Lembro-me como se fosse ontem da inacessibilidade dos vinhos
sul africanos aqui no Brasil. Isso deve ter pouco mais de 20 anos atrás quando
não tinha sequer a quantidade de e-commerces
que temos a nossa disposição atualmente.
E com esse leque de opções o nosso mercado de vinhos
absorveu, tem absorvido bem os vinhos sul africanos que hoje tem um market
share de respeito. O leque de opções não é apenas quantitativo, mas também
qualitativo. A gama de propostas está excelente e atualmente você pode,
consegue degustar vinhos mais simples aos mais complexos, encontrando-os, às
vezes, em apenas um site de venda de vinhos.
E não se engane que as opções se limitam apenas na casta
emblemática do país, a Pinotage. Hoje temos uma infinidade de cepas, das
brancas até as tintas, mostrando que os terroirs da terra de Mandela podem
cultivar cepas das mais variadas concepções.
Ainda carecem, entretanto, de vinícolas menores, com produção
baixa e limitada, entrando em nosso mercado apenas as grandes indústrias
vinícolas, mas vejo com bons olhos a possibilidade do mercado se expandir nesse
sentido.
E hoje a degustação é, mais uma vez, especial, diria
singular. Mais um sul africano de grande respeito, de imponência, austeridade,
complexidade, personalidade, que inundará a minha humilde taça e já me antecipo
nos predicados ao vinho, porque estou nutrindo uma grande expectativa, pois
esse vinho está “adormecendo” a pelo menos três anos. Então não preciso dizer
que a ansiedade domina os meus pensamentos para com este rótulo.
E o dia tão esperado chegou! O outono deu às caras, a
temperatura está agradável e amena, um rótulo de pretensa complexidade pode vir
à tona e ser contemplado no mais profundo detalhe e prazer, então, nada mais
apropriado tirar esse vinho do seu longo sono, de sua evolução.
O vinho que degustei e gostei veio da emblemática e famosa
região sul africana Western Cape e se chama Petit Plaisir composto pelas castas
Syrah (64%), Cabernet Sauvignon (21%), Petit Verdot (8%) e Cabernet Franc (7%)
da safra 2015.
E como somos enamorados pela história atrelada ao vinho,
convém falar um pouco da “Petit Plaisir”. Estabelecido pelos huguenotes
franceses em 1693 nas encostas das montanhas Simonsberg entre Paarl e
Franschhoek, Plaisir de Merle é uma joia rara. Uma “peça” de destaque da Distell, esta propriedade de 974 hectares em Simondium, Paarl, ganhou aclamação
internacional por seus vinhos brancos e tintos.
Cerca de 400 hectares são plantados com variedades de castas
nobres como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit
Verdot, Cabernet Franc, Shiraz e Malbec. Uma área de apenas cerca de 80
hectares de vinhas nobres foi reservada para a adega Plaisir de Merle.
O enólogo Niel Bester, que ganhou fama na produção de vinhos de estilo clássico mais acessíveis, atribui o sucesso de seus vinhos à capacidade de trabalhar com ótimas frutas provenientes de um terreno único, bem como à valiosa contribuição de sua equipe de viticultores.
A diversidade dos solos, encostas e elevações contribuem para
a qualidade das uvas Plaisir de Merle. Solos de granito bem drenados
(predominantemente Tukulu e Hutton) com boa retenção de água permitem
interferência mínima na irrigação com a maioria dos vinhedos sendo terra seca.
As uvas foram selecionadas e colhidas a dedo em vários vinhedos. Eles estão
situados entre 250m e 370m acima do nível do mar nas encostas sudeste do
Simonsberg. Então depois dessa é só se permitir viajar nas mais nobres
experiências sensoriais.
Western Cape: a toda poderosa região vinícola sul africana
Localizada a sudoeste da África do Sul, tendo a Cidade do
Cabo como ponto central, Western Cape é a principal região vitivinícola do
país, responsável por cerca de 90% da produção vinícola do país.
Boa parte da indústria do vinho sul-africana se concentra nessa área e microrregiões como Stellenbosch e Paarl são alguns de seus principais destaques. Com terroir bastante diversificado, a combinação do clima mediterrâneo, da geografia montanhosa, das correntes de ar fresco vindas do Oceano Atlântico e da variedade de uvas permite que Western Cape seja considerada uma verdadeira potência da produção de vinhos no país.
Suas regiões vinícolas estendem-se por impressionantes 300 quilômetros a partir da Cidade do Cabo até a foz do rio Olifants ao norte, e cerca de 360 quilômetros até a Baía Mossel, a leste – para entender essa grandiosidade, vale saber que regiões vinícolas raramente se estendem por mais de 150 quilômetros.
O clima fresco e chuvoso também favorece o plantio e a
colheita por toda a região. Entre os grandes destaques de Western Cape estão as
uvas Pinotage, Cabernet Sauvignon e Shiraz, que dão origem a excelentes
varietais e blends. Entre os brancos – que, por si só, têm grande
reconhecimento mundial –, brilham a Chenin Blanc, uva mais cultivada do país, a
Chardonnay e a Sauvignon Blanc.
As primeiras vinhas plantadas na região remetem ao século
XVII, trazidas por exploradores europeus que se fixaram por lá. Durante vários
séculos, fatores como o estilo rudimentar de produção, o Apartheid e a falta de
investimentos mantiveram a cultura vitivinícola sul-africana limitada ao
próprio país.
Somente no início do século XX, com a formação da cooperativa
KWV, que a África do Sul começou a responder por todo o controle de qualidade
do vinho que se produzia por lá, e seus rótulos passaram a chamar a atenção do
mercado internacional, dando início a um processo de exportação que conta,
inclusive, com selos de qualidade específicos para a atividade.
A proximidade da Cidade do Cabo facilita o acesso dos
visitantes às inúmeras rotas vinícolas e turísticas de Western Cape, que
incluem experiências como caminhadas, degustações por suas muitas bodegas, além
de ótimos restaurantes e hospedagens em suas pequenas e aconchegantes cidades,
a maioria em estilo europeu.
E agora finalmente o vinho!
Na taça revela um rubi intenso e escuro, com halos
evidentemente atijolados, granada, denotando os 8 anos de garrafa ou a longa
passagem por barricas. Tem lágrimas finas e lentas e em profusão que desenham o
bojo.
No nariz traz a complexidade e a riqueza incrível de frutas
pretas e vermelhas bem maduras, com destaque para cereja, ameixa, framboesa,
amora e cereja preta. É amadeirado, mas muito bem integrado ao vinho, com
toques de baunilha, torrefação e um distante chocolate. Há notas defumadas, de
especiarias, como pimenta, terra molhada e discreto herbáceo.
Na boca, como no aspecto olfativo, traz complexidade, tem
personalidade, é gordo, cheio, austero, alcoólico, mas o tempo o tornou macio e
elegante e frutado, as notas de frutas vermelhas e pretas maduras em total
convergência com as notas amadeiradas, graças aos 16 meses em barricas de
carvalho, que traz o chocolate, mais evidente no paladar, café torrado,
torrefação e baunilha. Tem taninos generosos, domados, acidez correta e um
final persistente.
Um belíssimo blend de Shiraz, Cabernet Sauvignon, Petit
Verdot e Cabernet Franc amadurecido por 12 a 16 meses em carvalho francês e
americano, extremamente aromático e que revestem a boca com notas doces e
picantes de uma baunilha e pimenta sutil, com um final sedoso e suave. Um
verdadeiro néctar que deveria vir de almofadas para se degustar ajoelhado. Mais
uma vez a região de Western Cape não deixa dúvidas de sua grande representatividade
mercadológica, de seu terroir, tendo em Paarl, o seu farol. Definitivamente um
belíssimo vinho que sem sombra de dúvidas teria ainda alguns anos de evolução
pela frente, mesmo com seus oito anos de garrafa. Tem 14% de teor alcoólico.
Sobre a Plaisir Wine Estate:
Jacob Marais, neto de Charles Marais, construiu a mansão em
1764, onde permanece até hoje como um dos primeiros e melhores exemplos da
arquitetura holandesa do Cabo. Com suas empenas ornamentadas e telhado de
colmo, a Manor House é um belo exemplo de esplendor e história.
O interior apresenta uma versão elegante e eclética do antigo
e do novo, com uma seleção de móveis em Cape, Art Nouveau, Art Deco e estilo
retrô. O resultado final é um afastamento consciente da grandeza em direção à
sinceridade não afetada com refinamento clássico.
Charles Marais era um dos poucos franceses que tinha
experiência em vinificação quando chegou ao Cabo e seu legado vínico vive na
tradição vinícola de Plaisir de Merle. A quinta prosperou e em 1705, Claude
Marais (que assumiu a gestão da quinta após o falecimento do pai) declarou 8000
vinhas e 6 léguas de vinho.
Charles Marais, um camponês huguenote de Le Plessis Marly, na
região de Ile de France, queria uma vida melhor para sua família. Eles foram atormentados
pela seca, fome, impostos exorbitantes e consequente pobreza. Esses fatores,
juntamente com a perseguição religiosa, levaram-nos a navegar para o Cabo em
1687, onde se estabeleceram no Vale Groot Drakenstein.
Em 1693, o governador do Cabo Simon van der Stel concedeu
terras à família Marais. Eles deram o nome de sua cidade natal, Le Plessis
Marly. Mais tarde, nas mãos de seu neto, Jacob, a propriedade cresceu e se
tornou uma das melhores da região. Foi Jacob quem construiu a mansão em 1764,
que continua sendo um dos primeiros e melhores exemplos da arquitetura
holandesa do Cabo hoje.
A concessão foi oficialmente assinada em 1º de dezembro de
1693. Infelizmente, Charles Marais faleceu após apenas seis meses na fazenda
com uma disputa trivial, supostamente por causa de uma melancia verde, levando
à sua morte prematura. A história conta que um Khoikhoi chamado Dikkop (ou
Edissa) atirou uma pedra em Charles, causando uma hemorragia fatal.
Charles Marais estava bem equipado para uma vida de pioneiro
na agricultura, pois a região de onde ele veio na França costumava abastecer os
mercados parisienses com vinho e cereais. Charles era um dos poucos franceses
que realmente tinha experiência em vinificação quando chegou ao Cabo. É um
equívoco comum pensar que todos os huguenotes eram viticultores (embora tenham
trazido uma cultura vinícola antiga e bem estabelecida).
Em 1729, ano em que a mãe de Claude, Catherine Taboureux, e
sua esposa Susanne Gardiol faleceram, um inventário da propriedade declarou 20
léguas de vinho no valor de 25 rix-dólares cada, 10 léguas vazias de vinho, um
funil e duas prensas antigas - tudo prova de que a família Marais transcendeu
suas raízes camponesas para se tornar dignas proprietárias de terras.
A fazenda realmente começou a prosperar em meados do século
XVIII sob a administração de Jacob Marais (e sua esposa, Maria Boeiens), neto
de Charles Marais. Em 1764, ano em que foi erguido o Solar, as vinhas tinham
35.000 videiras e a adega continha 28 léguas de vinho.
Baldes de pressão, funis, prensas de vinho e “stukvate”
enchiam a adega. Havia também uma sala de destilação separada com dois
alambiques de aguardente e duas ligas de aguardente. Pieter Marais assumiu as
rédeas de seu pai Jacob e, sob sua orientação, a fazenda também floresceu, com
os vinhedos se expandindo para 55.000 videiras.
Daniel Hugo foi o próximo proprietário da fazenda depois de
se casar com a terceira filha de Pieter, Rachel. Entre 1805 e 1831, a fazenda
prosperou sob seus cuidados. Lá temos agora 60.000 videiras, que produziram
cerca de 43 léguas de vinho. Durante este período, Daniel possuía duas adegas.
O segundo estava em um pedaço de terra no adjacente Rust-en-Vrede.
Os marcos históricos de Plaisir de Merle atuam como marcos ao
longo do tempo e como uma homenagem às gerações anteriores. Uma caminhada pela
propriedade revela essa longa história em formas de empenas, símbolos e muito
mais.
Jacob Marais (neto de Charles Marais) construiu a mansão em
1764, onde permanece até hoje como um dos primeiros e melhores exemplos da
arquitetura holandesa do Cabo. No mesmo ano em que foi erguido o solar, a adega
de Jacob continha 28 léguas de vinho (eram necessárias cerca de 1.000 videiras
para fazer 1 légua de vinho).
Várias consolidações transformaram a propriedade no moderno
Plaisir de Merle, que passou por casamento à família Hugo no século XIX. Foi
quando foi construída a adega de 1831, e a quinta passou a produzir 43 léguas
de vinho.
Depois de vários mandatos curtos, tornou-se propriedade da
Stellenbosch Farmers' Winery (agora Distell) em 1964. Três décadas depois, uma
nova adega foi encomendada com o briefing aos arquitetos para se inspirarem no
patrimônio e no ambiente natural da fazenda. Incorporando madeira, água e aço
inoxidável como elementos-chave, o edifício moderno foi concluído em 1993,
rodeado por um fosso que resfria e isola o interior do edifício.
A casa senhorial também foi restaurada e serve como pousada e
local de eventos para pequenos eventos. O interior apresenta uma versão
elegante e eclética do antigo e do novo - uma estética de design que homenageia
o longo legado da propriedade e seu espírito progressista e inovador.
O lynhuise ou longhouses foram erguidos por Frans de Wet
(proprietário de Rust en Vrede) em 1821, embora a empena tenha a data de 1831. Outro
marco histórico da propriedade é o moinho de água, uma réplica do que Jacob
Marais construiu para sua esposa Maria em 1730.
A propriedade está repleta de elementos simbólicos que contam
a história do artesanato, dificuldades, família e resistência. Na entrada do
porão, o friso (ou brasão) criado pelo artista Jan Corewijn em 1993 presta
homenagem aos primeiros pioneiros retratando visualmente sua vida e paixão.
O grifo forma uma parte importante do logotipo da Plaisir de
Merle e também aparece na forma de bicas estilizadas semelhantes a gárgulas nos
cantos dos porões. Meio leão e meio águia, o majestoso Gryphon é o rei dos animais e dos pássaros com a visão da águia e a
força e coragem do leão. Reconhecido por seu poder e inteligência, o Grifo é
considerado o guardião dos tesouros.
Mais informações acesse:
Referências:
“Vinho Capital”: https://vinhocapital.com/tag/wine/page/3/
“Wine ZO”: https://wine.co.za/wine/wine.aspx?WINEID=41878
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