Não é uma grande novidade dizer que os vinhos da gigante e
emblemática Alentejo é a minha preferida em Portugal. Não é novidade dizer
também que, quando tive os primeiros contatos com os rótulos portugueses, foi
com o Alentejo que a cortina da vitivinicultura lusitana se deu.
O carinho e a predileção não são apenas com a região, com os
seus vinhos e tipicidade, com o seu terroir, mas criou-se um vínculo afetivo,
até por ter sido os primeiros a inundar as minhas humildes taças.
Evidente que a participação de mercado dos alentejanos no
Brasil é grande e a possibilidade de um primeiro contato com esses vinhos é
grande, porém, a continuidade das degustações configura-se em predileção, em
carinho para com a ensolarada região alentejana.
E o que dizer do caráter de regionalidade? O apelo regional
dos seus vinhos é imenso e os produtores parecem fazer questão de evidenciar
isso, principalmente pelo fato de ter seus rótulos exportados para todo o
mundo. São vinhos locais que ganharam o mundo e não tenha dúvida de que uma
condição acarreta na outra.
E o vinho de hoje retrata, além da força da tradição de seu
nome, mas também do apelo regional, uma definição clara de um vinho que tem bem
definido a essência de sua região, falo do Pêra Doce.
E falando em história, vem uma curiosidade sobre o nome “Pêra
Doce”: Na casa alentejana da Parras, a Herdade da Candeeira, houve em tempos
grande número de árvores de fruto, e entre elas pereiras, que aliás
justificavam o antigo nome da propriedade, Herdade das Pereiras. Eram peras
sumarentas e doces, amadurecidas pelo sol do Alentejo. O mesmo sol amadurece
hoje as uvas que originam os brancos e tintos de Pêra Doce, suaves e saborosos
como o fruto que lhes deu o nome.
O vinho que degustei e gostei veio das terras solares e quentes
do Alentejo e se chama Pêra Doce, um branco composto pelas castas Arinto (50%)
e Antão Vaz (50%) da safra 2021. Então para não perder o costume vamos de
história do Alentejo.
Alentejo
Situado na zona sul de Portugal, o Alentejo é uma região
essencialmente plana, com alguns acidentes de relevo, não muito elevados, mas
que o influenciam de forma marcante. Embora seja caracterizada por condições
climáticas mediterrânicas, apresenta nessas elevações, microclimas que
proporcionam condições ideais ao plantio da vinha e que conferem qualidade às
massas vínicas.
As temperaturas médias do ano variam de 15º a 17,5º,
observando-se igualmente a existência de grandes amplitudes térmicas e a
ocorrência de verões extremamente quentes e secos.
Mas, graças aos raios do sol, a maturação das uvas,
principalmente nos meses que antecedem a vindima, sofre um acúmulo perfeito dos
açúcares e materiais corantes na película dos bagos, resultando em vinhos
equilibrados e com boa estrutura. Os solos caracterizam-se pela sua
diversidade, variando entre os graníticos de "Portalegre", os
derivados de calcários cristalinos de "Borba", os mediterrânicos
pardos e vermelhos de "Évora", "Granja/Amareleja",
"Moura", "Redondo", "Reguengos" e
"Vidigueira". Todas estas constituem as 8 sub-regiões da DOC
"Alentejo".
História (Passado, presente e futuro)
A história do vinho e da vinha no território que é hoje o
Alentejo exige uma narrativa longa, com uma presença continuada no tempo e no
espaço, uma gesta ininterrupta e profícua que poucos associam ao Alentejo. Uma
história que decorreu imersa em enredos tumultuosos, dividida entre períodos de
bonança e prosperidade, entrecortados por épocas de cataclismos e atribulações,
numa flutuação permanente de vontades, com longos períodos de trevas seguidos
por breves ciclos iluministas e vanguardistas.
É uma história faustosa e duradoura, como o comprovam os
indícios arqueológicos presentes por todo o Alentejo, testemunhas silenciosas
de um passado já distante, evidências materiais da presença ininterrupta da
cultura do vinho e da vinha na paisagem tranquila alentejana. Infelizmente, por
ora ainda não foi possível determinar com acuidade histórica quando e quem
introduziu a cultura da videira no Alentejo.
Mas ainda assim pode-se afirmar que a história do Alentejo
anda de mãos dadas com a história de Portugal e da Península Ibérica,
ex-hispânicos, assim como, pertencentes a época de civilizações romana, árabe e
cristãs. Em muitos lugares no Alentejo encontrar provas da civilização fenícia
existente há 3.000 anos.
Fenícios, celtas, romanos, todos eles deixaram um importante
legado da era antes de Cristo, na região que é hoje o Alentejo. Uma terra onde
a cultura e tradição caminham lado a lado. Os romanos deixaram nesta região o
legado mais importante, escritos, mosaicos, cidades em ruínas, monumentos, tudo
deixado pelos romanos, mas não devemos esquecer as civilizações mais antigas
que passaram pela zona deixando legados como os monumentos megalíticos, como
Antas.
Após os romanos e os visigodos, os árabes, chegaram a esta
terra com o cheiro a jasmim, antes da reconquista, que chegaram com a
construção de inúmeros castelos, alguns deles construídos sobre mesquitas
muçulmanas e a construção de muralhas para proteger a cidade e as cidades que
foram crescendo. Desde essa altura até hoje, o Alentejo tem continuado o seu
crescimento, um crescimento baseado na agricultura, pecuária, pesca, indústria,
como a cortiça e desde o último século até aos nossos dias, com o turismo com
uma ampla oferta de turismo rural.
Os gregos, cuja presença é denunciada pelas centenas de
ânforas catalogadas nos achados arqueológicos do sul de Portugal, sucederam aos
fenícios no comércio e exploração dos vinhos do Alentejo. Por esta época, a
cultura da vinha no Alentejo, apesar de incipiente, contava já com quase dois
séculos de história. A persistência de uma cultura da vinha e do vinho, desde
os tempos da antiguidade clássica, permite presumir, com elevado grau de
convicção, que as primeiras variedades introduzidas no território nacional
terão arribado a Portugal pelo Alentejo, a partir das variedades
mediterrânicas.
É mesmo provável, se atendermos os registros históricos
existentes, que a produção alentejana tenha proporcionado a primeira exportação
de vinhos portugueses para Roma, a primeira aventura de internacionalização de
vinhos portugueses!
A influência romana foi tão peremptória para o
desenvolvimento da viticultura alentejana que ainda hoje, dois mil anos após a
anexação do território, as marcas da civilização romana continuam a estar
patentes nas tarefas do dia-a-dia, visíveis através da utilização de
ferramentas do quotidiano, como o Podão, instrumento utilizado intensivamente
até a poucos anos. Mas foi no aproveitamento das talhas de barro, prática que
os romanos divulgaram e vulgarizaram no Alentejo, que a influência romana
deixou as suas marcas mais profundas e até hoje é difundida, dada a devida
proporção, por alguns abnegados produtores, e claro, a sua população.
Com a emergência do cristianismo, credo disseminado quase
instantaneamente por todo o império romano, e face à obrigatoriedade da
presença do vinho na celebração eucarística da nova religião, abriram-se novos
mercados e novas apetências para o vinho. A fé católica, ainda que
indiretamente, afirmou-se como um fator de desenvolvimento e afirmação da vinha
no Alentejo, estimulando o cultivo da videira na região.
Com tantas influências culturais o Alentejo sofreu com
algumas crises e a primeira se deu exatamente entre os cristãos e muçulmanos.
Embora os mulçumanos tenham se mostrando tolerante com os costumes dos povos
conquistados, consentindo na manutenção da cultura da vinha e do vinho,
sujeitando-a a duros impostos, mas autorizando a sua subsistência, logo nasceu
uma intolerância crescente para com os cristãos e os seus hábitos, manifesta no
cumprimento rigoroso e vigoroso das leis do Corão.
Inevitavelmente, a cultura do vinho foi sendo
progressivamente negada e a vinha gradualmente abandonada, reprimida pelas
autoridades zelosas das regiões ocupadas. Com a invasão muçulmana a vinha
sofreu o primeiro revés sério no Alentejo. A longa reconquista cristã da
península ibérica, riscada de Norte para Sul, geradora de incertezas e
inseguranças, com escaramuças permanentes entre cristãos e muçulmanos, sem
definição de fronteiras estáveis, maltratou ainda mais a cultura da vinha, uma
espécie agrícola perene que, por forçar à fixação das populações, foi sendo
progressivamente abandonada.
Foi só após a fundação do reino lusitano, concorrendo através
do poder real e das novas ordens religiosas, que a cultura do vinho regressou
com determinação ao Alentejo. Poucos séculos mais tarde, já em pleno século
XVI, a vinha florescia como nunca no Alentejo, dando corpo aos ilustres e
aclamados vinhos de Évora, aos vinhos de Peramanca, bem como aos brancos de
Beja e aos palhetes do Alvito, Viana e Vila de Frades.
Em meados do século XVII, eram os vinhos do Alentejo, a par
da Beira e da Estremadura, que gozavam de maior fama e prestígio em Portugal.
Desventuradamente foi sol de pouca dura! A crise provocada pela guerra da
independência, logo secundada por nova crise despertada pela criação da Real
Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Douro, instituída pelo Marquês de
Pombal como justificação para a defesa dos vinhos do Douro em detrimento das
restantes regiões, com arranques coercivos de vinhas em muitas regiões, deu
matéria para a segunda grande crise do vinho alentejano, mergulhando as vinhas
alentejanas no obscurantismo.
A crise foi prolongada. Foi preciso esperar até meados do
século XIX para assistir à recuperação da vinha no Alentejo, com a campanha de
desbravamento da charneca e a fixação à terra de novas gerações de
agricultores. Nasceu então mais uma época dourada para os vinhos do Alentejo,
período que infelizmente viria a revelar ser de curta duração. O entusiasmo
despertou quando se soube que um vinho branco da Vidigueira, da Quinta das
Relíquias, apresentado pelo Conde da Ribeira Brava, ganhou a grande medalha de
honra na Exposição de Berlim de 1888, a maior distinção do certame, tendo sido
igualmente apreciados e valorizados vinhos de Évora, Borba, Redondo e
Reguengos.
Pouco anos mais tarde, decorria o ano de 1895, edificou-se a
primeira Adega Social de Portugal, em Viana do Alentejo, pelas mãos avisadas de
António Isidoro de Sousa, pioneiro do movimento associativo em Portugal.
Desafortunadamente, este período de glória viria a terminar abruptamente. Duas
décadas passadas, já na primeira metade do século XX, sobreveio um conjunto de
acontecimentos políticos, sociais e econômicos que contribuíram decidida e
decisivamente para a degradação da viticultura alentejana.
Ao embate da filoxera, somou-se a primeira das duas grandes
guerras mundiais, as crises econômicas sucessivas, e, sobretudo, a campanha
cerealífera do estado novo que suspendeu e reprimiu a vinha no Alentejo,
apadrinhando a cultura de trigo na região que viria a apelidar como
"celeiro de Portugal". A vinha foi sendo sucessivamente desterrada
para as bordaduras dos campos, para os terrenos marginais em redor de montes,
aldeias e vilas, para as pequenas courelas em redor das povoações, reduzindo o
vinho à condição de produção doméstica para autoconsumo. Em poucos anos o vinho
no Alentejo, salvo raras exceções, desapareceu enquanto empreendimento
empresarial.
Foi sob o patrocínio solene da Junta Nacional do Vinho, já no
final da década de 1940, que a viticultura alentejana ganhou a primeira
oportunidade de recobro, ainda que de forma titubeante.
O movimento associativo foi preponderante para o
ressurgimento da atividade vitícola no Alentejo. Em 1970, sob os auspícios da
Comissão de Planeamento da Região Sul, foi anunciado o estudo
"Potencialidades das sub-regiões alentejanas", coadjuvado dois anos
mais tarde pelo estudo "Caracterização dos vinhos das cooperativas do
Alentejo. Contribuição para o seu estudo", do professor Francisco Colaço
do Rosário, ensaios acadêmicos determinantes para o reconhecimento regional e
nacional do potencial do Alentejo. Associando várias instituições ligadas ao
setor e tirando proveito das sinergias criadas, o Alentejo conseguiu
estabelecer um espírito de cooperação e entreajuda entre os diversos agentes.
Com a criação do PROVA (Projeto de Viticultura do Alentejo),
em 1977, foram criadas as condições técnicas para a implementação de um
estatuto de qualidade no Alentejo, enquanto a ATEVA (Associação Técnica dos
Viticultores do Alentejo), fundada em 1983, foi arquitetada para promover a
cultura da vinha nos diferentes terroirs do Alentejo.
Em 1988 regulamentaram-se as primeiras denominações de origem
alentejanas, fundamento para o estabelecimento, em 1989, da CVRA (Comissão
Vitivinícola Regional Alentejana), garante da certificação e regulamentação dos
vinhos do Alentejo.
E agora finalmente o vinho!
Na taça apresenta um amarelo palha límpido, brilhante e
reluzente com discretos reflexos esverdeados com poucas concentrações de
lágrimas finas e ligeiramente rápidas.
No nariz trazem aromas delicados e típicos de frutas de polpa
branca, tropicais e cítricas, com destaque para pêssego, melão, pera,
maçã-verde, abacaxi, lima. Tem notas florais e uma leve mineralidade.
Na boca é leve, fresco e despretensioso, um pouco alcoólico,
mas que não compromete o conjunto do vinho e que entrega alguma personalidade.
As notas frutadas protagonizam, como no aspecto olfativo, com uma acidez
equilibrada, que torna o vinho vibrante e saboroso. Tem um final de média
persistência.
A história sendo revelada a cada dia, a cada safra, a cada
rótulo, a cada casta. O terroir traz a tipicidade, o “DNA” da região, a cultura
corrobora a vitivinicultura. O Pera Doce é uma reserva de história, é a certeza
de que o Alentejo, mesmo diante de modernismos tecnológicos, não faz questão de
dissociar-se de suas tradições, de seu passado, de suas influências culturais.
O vinho é a poesia engarrafada, mas também a explosão de história. Tem 13% de
teor alcoólico.
Sobre a Quinta do Gradil (Parras Wines):
A Parras Vinhos de Luís Vieira nasce no ano de 2010,
atualmente com sede em Alcobaça, onde também está instalada a unidade de
engarrafamento do grupo. Cinco anos depois, com a empresa consolidada e voltada
para o mercado internacional, surge a necessidade de se fazer um
reposicionamento de marca e “vesti-la” de outra forma, mais atual. É assim que
no início de 2016 aparece a Parras Wines, mais jovem, mais flexível, e numa
linguagem universal para que possa ser facilmente compreendida por todos, mesmo
os que estão além-fronteiras.
Descendente de um pai e de um avô que sempre trabalharam com
vinho, Luís Vieira é o único dono deste projeto. Aos cinco anos caiu num
depósito de vinho e quase morreu afogado, não fosse um colaborador do avô na
altura, que atualmente é seu, tê-lo salvo. Hoje, recorda com graça esse
episódio e diz mesmo que simboliza o seu “batismo nestas andanças do vinho”. A
empresa começa então a formar-se com terra própria na Região Vitivinícola de
Lisboa, mais exatamente na freguesia do Vilar, Cadaval, com duzentos hectares
de propriedade em extensão, sendo que 120 são hoje de vinha plantada.
Na mesma região do país, um bocadinho mais acima, na zona de
Óbidos, a Parras Wines é também responsável pela exploração de 20 hectares de vinha
que dão origem aos vinhos Casa das Gaeiras. Com sede em Alcobaça, nas antigas
instalações de uma fábrica de faianças, deu-se início a uma nova área de
negócio – uma Unidade de Engarrafamento de Bebidas, que hoje serve também de
sede à Parras Wines e que se chama Goanvi. Cinco anos mais tarde, em 2010,
constitui-se então a Parras Vinhos, hoje Parras Wines. Para além de terra na
Região de Lisboa, o grupo começou paralelamente a produzir vinhos de outras
regiões do país. Através de parcerias com produtores locais, a empresa consegue
assim dar resposta às necessidades globais que iam surgindo do mercado,
produzindo vinhos do Douro, Vinhos Verdes, Dão, Lisboa, Tejo, Península de
Setúbal e Alentejo.
Mais informações acesse:
Referências:
“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/turismo/roteiros/vinhos-da-sub-regiao-da-vidigueira-denominacao-de-origem-alentejo/
“Rota dos Vinhos de Portugal”: http://rotadosvinhosdeportugal.pt/enoturismo/alentejo-2/borba/
“Clube dos Vinhos Portugueses”: https://www.clubevinhosportugueses.pt/turismo/roteiros/vinhos-da-sub-regiao-da-vidigueira-denominacao-de-origem-alentejo/
“Rota dos Vinhos de Portugal”: http://rotadosvinhosdeportugal.pt/enoturismo/alentejo-2/borba/
“Vinhos do Alentejo”: https://www.vinhosdoalentejo.pt/pt/vinhos/historia-dos-vinhos/
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