado a partir do ano 2000.

Vale Trentino, Distrito de Forqueta

Localizada a 15Km da área central da cidade de Caxias do Sul, a Região Administrativa de Forqueta tem como característica principal a produção de vinhos e uvas, que responde por cerca de 90% da sua economia rural. Conta a história de que o nome surgiu devido a abertura de uma casa de comércio no entroncamento da Estrada Geral com a estrada que levava aos Santos Anjos. O entroncamento tinha a forma de um garfo, uma “forchetta” em italiano, derivando aí o nome de Forqueta.

Distrito de Forqueta (Destaque)

Vale Trentino é o nome do roteiro que faz parte dessa região, um percurso que reúne atrativos em Caxias do Sul e Farroupilha. Tem duas características fortes: o cultivo da uva, com lindos vales e parreirais, o que garante um belo passeio para contemplar as lindas paisagens. No centro está o museu da Uva e do Vinho Plínio Slomp.

Outra característica é a religiosidade dentre as 15 capelas em diferentes localidades do interior, uma é em devoção a Nossa Senhora da Salete, a padroeira dos agricultores e de São Roque, em Farroupilha, que data de 1898 e é uma das mais antigas.

Forqueta ainda tem a Festa do Vinho Novo, realizada a cada dois anos nos três primeiros finais de semana de julho. O evento conta com exposições, shows, desfiles temáticos e culinária típica.

Barbera, o “vinho do povo”.

Uma das maiores uvas italianas, ficando atrás apenas da Sangiovese, a uva Barbera, conhecida anteriormente por produzir vinhos de menor qualidade, hoje é responsável por vinhos nobres e notáveis. Esta casta passou, pelos últimos anos, uma verdadeira história de superação. Trata-se da uva que é responsável pelo vinho que os piemonteses consomem no dia a dia, daí o nome que foi concedido pelas pessoas da região: “o vinho do povo”.

Acredita-se que a uva Barbera tem origem nas montanhas de Monferrato, na região central de Piemonte, na Itália. Alguns documentos, datados entre 1246 e 1277, encontrados na Catedral da Casale Monferrato, detalham acordos relacionados a vinhedos plantados com “de bonis vitibus barbexinis”, a uva Barbera.

Contudo, um ampelógrafo chamado Pierre Viala especula que ela se originou em Oltrepò Pavese, na região da Lombardia. Nos séculos 19 e 20, ondas de imigrantes italianos trouxeram esta cepa para a Califórnia, Argentina e outros lugares nas Américas. Em 1985, um evento trágico relacionado à uva Barbera envolveu produtores adicionando ilegalmente metanol aos vinhos.

Esta ação causou declínio no plantio e vendas da uva. Isto levou a Montepulciano tomar o posto da uva Barbera no meio da década de 90. Anteriormente considerada uva de vinhos inferiores, até o escândalo de Relações Públicas nas décadas de 80 e 90, a uva Barbera tomou um rumo de superação muito interessante.

Frutado, ele tem gosto de cerejas, morangos e framboesas. Quando jovem, o vinho Barbera pode ter aroma de mirtilos também. Com pouco tanino e alta acidez natural, a uva Barbera é uma boa pedida para harmonizar vinhos com alimentos ricos e reconfortantes, como queijos, carnes e cogumelos.

Além de Piemonte, a uva Barbera é cultivada em outras regiões da Itália, como Campania, Emilia-Romagna, Puglia, Sardenha e Sicília, somando 52.600 acres de plantação. Fora do país, a Argentina, a Austrália, os Estados Unidos e até mesmo o Brasil são outros produtores conhecidos de vinhos de qualidade com a Barbera. Em regiões quentes, como a Califórnia, nos EUA, destacam-se toques de ameixa, além do sabor frutado de cereja.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela uma cor vermelho rubi intensa, brilhante e com reflexos violáceos, com lágrimas finas e em profusão, mas rápidas.

No nariz traz o protagonismo das frutas vermelhas, remetendo a cerejas, amoras, framboesa e morango, além de delicadas expressões de especiarias.

Na boca é seco de textura leve, mas de marcante personalidade por ser untuoso, com o destaque para a fruta replicando as impressões olfativas. Tem taninos sedosos, amáveis, macios, com acidez evidente, mas equilibrada e um final de média persistência e retrogosto frutado.

Terroir, história, experiências sensoriais... Tudo parece convergir para o prazer, para a celebração de se degustar um vinho, de se ter à mesa um vinho para, primordialmente, proporcionar a alegria, o momento único de se ter em nossa humilde taça um vinho desse naipe. O passado é o presente, que inspira o futuro. Ah sim o Brasil vem ganhando expertise para o cultivo de uvas autóctones italianas e se tornará, a médio e/ou longo prazo um dos grandes produtores nesse quesito no mundo, até porque, tendo como primeira referência, o Vitis Barbera, não há como negar, mesmo que com uma dose generosa de euforia, esse momento para a história da vitivinicultura do Brasil. Que venham muitos, que o passado, o presente e o futuro se entrelacem. Tem 14% de teor alcoólico.

Sobre a Casa Perini:

Em 1876 chegava da Itália a família Perini com Giuseppe e Antônio Perini, mas somente em 1929 começaram a elaborar seus primeiros vinhos de forma artesanal no porão de sua casa, quando os fornecia para cerimônias festivas da comunidade local, no Vale Trentino, em Farroupilha.

Quatro décadas após o patriarca iniciar sua modesta produção, seu filho viria a promover mudanças maiores. Em outubro de 1970 resolve ampliar os negócios da família, fundando a Casa Perini.

Motivado e apaixonado por transformar a uva em vinho, buscam a cada ano aperfeiçoar a vinícola com equipamentos, tecnologia e equipe qualificada, pois sem uma equipe profissional a arte de elaborar vinhos perde criatividade e talento. Em 2005 a Família Perini adquire a unidade Bacardi Martini em Garibaldi agregando tecnologia ao seu processo produtivo através dos tanques “Vinimatics”, utilizados na maceração e fermentação dos vinhos tintos.

Em 2010 a vinícola foi pioneira no setor ao implantar o sistema de rastreabilidade no qual é possível, através do número do lote, rastrear todo o caminho do vinho desde o vinhedo até a garrafa. O reconhecimento vem a cada prêmio alcançado e a cada consumidor satisfeito, o que se comprova com a conquista de mais de 200 medalhas nacionais e internacionais e, principalmente, com a recente premiação do Casa Perini Moscatel, eleito o 5° melhor vinho do mundo de 2017 pela WAWWJ (World Association of Writers & Journalists of Wines & Spirits).

Mais informações acesse:

https://www.casaperini.com.br/home

Referências:

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/piemonte-grandiosa-regiao-italiana_8360.html

“Vem da Uva”: https://www.vemdauva.com.br/vinho-barbera-conheca-suas-caracteristicas/

“Enologuia”: https://enologuia.com.br/uvas/256-uva-barbera-conheca-o-vinho-do-povo

“Blog Art des Caves”: https://blog.artdescaves.com.br/uva-barbera-mais-plantadas-na-italia

“Academia do Vinho”: https://www.academiadovinho.com.br/__mod_regiao.php?reg_num=SERRAGAUCHA

“Guia de Caxias do Sul”: https://www.guiadecaxiasdosul.com/turismo/rural/categoria/regiao-de-forqueta-roteiro-vale-trentino

“Destinos do Sul”: https://destinosdosul.com/2021/02/24/uvas-e-muita-historia-no-vale-trentino-em-caxias-do-sul/






domingo, 8 de janeiro de 2023

Terras de Felgueiras Vinhão 2020

 

Algumas gratas descobertas nos enchem de alegria e orgulho, diria, no universo dos vinhos. E elas se materializam em eventos de degustação que, além das referidas descobertas, nos propicia conversar com os produtores sobre os seus rótulos, bem como o intercâmbio de informações e conhecimento com os demais participantes enófilos. 

E o rótulo de hoje, embora eu conheça o produtor, e tenha me enamorado pelos seus vinhos, eu não conhecia e me encheu de satisfação e alegria quando o localizei em um popular supermercado em minha cidade, Niterói.

O evento foi o maravilhoso “Vinho Verde Wine Experience de 2020” e o produtor é a Vercoope. Uma das adegas cooperativas da belíssima região dos Vinhos Verdes com mais entrada e representatividade de mercado aqui no Brasil.

Já tinha degustado o Terras de Felgueiras AlvarinhoLoureiro e surpreenderam pela excelente relação qualidade X preço e quando estive no evento que deixou saudades, pois lamentavelmente, desde 2020, não é realizado, encontrei o estande da Vercoope e como já era de se esperar a fila estava grande.

Mesmo tendo degustado alguns de seus rótulos e podemos incluir os da linha mais básica, eu decidi, claro, me aproximar do estande de exposição de seus vinhos e degustar novamente os rótulos que havia tido contato e quem sabe outros novos vinhos para mim.

Encontrei uma simpática expositora que já fez perguntas sobre a vinícola e com a garrafa do Alvarinho em mãos. Disse que já o conhecia, mas fiz questão de degusta-lo novamente. Mas olhando um pouco mais de atenção observei alguns espumantes feitos com a casta Loureiro (a minha preferida da região de Vinhos Verdes) e um tinto. Sim! Um vinho verde tinto!

Para os desavisados há vinho verde tinto embora seja produzido em uma escala muito baixa em proporção com relação aos já famosos brancos. Eu, interessado, tentei buscar informações acerca desses dados, desses números e infelizmente nada encontrei de atualizado, mas recordo-me que, há algum tempo atrás, eu li em algum site de que a proporção é de 85% de produção de brancos e pouco menos de 10% de tintos e em menor proporção ainda os rosés, com cerca de 5% da produção.

A predominância é dos brancos e são esses rótulos que chegam à profusão em nossas terras e chegam em relevantes números, pois são, geralmente leves e frescos, tendo e muito a ver com as nossas características climáticas.

Mas de volta ao evento eu vi um da casta Vinhão e claro me pus a experimentá-lo e a nossa simpática e atenciosa expositora fez questão de encher a minha taça e tecendo maravilhas a seu respeito. A princípio pensei: é coisa de quem está expondo, falar bem é o seu trabalho. Mas quando o degustei fui arrebatado! Estava maravilhoso! O destaque ficou para a sua excelente acidez que saliva, para os seus taninos (Sim!), mas fresco, leve e altivo.

Mas após a degustação logo lamentei: Infelizmente não poderei comprar por aqui no evento, pois não está à venda! Espero que eu consiga encontra-lo disponível para venda em algum lugar e a expositora, preocupada em me animar, disse que poderia ser encontrado em vários supermercados do Rio de Janeiro.

Então me lembrei do supermercado muito popular que havia comprado o Alvarinho. Quem sabe eu poderia encontrar o Terra de Felgueiras Vinhão. E encontrei! E por um preço tão arrebatador quanto o vinho: cerca de R$35,00! Não hesitei e comprei.

Estava animado para degusta-lo inteiro, a garrafa inteira! Eu já tinha degustado uns poucos vinhos verdes tintos com a Vinhão em blends, em cortes, não varietal como esse. Então o vinho que degustei e gostei veio da região dos Vinhos Verdes e se chama Terras de Felgueiras da casta Vinhão (100%) da safra 2020.

Antes de tecer os comentários acerca desse vinho falemos um pouco da emblemática região dos Vinhos Verdes e um pouco dessa casta que ainda é pouco conhecida pelos brasileiros: a Vinhão.

Vinhos Verdes: Entre-Douro-e-Minho

Desde o tempo da ocupação romana, antes da era cristã, a vinha era cultivada na margem sul do Rio Minho da forma característica e invulgar que se mantém até hoje. Não se trata de suposição. As referências à viticultura na região encontram-se nos escritos do naturalista Plínio, o Velho, em sua História Natural, e do filósofo Sêneca, em seu compêndio Questões Naturais. Está também documentada na legislação do Imperador Domiciano, entre 96 e 51 a.C.

Na Idade Média multiplicam-se as referências escritas ao cultivo das uvas e a elaboração de vinhos no noroeste lusitano, a partir das atividades nos mosteiros e do decisivo suporte da coroa portuguesa. O vinho entra definitivamente, entre os séculos XIII e XIV, nos hábitos das populações entre o Minho e o Douro ao mesmo tempo em que se dá a expansão econômica da região e a crescente circulação da moeda. Ainda que a exportação fosse pequena, os vinhos verdes foram, entre os vinhos portugueses, os primeiros conhecidos fora das fronteiras, particularmente na Inglaterra.

No início do século XX, ultrapassados os problemas das quebras de produção devido às pragas, foram tomadas medidas especiais para a colocação dos vinhos locais e escoamento dos excedentes. Tornava-se obrigatório, para isso, conservar a genuinidade e a qualidade dos produtos, assegurando-se seu valor do ponto de vista cultural e econômico.

O ano de 1908 é crítico na história portuguesa: o rei Carlos I e seu filho são assassinados, abrindo caminho para a República. Nesse mesmo ano, a região dos vinhos verdes é demarcada oficialmente e dividida em seis sub-regiões: Monção, Lima, Basto, Braga, Amarante e Penafiel. O limite a oeste é o Atlântico e, ao norte, a Espanha.

Região dos Vinhos Verdes

A Região Demarcada dos Vinhos Verdes está dividia em nove sub-regiões, cada uma com sua característica específica e suas castas de uva recomendadas:

Sub-região de Monção e Melgaço: utilizam-se apenas as castas Pedral (tinta) e Alvarinho (branca). É de lá o mais icônico Alvarinho, com notas cítricas misturadas com nuances de aromas florais e de frutos tropicais e paladar mineral.

Sub-região de Amarante: as castas brancas são Azal e Avesso e originam vinhos com aromas frutados e com o maior teor alcoólico da Região. Mas é dos tintos que vem a fama da sub-região. Elaborados com Amaral, Vinhão e Espadeiro, são vinhos com cor carregada e muito viva.

Sub-região de Baião: também tem muita notoriedade na produção dos brancos, a partir da casta Avesso.

Sub-região de Basto: a casta Azal atinge o seu máximo potencial e resultam vinhos com aroma de limão e maçã verde muito frescos, de alta acidez.

Sub-região do Cávado: têm vinhos brancos das castas Arinto, Loureiro e Trajadura com acidez moderada e notas de frutos cítricos e de pomar. Os vinhos tintos são na maioria cortes de Vinhão e Borraçal, cor intensa vermelho granada e aromas de frutos frescos.

Sub-região do Lima: Os vinhos brancos mais famosos são produzidos a partir da casta Loureiro. Os aromas são finos e elegantes e vão desde limão até rosas.

Sub-região de Paiva: produz alguns dos tintos mais prestigiados de toda a região a partir de Amaral e Vinhão.

Sub-região do Sousa: utiliza a casta Espadeiro, principalmente para a produção de rosés, sendo alguns dos mais destacados da Região.

Sub-região do Ave: Arinto e Loureiro Trajadura juntas compõem um blend perfeito com frescura viva e notas florais e de frutas cítricas.

O uso indiscriminado dos termos “Vinhos Verdes” ou “Vinho Verde” gera muita confusão. Pode parecer uma questão simplesmente ligada ao plural, mas não é. Os termos se referem à Região dos Vinhos Verdes (plural), uma das 14 regiões demarcadas de Portugal e à Denominação de Origem Controlada (DOC) Vinho Verde (singular). Para receber o selo de Denominação de Origem Vinho Verde, os vinhos devem respeitar as normas estabelecidas pela lei. Não há restrição de área de cultivo, toda a produção realizada dentro da Região dos Vinhos Verdes pode receber o selo se respeitarem as diretrizes da DOC.

Em 1926 foi criada a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), responsável por controlar e certificar os produtos elaborados na região. Quando a amostra apresentada à CVRVV não cumpre com os requisitos legais para ser certificada como DOC, o exemplar recebe o selo IG Minho. Isso não quer dizer que o vinho é de pior qualidade, apenas que não se enquadra legalmente aos parâmetros pré-definidos. A IG Minho permite a utilização de maior variedade de castas, incluindo uvas internacionais, e regras distintas de vinificação.

Na maioria dos casos, os produtores não estão buscando necessariamente a tipicidade do vinho, mas a produção de vinhos inovadores. É comum encontrar vinhos IG Minho mais caros que os DOC Vinhos Verdes. Alguns produtores optam de forma intencional por rotular seus vinhos como Regional do Minho, até mesmo por questões de marketing e posicionamento de mercado.

A região dos Vinhos Verdes tem influência atlântica, reforçada pela orientação dos vales dos principais rios, que correndo de nascente para poente facilitam a penetração dos ventos marítimos. É observada elevada pluviosidade, temperatura amena, pequena amplitude térmica e solo majoritariamente granítico e localmente xistoso. Mas algumas regiões, por conta do microclima, apresentam características de terroir distintas. O que influencia diretamente no vinho.

Por que vinho verde?

Evidentemente, a cor do Vinho Verde não é verde. Então, por que esse nome? Duas são as versões mais conhecidas. O Vinho Verde leva esse nome porque as uvas da região, mesmo quando maduras, têm elevado teor de acidez, produzindo líquido cujas características lhes dão a aparência de vir de uvas colhidas antes da correta maturação.

A outra explicação diz que "Vinho Verde" significa "vinho de uma região verde", ou seja, a denominação deriva da belíssima paisagem local, onde o verde das terras cultivadas se perde no horizonte.

Felgueiras

Felgueiras é uma cidade portuguesa no Distrito do Porto, região Norte e sub-região Tâmega, com cerca de 15.525 habitantes, inserida na freguesia de Margaride. É sede de um município com 115,62 km² de área e 58.922 habitantes (2006), subdividido em 32 freguesias. O município é limitado a norte pelo município de Fafe, a nordeste por Celorico de Basto, a sueste por Amarante, a sudoeste por Lousada e a noroeste por Vizela e Guimarães.

O município é constituído por quatro centros urbanos: a Cidade de Felgueiras, a Cidade da Lixa, a Vila de Barrosas e a Vila da Longra. Verdadeiro coração da NUT Tâmega, constitui hoje uma centralidade importante no mapa de auto-estradas e itinerários principais, uma garantia sólida de afirmação das inúmeras potencialidades reais concelhias.

Os bordados são uma das mais ricas tradições do concelho, que emprega cerca de dois terços das bordadeiras nacionais. O filé ou ponto de nó, o ponto de cruz, o bordado a cheio, o richelieu e o crivo são exemplos genuínos do produto artesanal de verdadeiras mãos de fada. Os sabores autênticos da gastronomia, a frescura e intensidade dos aromas dos vinhos e o ambiente de grande animação proporcionam momentos inesquecíveis.

Dando corpo a essa riqueza, foi já constituída a “Confraria do Vinho de Felgueiras”, destinada a divulgar e defender o vinho e a gastronomia felgueirenses. Felgueiras, com 58 000 habitantes é um dos concelhos com a população mais jovem do país e da Europa. Uma terra de exceção que aposta na valorização dos seus recursos humanos, na consolidação do campus politécnico, no desenvolvimento econômico (pleno emprego e centro de negócios) e na consolidação das suas infraestruturas.

Marcada pela invulgar capacidade empreendedora do seu povo é responsável por 50% da exportação nacional de calçado, por um terço do melhor Vinho Verde da Região e por um valioso patrimônio cultural. Felgueiras é um dos municípios com maior desenvolvimento do Norte do País.

A primeira referência histórica a Felgueiras data de 959, no testamento de Mumadona Dias, quando é citada para identificar a vila de Moure: "In Felgaria Rubeans villa de Mauri". Felgueiras deriva do termo felgaria, que significa terreno coberto de fetos que, quando secos, são avermelhados (rubeans).

Havendo quem afirme que o determinativo Rubeans se deve a que o local foi calcinado pelo fogo. Existem historiadores que afirmam que Felgueiras recebeu foral do conde D. Henrique. No entanto, apenas se conhece o foral de D. Manuel a 15 de outubro de 1514.

 No entanto, já em 1220, a terra de Felgueiras contava com 20 paróquias (conhecidas hoje em dia como freguesias) e vários mosteiros e igrejas. Em 1855, ao ser transformado em comarca, Felgueiras ganhou mais doze freguesias. Em 13 de Julho de 1990 Felgueiras foi elevada à categoria de cidade.

Vinhão

A casta Vinhão é essencialmente apreciada pelas suas qualidades corantes, pois origina vinhos de cor vermelha intensa e opacos à luz. Pensa-se que é oriunda da zona do Minho e teria sido levada para a região do Douro, onde é conhecida por Sousão.

Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes. 

O Vinhão representa um vinho popular, por vezes rústico, franco e imediato na fruta e no modo de consumo e o Sousão refere-se ao vinho de nicho, menos divulgado e mais seletivo, onde a forte personalidade da casta fica moldada pela abordagem enológica. Entretanto, presencia-se uma mudança de paradigma: há Vinhões que ultrapassam a estigma do “vinho do ano” e Sousões a fingir que são “Vinhões”, com o perdão do trocadilho.

Na viragem do século, Vinhão/Sousão era a quarta casta tinta mais plantada em Portugal, representando 3% da plantação nacional. Hoje é a 10ª casta mais plantada, com 3.772 ha a nível nacional, sendo a região do Minho responsável pela maioria das plantações, sendo a casta tinta mais cultivada da região. Com alguma expressão e peso no Douro, encontra-se também nas regiões de Trás-os-Montes, Alentejo e até no Algarve, mas é claramente minoritária, sendo mais uma curiosidade do que tendência.

Na Espanha chama-se Sousón e está bastante presente na região de Galícia: DO Monterrei, Valdeorras, Rias Baixas, sobretudo nas sub-regiões Condado do Tea e O Rosal “coladas” ao rio Minho do outro lado da fronteira. Planta-se também algum Vinhão/Sousão na África do Sul, Austrália e Califórnia, mas nos dados estatísticos aparece na categoria “outras castas” e normalmente é usada para produção dos vinhos licorosos.

É uma casta originária do Minho, mais precisamente da ribeira do Lima. Viajou para o Douro no século XVII, por volta de 1790. Nesta altura, uma das principais castas do Douro era Bastardo, muito precoce, de teor alcoólico alto, mas com intensidade de cor baixíssima, por isto o Vinhão, assumindo o nome de Sousão, veio para conferir a sua cor intensa aos vinhos do Porto como alternativa às bagas de sabugueiro.

Mas existia no Minho outra casta, também antiga, com o nome Sousão. Aparecia mencionada nos estatutos da DO Vinho Verde até há relativamente pouco tempo. Esta casta não tinha nada a ver com Vinhão, nem com Sousão no Douro, mas o nome idêntico era suficiente para criar confusão. A questão resolveu-se com alteração do nome Sousão para Sezão em 2012 na lista de castas aptas à produção de Vinhos em Portugal, passando o Sousão do Douro a sinônimo oficial do Vinhão no Minho. Existem 7 clones homologados da casta e as características variam bastante em termos de rendimento, acidez e teor alcoólico.

A Vinhão é a mais conhecida e mais divulgada casta na Região do Minho. Tem maior expressão nas sub-regiões de Lima, Basto e Ave. E Amarante é afamada pelos seus vinhos tintos com predominância de Vinhão, sobretudo da zona de Gatão.

Em 1999, Vinhão ocupava 7.928 ha, em 2017 apenas metade – 3.447 ha, mas é uma das castas mais utilizadas no âmbito de restruturação da vinha (518 ha), sendo a única casta tinta a ser replantada com esta dimensão.

Os vinhos produzidos com a casta Vinhão apresentam também elevada acidez e por vezes, ficam muito acídulos. No Douro esta casta é essencialmente utilizada para conferir boa cor ao vinho, incluindo o vinho do Porto.

Pelas suas características intrínsecas, Vinhão/Sousão dificilmente chegará ao estrelato de uma Touriga Nacional. Continuará como um vinho de nicho, a despertar o interesse dos enófilos, sobretudo nos mercados mais maduros, onde se procura diferença de estilos e se aprecia o caráter de castas autóctones.

E agora finalmente o vinho!

Na taça revela um vermelho rubi intenso, profundo e opaco, caudaloso, que mancha o bojo do copo, trazendo um gaseificado visível que denotam frescor e leveza.

No nariz aromas proeminentes de frutas vermelhas frescas, como ameixas, morango e até jamelão maduro, com notas herbáceas, vegetais, couro e um floral evidente que impõe uma sensação de frescor e delicadeza.

Na boca é leve, saboroso, mas com personalidade exigida pelas características marcantes da casta. Tem uma agulha destacada, aquela efervescência gostosa e instigante. O protagonismo das frutas é replicado no paladar, com taninos leves, mas com uma leve adstringência, acidez intensa que saliva a boca, com um final persistente.

A Região dos Vinhos Verdes ainda consegue me surpreender, me trazer gratas e espetaculares experiências sensoriais. O vinho, no auge de sua simplicidade, traz tanta complexidade ao aroma e principalmente no paladar com sua explosão de acidez e taninos, mas entregando frescor e leveza como tem de ser um legítimo e típico vinho verde. E essa característica faz da casta parte de um nicho, de poucos apreciadores e logo poucos rótulos como esse chegam até nós, brasileiros. Mas para aqueles que vislumbram novidades e, consequentemente sair da temível “zona de conforto”, o Terras de Felgueiras Vinhão é o ideal. Tem 11% de teor alcoólico.

Sobre a Vercoope:

A Vercoope é uma união de sete Cooperativas Vitivinícolas da Região dos Vinhos Verdes: Amarante, Braga, Guimarães, Famalicão, Felgueiras, Paredes e Vale de Cambra. Foi criada em 1964 com o objetivo de engarrafar, comercializar e distribuir o vinho produzido pelos viticultores destas cooperativas. A união permitiu juntar a produção de 4 000 viticultores e lança-la no mercado, nacional e internacional, conseguindo mais qualidade, dimensão e competitividade.

A qualidade dos vinhos é reconhecida e comprovada pelos consumidores, pelas vendas e pelas centenas de prémios conquistados em competições de vinhos e imprensa especializada. A Vercoope produz anualmente 8 milhões de garrafas de Vinho Verde, sendo 30% para exportação. A Vercoope – União das Adegas Cooperativas da Região dos Vinhos Verdes, U.C.R.L, está inserida na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, considerada a maior região demarcada de Portugal e uma das maiores do mundo, essencialmente devido à sua extensão e da área dos solos dedicados à cultura da vinha, a que acresce uma significativa percentagem de população diretamente dependente do sector vitivinícola e nomeadamente do Vinho Verde.

A Vercoope é uma entidade vocacionada para o engarrafamento, comercialização e distribuição de Vinho Verde e integra na sua estrutura as adegas cooperativas de Amarante, Braga, Guimarães, Famalicão, Felgueiras, Paredes e Vale de Cambra que representam no seu conjunto explorações vitícolas de cerca de 5000 viticultores. Situada em Agrela, Santo-Tirso, numa estrutura moderna e tecnologicamente avançada, quer com meios técnicos quer com meios humanos, tem potenciado, desde a sua fundação, em 1964, o desenvolvimento da cultura do Vinho Verde, promovendo a sua divulgação, o seu consumo e a valorização do produtor.

Com mais de meio século de atividade a defender uma política de qualidade e prestígio para os seus vinhos, espumantes e aguardentes, ocupa por direito próprio, um lugar de destaque no sector, sendo muito naturalmente considerada uma instituição de referência no panorama regional e nacional.

Mais informações acesse:                                                                       

https://vercoope.pt/

Referências:

“Terras de Portugal” em: http://www.terrasdeportugal.pt/felgueiras

“Vinho Virtual”: https://www.vinhovirtual.com.br/uvas-351-Vinh%C3%A3o

“Grandes Escolhas”: https://grandesescolhas.com/vinhao-vs-sousao-a-dupla-face-de-uma-uva/

“Revista Adega”: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/vinho-verde-bebida-portuguesa-do-verao_8317.html

https://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-paisagem-que-deu-nome-ao-vinho_2744.html

“Reserva 85”: https://reserva85.com.br/vinho/indicacao-geografica-ig-denominacao-de-origem-do/regioes-demarcadas-de-portugal/regiao-dos-vinhos-verdes/